quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A República nada republicana

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR

No dia 15 de novembro, o Brasil comemora a Proclamação da República, obra dos militares representados na figura do alagoano Marechal Manuel Deodoro da Fonseca. Nesta data, celebra-se o fim do regime monárquico e a instauração do regime republicano. Porém, a pergunta que todos os anos parece não calar é: existem motivos para comemorarmos esta data? 

Platão, filósofo grego que viveu em Atenas entre 428 e 347 a.C, em sua obra “Diálogos”, refletindo sobre a decadência da democracia ateniense, definiu a República como um regime político fundamentado na justiça e nas leis. Do latim res publica = coisa pública, é o sistema de governo em que existe um presidente, eleito pelos cidadãos, ou seja, está intrinsecamente relacionado à democracia, logo à participação popular. 

No Brasil, a comemorada proclamação da República na verdade foi um golpe militar impetrado pelos altos escalões do exército, apoiados pela elite agrária, que levou ao poder um Marechal monarquista. José Murilo de Carvalho, no clássico Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi, faz um estudo da “atmosfera” política da capital fluminense nos momentos que antecederam ao golpe. 

O êxodo rural, motivado pela abolição da escravatura em 1888, e o movimento imigratório de estrangeiros, atraídos pela possível ascendência econômica com o trabalho no Brasil, aumentaram consideravelmente a população do Rio de Janeiro. Tal aumento, aliado à falta de estrutura, fez emergir problemas diversos, como a escassez de empregos, de moradia, de condições de saneamento e saúde. Todos os problemas sociais acabaram por aumentar a tensão política na capital, surgindo as primeiras greves e revoltas. 

Neste contexto, Murilo de Carvalho aponta que os setores populares não entendiam o significado da República nos discursos dos três grupos políticos: a elite detentora do poder, os anarquistas e os socialistas democráticos. A elite defendia o conceito liberal democrático de inclusão sem abalo nas estruturas; os anarquistas negavam a ordem política e a cidadania, a não ser no sentido fraternal e de comunidade; os socialistas democráticos defendiam a ampliação dos direitos políticos e sociais. 

O comemorado 15 de novembro foi, na visão de Bóris Fausto, “quase um passeio”. Isso porque, apoiados pelas elites cafeeiras, descontentes com a abolição da escravidão, representadas pelo Partido Republicano Paulista – PRP -, os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto promoveram o golpe militar sem nenhuma resistência. Monarquista e amigo do imperador, Deodoro representava os veteranos da Guerra do Paraguai. Floriano, membro da Escola Militar e adepto das ideias positivistas, representava os militares republicanos. Mesmo com as diferenças um aspecto central os unia: a certeza de que o exército precisava ter um maior protagonismo na vida política brasileira. 

No início da manhã do dia 15 de novembro de 1889, o Marechal Deodoro organizou as tropas militares e marchou até o Ministério da Guerra. Lá, versões desencontradas explicam que o Ministério fora deposto e outras que a Monarquia fora derrubada e proclamada à República. O que se sabe, é que o golpe baniu a família real, que poucos dias mais tarde deixou o Brasil, e deu início a Primeira República, que duraria até 1930. Desta forma, o Brasil “dormiu monárquico e acordou republicano” e o “povo assistiu a tudo bestializado”, de acordo com José Murilo de Carvalho. 


Ninguém melhor do que Benedito Calixto, na aquarela Proclamação da República, representou o protagonismo militar contrastando com a “apatia popular”. Na obra de arte, produzida em 1893, Calixto pintou os militares montados em cavalos portando espadas ou ladeados por canhões, saudados por poucos “cidadãos” representados pelas elites fluminenses. Tal obra escancara o imaginário de época, que ainda persiste, da Proclamação da República enquanto um feito histórico positivo. 

O que se viu foi a instauração de uma "República militar", que de republicana não teve nada. Entre 1889 e 1894, o Brasil assistiu à "República das Espadas", período em que o país foi governado pelos marechais, Deodoro e Floriano. O primeiro ato do governo de Deodoro foi a convocação de uma Assembleia Constituinte que elaborou, após 110 dias, a primeira constituição republicana do Brasil, promulgada em 24 de Fevereiro de 1891. Por mais republicana que as constituições possam parecer, não foi o caso da primeira constituição da agora República Federativa dos Estados Unidos do Brasil. Apesar da divisão dos poderes e da federalização do país, manteve-se sobre a batuta dos marechais o destino político do país. Em relação ao voto, mendigos, analfabetos e pobres não tinham o direito de exercê-lo. 


Quando o Congresso tentou aprovar uma emenda constitucional para restringir os poderes de Deodoro, o marechal fechou o Congresso, prendeu líderes da oposição, impôs a censura à imprensa e decretou “estado de sítio”. O choque entre a política centralizadora de Deodoro e o federalismo do Congresso levou à renúncia. No dia 23 de Novembro de 1890, Floriano Peixoto, o vice-presidente assumiu a Presidência da República. Floriano enfrentou com "mãos de ferro" as revoltas da Armada (1983-1984) e Federalista (1893-1895). A última colocou frente a frente dois grupos políticos gaúchos: os maragatos (centralistas) e os republicanos (federalistas). Os maragatos chegaram a tomar Santa Catarina e o Paraná, e o conflito só foi encerrado em 1895, durante o governo do primeiro presidente civil, Prudente de Moraes, com um saldo de dez mil mortos. 


Entre 1894 e 1930, o Brasil ocorreu a chamada "República das oligarquias". Neste período, políticas como a dos governadores e a do "café com leite", mantidas pela prática do "voto de cabresto", nos permitem identificar a existência de uma República muito restrita durante estes anos. Não à toa, ocorreram revoltas sociais por todo o país. Em 1930, novo golpe militar e Getúlio Dornelles Vargas assumiu a presidência da República, de onde sairia apenas em 1945. Em 1945, o Brasil vivenciou a sua "primeira experiência democrática", que durou apenas 19 anos. Em 1964, João Goulart foi deposto e um novo golpe militar deu início à Ditadura Civil-Militar que duraria até 1985. 

Ao analisarmos o advento da Proclamação da República, podemos compreendê-lo enquanto o primeiro de uma série de golpes militares que compõem a história política brasileira. Uma história marcada pelo discurso republicano, mas por práticas conservadoras e aristocráticas. Sob esta ótica, a Proclamação da República instaurou uma República nada republicana, que na memória de muitos ainda permanece imaculada. 

Por fim, de acordo com a tipologia de Rüsen, a consciência histórica ontogenética nos permite afirmar que tal data deve sim ser lembrada, porém de maneira crítica, enquanto um golpe militar que instaurou uma Ditadura e que, portanto, para todos os Republicanos no sentido platônico, não deve ser comemorada. 

Abraços, 
Osvaldo. 

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