por MURILO CLETO
No final de julho, escrevi para o blog Desafinado o artigo "Operação Castellucci", que contou em detalhes como a gestão Cesar Perúcio conseguiu preencher os cargos comissionados da administração e garantir altos salários respeitando o limite prudencial estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal quanto aos gastos com pessoal.
Em resumo, o texto dizia que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo exigia explicações a respeito de um contrato celebrado com a empresa Castellucci Figueiredo e Advogados Associados para "serviços técnicos especializados de consultoria e assessoria tributária, jurídica e administrativa". Na verdade, o que o TCE descobriu foi um grande esquema de compensação de receita que, por cerca de três anos, salvou o caixa da Prefeitura governada por Perúcio, mas que comprometeu profundamente as contas do município.
Desde 2010 uma operação resolveu como numa mágica os problemas da administração municipal com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina que os gastos com pessoal - incluindo sobretudo o pagamento de salários - não ultrapassem 51,3% do orçamento anual do município. Para equilibrar as contas com a lei, a prefeitura contratou três empresas diferentes para compensar pagamentos supostamente indevidos da Prefeitura Municipal de Itararé à Receita Federal durante parte da segunda metade da década passada.
No segundo ano da gestão Perúcio, R$ 132.527,75 foram pagos à empresa Nunes Amaral Advogados para a compensação de valores sobre horas extras e 1/3 de férias pagos pela prefeitura e recolhidos entre setembro de 2005 e outubro de 2010 pelo Instituto Nacional do Seguro Social. O trabalho da consultoria era basicamente requerer junto à Receita o ressarcimento de parte desses valores, segundo ela pagos injustamente.
Surpreendentemente funcionou: R$ 960.346,87 não foram devolvidos à Prefeitura Municipal de Itararé, mas compensados em novos pagamentos dela ao INSS. Ou seja, a bagatela de quase um milhão de reais foi devolvida aos cofres municipais para o reajuste do orçamento, que evidentemente inchou e, desta forma, flexibilizou o aperto com o teto de gastos com pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em 2011, foi a vez da Cestrein Consultoria Empresarial Ltda. ser contratada para "compensação incidente sobre reenquadramento da cota RAT (Risco sobre Acidentes de Trabalho)". A aposta da empresa era reduzir de 2% para 1% o recolhimento desta cota entre junho de 2007 e dezembro de 2011, e mais uma vez deu certo. O valor compensado foi de nada menos que R$ 1.230.154,11, mais uma vez injetados na arrecadação do município. Pelo serviço, a consultoria levou R$ 215.000,00.
Em 2012, coube à Castellucci Figueiredo e Advogados Associados o trabalho de "compensação de verbas indenizatórias" no período entre abril de 2007 e março de 2012. Sem licitação, a empresa recebeu R$ 1.031.414,00 da prefeitura para compensar R$ 8.565.516,02 da Receita Federal.
De acordo com o processo TC-334/016/13, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo apontou pelo menos 13 irregularidades no contrato entre a Prefeitura Municipal de Itararé, sob a assinatura do então prefeito Luiz César Perúcio, e a Castellucci. Em primeiro lugar, não havia sequer previsão orçamentária que assegurasse o pagamento da empresa para a execução dos serviços, inclusive porque o seu rendimento era determinado através de honorários de 18% sobre o valor compensado junto à Receita. Essa manobra afronta o disposto no artigo 7º, § 2º, III, c/c o § 9º do mesmo artigo da Lei Federal nº 8.666/93.
Além de a contratação não ter sido precedida de procedimento licitatório, também não houve fundamentação legal, parecer técnico ou jurídico que justificasse a condição de inexigibilidade, nos termos do artigo 26 da Lei de Licitações. Nos apontamentos do Tribunal de Contas, o valor estimado da contratação – R$ 120.000,00 - foi excedido em 759,51%, enquanto o limite legal permite apenas 25%.
O contrato também não especifica o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica, nos termos do art. 55, v, da Lei de Licitações, não designa representante da administração para acompanhamento e fiscalização de sua execução nem apresenta registro próprio das ocorrências relacionadas a ela ou os documentos que atestem a habilitação da empresa.
Segundo o Tribunal de Contas, o contrato ainda terceirizou um serviço que, na verdade, poderia ser executado por servidores municipais, o que torna absolutamente incompatível a contratação da empresa por mais de um milhão de reais, sobretudo diante da dissonância com os dispositivos da Lei de Licitações.
No Espírito Santo, um caso semelhante ao do objeto do contrato em Itararé foi desbancado pela "Operação Camaro", que flagrou um gigantesco esquema de recuperação de créditos decorrentes de contribuições previdenciárias supostamente indevidas e causou um rombo inicialmente detectado de R$ 10 milhões.
Diante dos apontamentos, o esquema de compensações foi finalmente desfeito no ano passado e as contas foram radicalmente desequilibradas, com o índice de gastos com o pessoal ultrapassando, e muito, o limite prudencial. O Tribunal de Contas já indicou a necessidade dos cortes. Com a compensação, os índices já chegaram a apenas 43%. Para resolver o problema, a prefeita anunciou a extinção de 2 secretarias; o corte de 20% no valor da gratificação de funcionários de carreira; e o corte integral da gratificação de quase todos os comissionados.
Mas o estouro no limite prudencial e os cortes na administração não são a pior consequência da operação. Como não há quaisquer documentos emitidos pela Receita Federal que ratifiquem os valores recolhidos e compensados pela empresa contratada ou mesmo qualquer fundamentação jurídica que determinasse a devolução dos valores à prefeitura, o município pode ser condenado a devolver, corrigidos, R$ 8.565.516,02 para a instituição lesada.
Mas o estouro no limite prudencial e os cortes na administração não são a pior consequência da operação. Como não há quaisquer documentos emitidos pela Receita Federal que ratifiquem os valores recolhidos e compensados pela empresa contratada ou mesmo qualquer fundamentação jurídica que determinasse a devolução dos valores à prefeitura, o município pode ser condenado a devolver, corrigidos, R$ 8.565.516,02 para a instituição lesada.
O artigo gerou polêmica e muita gente tentou desqualificá-lo por ter sido escrito por um comissionado da atual gestão. Mas o cenário é preocupante. Casos muito semelhantes têm estourado cada vez mais no estado de São Paulo. Em março, depois de uma auditoria, a Receita Federal cobrou R$ 14.099,018,65 da Prefeitura de Itirapina diante de exatamente a mesma situação (conheça o caso aqui). Em julho, duas prefeituras receberam notificação e prazo pra devolução de valores também compensados pela Castellucci: R$ 10.289.745,42 de Descalvado e R$ 10.235.165,96 de Elias Fausto (os casos podem ser conferidos aqui e aqui). O mesmo ocorreu em janeiro, quando a Promotoria de Justiça de Itu pediu a abertura de um inquérito para investigar o contrato de R$ 1,3 milhão com a empresa (comprove aqui). Somente na região de Campinas, 8 municípios são investigados pela contratação da Castellucci para as mesmas finalidades: Americana, Jaguariúna Louveira, Mogi Guaçu, Mogi Mirim, Rio das Pedras, Valinhos e Vinhedo (confira aqui).
Por enquanto, Itararé ainda não foi condenada a devolver todo o dinheiro compensado no esquema que lesou a Receita. Mas a realidade que têm vivido os municípios que utilizaram o mesmo recurso não gera expectativas muito otimistas. De qualquer forma, o Tribunal de Contas já avisou que o milhão pago à Castellucci não retornará aos cofres públicos sob qualquer hipótese.
Abraços,
Murilo
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