quinta-feira, 28 de maio de 2015

Brasil bitolado

O absurdo projeto de lei sobre “Assédio ideológico”

por JESSICA LEME



Logo após o resultado das eleições de 2014 já se sabia que o Brasil teria um governo bastante conservador. Desde então temos vistos projetos, ideias, entre outras situações extremamente retrógradas, serem tiradas das gavetas da política brasileira mesmo estas estando há décadas esquecidas, ou talvez pelo o que se percebe nem tão esquecidas assim.

A nova proposta dos últimos dias é a de criminalizar o que o senhor deputado Rogério Marinho (PSDB) chama de “assédio ideológico”. Segundo ele este “crime” é caracterizado quando um aluno é coagido a pensar de acordo com seu educador (leia-se professor), ou seja, na opinião do deputado os professores influenciam seus alunos a terem determinados posicionamentos político-ideológicos favoráveis a determinados partidos políticos.

O projeto foi criado segundo o deputado tucano a partir da leitura do Caderno de Teses do Partido dos Trabalhadores. Este documento redigido por políticos do partido, naturalmente um texto ideológico, feito única e exclusivamente para o estudo dos partidários num Congresso do PT que ocorrerá em junho deste ano. O deputado cita trechos do texto onde comenta-se que só haverá uma efetiva mudança social no Brasil se ela vier acompanhada de uma mudança cultural para a grande maioria garantindo assim valores hegemônicos, democráticos e socialistas. Numa grande demonstração de ignorância o deputado acredita que esses Cadernos de Teses, reitero, material do partido e só para o partido, estarão em breve nas escolas para doutrinação dos alunos.

A escola pública há muito tempo tem garantido pela Constituição o dever de propagar todas as formas de pensamento, religião, etc. Todos os artigos relacionados à educação buscam assegurar que nada seja usado como forma de doutrinação dentro das escolas, e na prática isso verdadeiramente ocorre. Claro que estamos tratando de professores que no exercício de seu trabalho naturalmente deixam transparecer suas preferências pessoais e posicionamentos em diversos assuntos do dia a dia, viver é se posicionar e não necessariamente doutrinar por se mostrar convicto em seus valores e escolhas.

O projeto vai mais além e pretende ser inserido no ECA, assegurando aos alunos o direito de se posicionar contrários àquilo que estão sendo ensinados, e mais, prevê a criminalização e até mesmo detenção de educadores que se prestem ao serviço de alienação dos alunos. Leia trecho do projeto:

“Art. 146 – A. Expor aluno a assédio ideológico, condicionando o aluno a adotar determinado posicionamento político, partidário, ideológico ou constranger o aluno por adotar posicionamento diverso do seu, independente de quem seja o agente: 

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa. 

§ 1°. Se o agente for professor, coordenador, educador, orientador educacional, psicólogo escolar, ou praticar o crime no âmbito de estabelecimento de ensino, público ou privado, a pena será aumentada em 1/3. 

§ 2º. Se da prática criminosa resultar reprovação, diminuição de nota, abandono do curso ou qualquer resultado que afete negativamente a vida acadêmica da vítima, a pena será aumentada em 1/2”.


Agora a questão que fica é, como vai se avaliar o tal “assédio ideológico”? Fica claro que a intenção do parlamentar é meramente político-partidária e não está atrelada à preocupação de desenvolvimento intelectual ou acadêmico dos jovens, e sim em repreender professores que se posicionem politicamente contrários ao que ele julga ser correto.

Naturalmente que num ambiente educacional a prática do debate se estabeleça, é a partir da diversidade de ideias que o conhecimento se mostra, se forma, e faz com que o aluno perceba a necessidade de questionar a sociedade na qual vive e mais questionar aquilo que aprende, que escuta e que lê. Quando de certa maneira estabelecemos normas para o debate, para o pensar em sala de aula no sentido de censurar determinados temas como Comunismo, Socialismo ou até mesmo temas que possam ofender religiões como o Darwinismo e a Evolução e teorias como o do Big Bang estamos cerceando o poder de discussão e conhecimento de toda uma sociedade em formação.

Há muito já tivemos professores perseguidos e censurados, porém, estávamos num regime de governo caracterizado por uma Ditadura Militar. Acuar professores em seu exercício de trabalho usando de uma pecha de doutrinadores não fará nossa educação e senso crítico se desenvolverem, isso é mais uma das tantas ações retrógradas que tem surgido no Brasil nos últimos meses.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Dossiê do 7x1: perdemos muito mais que um jogo

por SANDRO CHAVES ROSSI


Ainda dói bastante lembrar do espetáculo que foi a Copa de 2014 e como foi um verdadeiro balde de água fria ser eliminado de maneira trágica nas semi-finais por uma Alemanha que jogava um futebol tão bonito que deveria ser nosso - lamento meu que hoje não passa de pura nostalgia. Porém levar uma goleada em uma Copa do Mundo em casa foi muito mais que vergonhoso, expôs uma série de fragilidades nas estruturas do futebol nacional, que vão desde os clubes até a própria CBF. Questões estruturais que põem em cheque um ciclo político e econômico que existe há muito tempo e que raras vezes foi questionado, talvez por isso tenhamos chegado a tal ponto. 

O que boa parte da sociedade está sofrendo ultimamente se reflete no futebol brasileiro. Algo que deveria ser voltado para o lazer, a cultura e o incentivo ao esporte está sendo desgastado pelos mais diversos motivos, muitos deles já conhecemos de outros segmentos da sociedade, como a corrupção, violência, lucro pelo lucro e a segregação social. Portanto, se você acha que essa discussão se limita apenas ao futebol, você está cometendo um equívoco muito grande. 

Faremos assim, para cada gol da Alemanha teremos um motivo para o futebol nacional ter piorado tanto, e como não perdemos de zero, o único gol do Brasil terá um motivo bom para que não percamos as esperanças e possamos dar a volta por cima. Então vamos lá: 

1. Corrupção 

Vamos voltar a um passado próximo, especificamente em 2011, quando o jornalista escocês Andrew Jennings, publicou um livro chamado "Jogo Sujo" (Foul!). Nesse livro, Jennings expôs diversos escândalos de corrupção envolvendo dirigentes da FIFA, escândalos como subornos e manipulação de resultados, tudo isso aliado a empreiteiros e políticos. "Jogo Sujo" foi tão polêmico que abalou o cenário do futebol mundial e obviamente esse escândalo acabou respingando nos engravatados da CBF, mais precisamente em Ricardo Teixeira e João Havelange, que segundo Jennings, receberam uma parte do suborno de US$ 100 milhões da ISL (empresa de marketing esportivo) para obtenção de contratos. Jennings ainda afirma que Ricardo Teixeira recebeu uma propina no valor de US$ 10 milhões da Liechtenstein Sanud, ao que tudo indica, uma empresa fantasma. 

Os escândalos envolvendo a CBF foram tão impactante que fizeram Andrew Jennings lançar em 2014 o livro "Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas". O livro se baseou no montante de dinheiro gasto na construção dos estádios para a Copa do Mundo no Brasil, em como os dirigentes da FIFA e CBF mandavam e desmandavam em projetos envolvendo dinheiro público, na falta de transparência em vários gastos e de como Blatter e Teixeira faziam suas negociações com as empresas. Tudo isso foi conciliado com uma análise histórica envolvendo a CPI do Futebol, liderada pelo senador Álvaro Dias (PSDB-PR) em 2001. Na época, a CPI apontou existência de crimes como evasão de divisas e lavagem de dinheiro supostamente praticados por dirigentes brasileiros, tendo o nome de Ricardo Teixeira constantemente citado. 

Em 2012, o então deputado Romário Faria (PSB-RJ) apresentou um pedido de CPI da CBF, baseado em uma série de escândalos envolvendo a entidade, como o enriquecimento ilícito de dirigentes, corrupção, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e desvio de verba do patrocínio da empresa área TAM - boa parte dessas acusações conseguidas através de Jennings. O pedido ficou parado por dois anos e foi engavetado pelo então presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Em 2013, ocorreu uma tentativa de criação da CPI da Copa, porém o projeto não vingou por falta de assinaturas. A dificuldade que existe em conseguir investigar a CBF é enorme e parece não apresentar solução. 

2. Lucro 

Hoje em dia, a entrada para assistir um jogo de futebol ficou muito mais cara. Uma pesquisa feita pela Pluri Consultoria revelou que o Campeonato Brasileiro é a competição nacional que tem o ingresso mais caro do mundo. A pesquisa considerou o preço médio do ingresso na categoria mais barata dos clubes que disputam a primeira divisão de cada um dos 13 países analisados. O valor das entradas mais baratas no Brasil custa em média R$ 51,74, equivalente a US$ 22, 62, isso em 2014, hoje com a alta do dólar e da modernização de boa parte dos estádios, deve ter ficado mais caro ainda. 

O valor é comparado com a renda per capita do brasileiro (US$ 11.208/ano a preços correntes 2013 ), chega-se a conclusão que esta renda permitiria a compra de 495 ingressos por habitante/ano, a menor quantidade na comparação com os outros países analisados. Isto faz do Brasil o país de preços relativos de ingressos mais alto entre os principais mercados do mundo. Na média dos 13 países analisados, a renda per capita permite a compra de 1.114 ingressos/ano, 125% acima do poder de compra de ingressos dos brasileiros. Ou seja, por aqui o preço do ingresso é mais que o dobro da média dos principais centros do futebol mundial, como por exemplo a Argentina ($12,22), Turquia ($11,20) e o México (US$ 10,72). O valor do ingresso afastou boa parte dos torcedores, que é a principal queixa por deixarem de ir ao estádio. 

3. Irresponsabilidade fiscal 

A grande maioria dos clubes devem dinheiro. Devem para jogadores, empreiteiras, bancos e principalmente para a União, dívida que se agravou ainda mais com a Copa do Mundo. O problema é que vivemos um ano de instabilidade econômica e não dá para ignorar a dívida bilionária que os clubes têm com o governo, algo estipulado em torno de R$ 3,3 bilhões, tal dívida fez com que a Câmara aprovasse a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, que parcelou a dívida em 25 anos, desde que os clubes se adequem à parâmetros de gestão financeira e responsabilidade fiscal. Além disso, os clubes terão que estar em dia com o fisco, não atrasarem salários e manterem os gastos dentro da capacidade de pagamento de cada entidade. Os dirigentes poderão ser responsabilizados judicialmente por atitudes financeiras comprometedoras. 

A Lei da Responsabilidade Fiscal ficou assim: 

- Apresentação obrigatória das Certidões Negativas de Débito, que provam que o clube está em dia com a União; 
- Pagamentos em dia dos contratos de trabalho; 
- Proibição da antecipação de receitas; 
- Limite de 4 anos para mandato, sem reeleição; 
- Instituição de Comitê de Acompanhamento de Execução das Regras Estabelecidas, formado por clubes, jogadores, patrocinadores, imprensa e Poder Executivo. 


E o parcelamento da dívida foi feito da seguinte forma: 

- Não haverá anistia, nem perdão da dívida; 
- Unificação dos débitos (conta única); 
- Prazo de 25 anos; 
- Pagamento segundo a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), a 5% ao ano; 
- União arrecadará R$ 140 milhões por ano. Total R$ 3,3 bilhões; 
- 50% em três anos, 50% no restante. 

Ou seja, o caixa da maioria dos clubes vai diminuir bastante nos três primeiros anos a partir de 2015, a situação começará a melhorar só em 2018. 

4. Mídia 

Por que o futebol no meio da semana é tão tarde? Parece uma pergunta boba e sem relevância, mas realmente é um horário que afeta a rotina de muita gente. O jogo geralmente começa às 22h00 e terminar quase meia-noite, atrapalha quem tem que acordar um pouco mais cedo no outro dia, claro, há pessoas que não sofrem com isso, mas a audiência não seria maior se o jogo fosse mais cedo? Quantas pessoas não conseguem acompanhar um jogo inteiro devido ao cansaço de um dia corrido? Para nós torcedores, não seria muito mais prático assistir o jogo logo depois do fim do expediente? E por que não muda? Simples, porque vai contra a vontade da mídia. Ou você acha que é coincidência o jogo começar logo depois que a novela acaba? 

O buraco é bem mais embaixo que a questão do horário, a Rede Globo tem o monopólio do futebol brasileiro desde a época da Ditadura Militar, o que faz a emissora interferir diretamente na organização de campeonatos e na estrutura política e econômica dos mesmos. Segundo o site "Futebol Business", a Rede Globo pagou pelo triênio 2012 -2015, R$ 2,7 bi pelas partidas da série A, no canal aberto e nos fechados, sem contar o pay-per-view. Para se ter noção de como a Rede Globo interfere na harmonia do futebol brasileiro, desde 2011 ela vem sofrendo com a concorrência da Fox Sports, que inclusive já conseguiu ganhar o direito de algumas partidas no lugar da Globo, então o que a Globo fez? Vai aumentar mais ainda o valor do direito de imagem dos clubes, tudo para fortalecer mais ainda seu monopólio. 

O grande problema dos direitos de imagem é que a quantia paga para os clubes é extremamente desigual, o que acaba favorecendo muito mais alguns clubes do que os outros. Estima-se que entre 2016 e 2019, a Globo pagará R$ 4,11 bi no total, e Corinthians e Flamengo passarão a receber R$ 60 milhões a mais que o São Paulo, que ocupa o terceiro lugar. 




5. Violência 

Um dos maiores e mais antigos problemas do futebol mundial sempre está em evidência no nosso esporte, não tem erro, todo ano alguém acaba morrendo por causa do confronto entre torcidas. Basicamente funciona assim: Enquanto alguns clubes jogam a responsabilidade do problema no Ministério Público, o Ministério Público põe a culpa nas torcidas organizadas que, por sua vez, repassam a bola à polícia e ao próprio ministério pela "falta de punição" aos envolvidos. E enquanto isso as famílias das vítimas estão desamparadas por causa desse empurra-empurra. 

Desde 1988 até 2013 foram contabilizadas 234 mortes devido ao conflito entre torcidas, o problema se agravou mais a cada ano, chegando ao seu ápice em 2013, quando foi alcançado o número absurdo de 30 mortes em conflito entre torcidas. Tudo isso é um reflexo de políticas ineficazes para combater a violência dentro dos estádios. 

O sociólogo e pesquisador de violência no futebol, Maurício Murad diz que até hoje não houve uma solução efetiva para a redução da violência nos estádios. Proibir o bandeirão, fazer jogo com torcida única e proibir as torcidas organizadas são medidas meramente paliativas e que já mostraram isso há muito tempo. Murad acredita que a solução deveria partir do governo federal em parceria com o poder público, federações e clubes. A solução está na punição com reeducação pedagógica do torcedor, algo que até hoje não é discutido pelas entidades envolvidas. Só nesse curto começo de ano, já tivemos duas mortes causadas pelas brigas entre torcidas. 

No começo do ano, a "Stochos - Sports & Entertainment" fez uma pesquisa com a seguinte pergunta: "por que o torcedor não vai mais ao estádio?" O resultado foi categórico, 43% disseram que é devido a falta de segurança, maior que dobro do segundo lugar, que foi a distância dos estádios (19,3%). Ou seja, além de causar várias mortes, a violência também está acabando com o público nos estádios, algo que era para ser voltado para o lazer, se tornou sinônimo de medo . 

6. Cartolas 

Os cartolas são os dirigentes, diretores e presidentes dos clubes e eles têm grande culpa pelo estado em que chegamos. Todos os outros "gols" citados anteriormente têm total influência deles. Excesso de gastos, corrupção, endividamento e entres outras polêmicas são o que definem boa parte dos cartolas brasileiros, além de elitistas que visam muito mais o lucro do que o futebol. 

7. Futebol Estrangeiro 

A mídia em cima do futebol do exterior é grande, ainda mais da Europa. Hoje em dia é muito comum vermos torcedores de times estrangeiros, basta andar um pouco na rua que você verá alguma camisa de um time badalado da Europa. A atração pelo futebol de fora tem afetado significantemente o nosso futebol nacional. Grandes times com jogadores caríssimos têm chamado mais a atenção do nosso público, que por muitas vezes acaba trocando o nosso futebol pelo deles. 

Mas não é só isso que fez o futebol estrangeiro crescer, o fator econômico e a diferença nos calendários são os grandes diferenciais para criar esse abismo. Muitos dos nossos melhores jogadores acabam trocando os clubes brasileiros por algum time de fora simplesmente por um salário maior. Quando falamos de transferência de jogadores, não falamos mais só de Europa, como antigamente, hoje a Ásia se tornou um mercado atrativo para muitos técnicos e jogadores, cada vez se torna mais comum um jogador ir para China, por exemplo. Essa dinâmica no mercado da bola está prejudicando os clubes brasileiros, que não conseguem concorrer com o fator econômico dos grandões estrangeiros, aliados com a diferença dos calendários, que por sua vez acabam desmontando um time brasileiro no meio de um campeonato. 

Depois dessa goleada, da pra gente marcar pelo menos um golzinho? Claro que sim, apesar da esperança ser pequena, a gente também marcou um: 

1. Bom Senso F.C. 

A proposta do Bom Senso é simples: tornar o Brasil realmente o verdadeiro país do futebol. Você deve estar se perguntando "mas nós já não somos o país do futebol?" A resposta é não. O Bom Senso bate de frente com os interesses econômicos das elites que estão usando o futebol apenas como fonte de lucro. Muitas pautas foram feitas por eles, mas em síntese são 3 propostas: 



O Bom Senso é formado por um grupo de cerca de 800 jogadores das Séries A e B nacionais. Em 2013, eles entregaram uma lista com reivindicações para José Maria Marin, na época presidente da CBF, as reivindicações foram cinco pontos propostos: 30 dias de férias para os jogadores por ano, período de pré temporada maior, máximo de sete jogos em 30 dias, a adoção do chamado "fair play financeiro" e que comissões de atletas, treinadores e executivos dos clubes façam parte do conselho técnico das competições e entidades. 

No começo de Maio de 2015, o Bom Senso voltou a bater de frente com a CBF, mas dessa vez no Congresso Nacional. Alex, meia que jogou no Coritiba, Palmeiras, Cruzeiro e Fenerbahçe, representou o Bom Senso e teve apoio de muitos políticos e jornalistas presentes, como Paulo Calçade. O debate girou em torno da MP 671, mais conhecida como a MP do Futebol, que busca refinanciar a dívida dos clubes e propõe medidas de modernização ao futebol, basicamente o que o Bom Senso já propõe. 

Alex reivindicou fortemente o direito de voto dos atletas nos organismos da CBF. Afinal, a CBF enriqueceu graças à Seleção Brasileira, feita com o talento e dedicação dos jogadores. Nada mais justo que eles tenham direito a participar das decisões da entidade. 

O Bom Senso não propõe nada novo, não é o primeiro e nem vai ser o último a querer mudar as estruturas do futebol canarinho, porém é o mais perto que conseguimos chegar até agora. Os jogadores já se mobilizaram, conseguiram apoio de jornalistas e políticos, e o mais importante, conseguiu colocar a discussão dentro do Congresso. Talvez falte um incentivo a mais para que a reformulação do futebol seja feita, por que nós torcedores não damos esse incentivo? Eu sei que está 7x1 pra eles, mas que tal tentarmos virar esse jogo?

terça-feira, 26 de maio de 2015

Dostoiévski e a arte de examinar sua consciência

por LUISA DE QUADROS COQUEMALA



É um dia agradável e você entra numa livraria ou num sebo. Inconscientemente, vai parar na seção de “literatura universal”. Você anda, vasculha, dá uma olhada em um e outro exemplar. Neste ínterim, é muito difícil não cruzar com Dostoiévski. Então, você que já ouviu esse nome em algum lugar, olha para aquela brochura (geralmente grande) e, talvez, acabe não levando o exemplar porque não sabe, de fato, o que um autor russo do século XIX pode mudar concretamente na sua vida. Hoje, estou aqui para contar-lhes brevemente que ler Dostoiévski diz respeito a mim, a você, a todos nós; vim para dizer-lhes que Dostoiévski é um daqueles autores universais e atemporais, que passam raramente pelo mundo, como cometas, e que sabem deixar sua marca.

Dostoiévski foi, desde sua primeira obra, uma figura marcante. Gente Pobre, seu romance de estreia em 1846, logo já trouxe fama para o autor através dos elogios de Bielínski, crítico mais importante de então. A tendência literária da época, a “escola natural”, tinha uma grande preocupação com o romance social. Gógol já havia, de fato, representado as classes oprimidas em O Capote, contudo, Fiódor Dostoiévski deu um passo além: desde o início de sua carreira, ele buscou falar sobre os funcionários pobres, pessoas teoricamente sem importância, de uma maneira profunda e humana – algo inédito naquele círculo até então e que marcaria toda a obra do autor.

Em 1849, Dostoiévski e outros membros de um círculo que frequentava, o Círculo Petrashevski, foram presos sob acusação de conspiração contra o czar. A pena para o autor russo foi o fuzilamento. E, de fato, foi por pouquíssimo que obras como Crime e Castigo e Os Irmãos Karamázov não foram escritas: antes do fuzilamento, o czar mudou a pena de Dostoiévski, de modo que este foi cumprir prisão com trabalhos forçados na Sibéria.

Por pior que tenha sido a experiência e o abalo psicológico da prisão, foi dentro dela que Dostoiévski mergulhou ainda mais fundo na complexidade humana. Assim, adquiriu uma profundidade difícil de se encontrar quando o assunto é realizar um retrato íntimo da consciência de alguém. Através de todas suas experiências, Dostoiévski construiu o retrato do seu famoso homem do subsolo e, também, deu para suas personagens uma autonomia nunca antes vista na história dos romances (a base da tão famosa teoria polifônica de Bakhtín), onde o autor expõe várias ideias e vozes que não têm necessariamente a ver com a sua, ou seja, a do próprio autor. A discussão dessas ideias seria a base para o caminho que se segue ao longo de suas intrigantes histórias.

Em Recordações da Casa dos Mortos, podemos ver sinais dessa visão dostoiévskiana do mundo: “Apesar das controvérsias, encontrei as mais delicadas almas nas pessoas mais miseráveis, pobres e ignorantes. Às vezes você despreza alguém, como um animal, uma pessoa que você conhece há alguns anos, mas chega o momento em que a alma dessa mesma pessoa se abre para o mundo e você pode conhecer o tesouro, a sensibilidade que vive dentro dela, quando o seu coração tem empatia pelo sofrimento de outras pessoas. Alguns têm muita educação mas a alma é violenta, então, você pode questionar qual é o benefício da educação”.

É por isso que apesar de ter sido preso, condenado por ser um conspirador revolucionário, chegar muito perto de ser fuzilado, não são propriamente as opiniões políticas de Dostoiévski que fazem a sua obra ter a importância que tem. O que é crucial em Dostoiévski (e que, acredito, já foi repetido e ainda vai o será infinitas vezes) é a análise que ele faz da alma humana. Eis onde está todo o encanto e honestidade da obra de Dostoiévski em relação à vida. E, talvez, seja por isso que todas as pessoas ao redor do mundo sintam-se tão tocadas e emocionadas com seus livros: no fim das contas, todos temos questionamentos em relação à vida, todos nos sentimentos um pouco deslocados - e é nessa ferida que Dostoiévski toca. Existir não é fácil e, quando alguém demonstra compreender toda nossa complexidade e bagunça interior, nos deparamos com sentimentos dúbios, de confrontamento e compreensão concomitantes.

As figuras de Dostoiévski são bem delineadas, suas bordas são bem marcadas. Contudo, dentro do limite dessas bordas existe um mundo infinito, recoberto de questionamentos tão tipicamente humanos. Com seu olhar minucioso e perspicaz, Dostoiévski nos entende, nos pega pela mão e nos mostra a complexidade de ser humano. E tudo com respeito: não olhando de cima, mas olhando nos olhos. Ler Dostoiévski, portanto, é como parar diante de um espelho e olhar-se insistentemente dentro dos próprios olhos, em busca de um auto entendimento superior. Entrar na infinitude de sua própria borda.

Dostoiévski mostrou, sui generis, a obscura aventura de sermos nós. Portanto, da próxima vez que cruzar com ele numa livraria, não tenha dúvidas sobre o que fazer.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

A regra já foi mais clara

Capitão Nascimento é o retrato de um país em crise consigo mesmo, incapaz de se reconhecer nas regras que ele mesmo criou e obcecado pela refação do contrato, que prevê a suspensão da lei em nome da sua restituição

por MURILO CLETO


Mesmo 8 anos depois, Tropa de Elite continua sendo o maior lançamento do cinema nacional no século 21. Há quem diga, e com razão, ser de toda história. O longa-metragem tornou-se um verdadeiro fenômeno graças à capacidade de dialogar com o imaginário médio do seu tempo. É o que explica, pro além da sua indiscutível qualidade técnica, o sucesso nas bilheterias, apesar da farta distribuição de cópias piratas, que atingiu cerca de 11 milhões de pessoas antes da estreia nas telonas.

No filme, o tráfico de drogas é encarado no interior da guerra nos morros cariocas. Diante da lógica de matar ou morrer, o Estado de Direito entra em suspensão pra dar lugar a uma nova versão do Código de Hamurábi. Mais que um militar cumpridor de ordens, o Capitão Nascimento é uma espécie de super herói da vida real: cético em relação ao sistema, ele representa a sua superação em nome de uma razão moral que está acima da lei. Execuções sem julgamento e tortura são as práticas comuns do esquadrão de elite que aparece para resolver o que Polícia Militar e Poder Judiciário não são capazes.

Até então pouco conhecido do público comum, o Bope passou a ser ovacionado nos desfiles militares e a figurar nas capas dos periódicos mais lidos do país. O sucesso de Tropa de Elite foi menos um triunfo do filme, mas a celebração do seu conteúdo. Em pouco tempo, deixou de ocupar espaço na crítica do cinema para estampar manuais de conduta de organizações militares. 3 anos depois, o diretor José Padilha percebeu o monstro que criou e tentou concentrar a trama sobre o sistema político, mas era tarde demais.

Num bate-papo sobre o seu novo livro no Café Filosófico, Christian Dunker atacou os modos usuais de enfrentamento ao mal-estar contemporâneo. De acordo com o psicanalista, um Brasil entre muros tem se desenhado como resposta ao crescente sentimento de insegurança provocado pelo avanço do neoliberalismo no país, a partir dos anos 70. A ideia comum de que o sofrimento é sempre causado por um objeto intrusivo e que o contrato social é constantemente rompido favorece a proliferação dos condomínios, uma realização física, é verdade, mas que serve também de alegoria para entender a ascensão de personagens como Capitão Nascimento. "É preciso alguém que suspenda a lei para restituir a lei", é o que diz Dunker na passagem em que recupera Tropa de Elite para tratar deste paradigma.

O personagem vivido por Wagner Moura é o retrato de um país em crise consigo mesmo, em grande parte porque não se reconhece nas leis que construiu, mas, e sobretudo, porque nunca esteve tão inseguro. O problema da insegurança, alerta Dunker, é que ela nos impede de buscar alternativas racionais ao sofrimento que nos acomete no cotidiano. Diante da falência do Estado de Direito e da política institucional, o Capitão Nascimento funciona como uma síndrome de super herói que se manifesta através da crescente onda de justiçamentos e assassinatos cometidos pela PM em todo o Brasil. E essa é uma conta que nunca vai fechar. Quanto mais inseguros, mais dispostos estamos a suspender o contrato em nome da ordem. Quanto mais suspendemos o contrato, mais distantes ficamos de resolver o problema da segurança.

Pois é ela, a síndrome de Capitão Nascimento, que impede qualquer avanço em política de segurança pública no país, diante de um debate natimorto, comumente encerrado nos limites de uma limitação moral que nos impede de enxergar o outro além do muro. Exemplo disso é a reação à audaciosa capa do Extra desta última sexta-feira, que anuncia a reportagem sobre o menor suspeito pelo assassinato de um médico no Rio de Janeiro: "Duas tragédias antes da tragédia". A matéria problematiza a condição do menino a partir da ausência dos pais e de uma educação formal. No mesmo dia, o colunista Reinaldo Azevedo a classificou como "LIXO MORAL", em caixa alta mesmo, conforme anuncia o título que precede aquela velha análise que relaciona os Direitos Humanos ao protecionismo barato da delinquência. Puro proselitismo, mas que funciona. E eu diria mais: funciona como nunca.

É bem por conta deste cenário que, ao mesmo tempo em que não avança em direção a políticas públicas de segurança eficazes, o Brasil assiste ao espetáculo de um judiciário entregue aos imperativos morais que se sobrepõem ao Estado de Direito. Quem se lembra do herói Joaquim Barbosa, quando, no ano passado, reagiu ao questionamento de um colega, que o acusou de abandonar a técnica jurídica para evitar o reconhecimento de que o crime estava prescrito ou que os réus do "Mensalão" gozassem do direito ao regime semiaberto de prisão? Sem pestanejar, o então presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça respondeu: "Foi feito pra isso, sim!".

Há algum tempo, circula um vídeo em que o ex-diretor da área internacional da Petrobras questiona o juiz Sérgio Moro sobre sua prisão, que à época já completava 5 meses. Sem provas, sem condenação, por que o cárcere? Do outro lado da mesa, Moro repete várias vezes: "eu não vou ficar aqui me explicando para o senhor". Não mesmo. Nem para ele, nem para a sociedade que sustenta a sua autoridade. Eu sei, 90% daqueles que estão lendo este texto estão indignados com o autor, afinal, só mesmo um petista para defender outro, certo? Errado, em primeiro lugar porque o que está em jogo aqui é o Estado de Direito em xeque graças à imposição moral sobre a lei. E, em que pese ser absolutamente legítimo considerar que nem sempre a lei caminha ao lado da justiça, o precedente aberto pela prerrogativa de sua suspensão em nome da sua manutenção é perigoso demais para que valha a pena.

Alguns minutos depois de postar numa rede a capa do Extra, sou respondido por um leitor: "ATÉ PARECE QUE ESTÃO QUERENDO JUSTIFICAR QUE ESSE RAPAZ TEVE MOTIVOS SUFICIENTE PARA MATAR ENTÃO NESSE CASO DEVE SER PERDOADO". Ainda educado, respondi que estava com sono, até que uma tropa passou a se referir a mim como petralha, assim como o jornalismo brasileiro, que, segundo ela, é toda comprada pelo governo. Exceção? Pra mim, sinal dos tempos.

No fim da semana passada, o Batman do Leblon, figura emblemática desde a eclosão dos protestos de junho de 2013, rompeu com o ainda presidenciável Aécio Neves. No comentário preciso de Matheus Pichonelli sobre a decepção dos movimentos anti-Dilma desenhados a partir de então, o diagnóstico: "Aécio não é nem nunca foi o político do embate. Nem como líder tucano na Câmara, durante o governo FHC, nem como governador de Minas. Aécio é, antes de tudo, um conciliador. Que, a certa altura do jogo, emprestou uma imagem a eleitores liberais e eleitores radicais unidos pela ideia de que era ele, e mais ninguém, o caminho viável para vencer nas urnas o governo petista. Como a vitória não veio, Aécio se tornou refém de uma mobilização barulhenta e ao mesmo tempo impaciente". Em poucas palavras, Aécio nunca foi o Capitão Nascimento que esperavam dele. Mas essa expectativa não deixa de ser sintomática.

O Brasil que se fechou para o outro é também um Brasil que se divide rumo à barbárie. A legião de super heróis que protagoniza hoje este espetáculo dramático no debate político não está além das expectativas de uma geração que não se vê além dos muros, nem se reconhece na própria democracia.

A regra já foi mais clara.

Abraços,
Murilo

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Rossoni e a violência simbólica contra a mulher na política

Como Pierre Bourdieu nos ajuda a compreender a dominação masculina na política brasileira e a agressão sofrida pela professora Adriane Sobanski, chamada de "biscate" pelo deputado tucano Valdir Rossoni. Com exclusividade, ela detalha os momentos de terror vividos no Paraná

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR

Professoras da rede estadual do Paraná, Simone Baroni, Adriane Sobanski, Valéria Arias e Cynthia Werpachowskk em manifestação de apoio à greve

Pierre Bourdieu, na obra A violência simbólica, apresenta os diferentes tipos de dominação simbólica existentes no mundo social. Dentre elas a dominação de etnia, gênero, cultura e língua. Todas elas produzem o que ele conceitua como violência simbólica, ou seja, as relações subjetivas de dominação. Nos interessa, particularmente neste momento, a dominação de gênero ou a dominação masculina.

Importante iniciar a discussão indicando que “as estruturas de dominação não são a-históricas”, ou seja, a dominação é “produto de um trabalho incessante (e, como tal, histórico) de reprodução”. Neste sentido, é fundamental compreendermos o papel das instituições na constituição histórica da dominação. 

No caso da masculina, destacam-se duas instituições: a Igreja e a família. Desde o mito da origem e de Adão e Eva, a Igreja patrocinou a construção da dominação masculina. Isso porque, ao apresentar a mulher enquanto criada de uma parte do homem, promoveu a diminuição do gênero feminino, enquanto que ao introduzir a ideia de Eva como culpada pelo pecado original delegou às mulheres uma espécie de lógica da maldição de gênero. Não só esta, mas outras passagens da Bíblia promovem de maneira explícita a submissão do gênero feminino. Na família cansamos de experienciar pais e mães diferenciando brincadeiras e trabalhos de homens e mulheres, quando não determinando o que cada gênero deveria fazer. 

Tais instituições promovem a constituição de um habitus, que seriam formas de pensar e agir produtos das formas introjetadas de pensamento e ação. Ou seja, se a Igreja e a família exprimem formas de pensamento e ação que constituem a dominação masculina, tal dominação se torna natural e passa a fazer parte do habitus dos agentes, que reproduzem historicamente a violência simbólica. 

A reprodução da dominação masculina pode ser observada em três práticas: machismo, sexismo e a misoginia. Segundo a socióloga Mary Pimentel Drumont, o machismo "é definido como um sistema de representações simbólicas, que mistifica as relações de exploração e dominação, de sujeição entre o homem e a mulher". Pertencem a este sistema o sexismo, enquanto atitude de discriminação em relação às mulheres, e a misoginia, enquanto sentimento de aversão e repulsa às mulheres. 

Na política brasileira, a dominação masculina pode ser evidenciada em números. Mesmo com o aumento da presença de mulheres no Congresso Nacional, apenas 10% dos cargos eletivos são ocupados por elas. Atualmente são 51 deputadas federais, enquanto em 2010 eram 45, num total de 513 cargos. Isso significa um aumento de 1,1% entre 2010 e 2014, pouco para um país democrático. Na última lista da União Interparlamentar (UIP), que analisou a participação de mulheres na vida política em 189 países, o Brasil ocupa a 129º posição. 

Além da falta de representatividade, as mulheres são costumeiramente vítimas da violência simbólica produzida pelo machismo, sexismo e misoginia no universo político. Cargo máximo da República, a presidenta Dilma Rousseff foi por várias vezes vítima de práticas sexistas e misóginas. Poderíamos citar como exemplos a patética crítica ao vestido utilizado pela chefe do executivo na cerimônia de posse ou o título de “vaca”, dentre outros, dado à presidenta com a naturalidade de quem reproduz a dominação masculina no dia a dia. Ícone do pensamento machista, o deputado federal Jair Bolsonaro do Partido Progressista - PP afirmou no plenário da Câmara que não estupraria a deputada Maria do Rosário do Partido dos Trabalhadores – PT porque “ela não merecia”. Recentemente, a deputada do Partido Comunista do Brasil – PC do B, Jandira Feghali foi vítima de violência física na Câmara dos Deputados por parte dos deputados Roberto Freire do Partido Progressista – PPS e Alberto Fraga do Democratas – DEM. 

Na semana passada, a professora Adriane Sobanski foi xingada pelo presidente estadual do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB do Paraná, deputado Valdir Rossoni, de “biscate”. A professora comenta que leciona “História há 20 anos, porém há apenas 6 como servidora estadual. Trabalhei por 17 anos na iniciativa privada, mas meu sonho sempre foi a escola pública!”. A docente atualmente é aluna do Doutorado em Educação na Universidade Federal do Paraná. 

Sobrevivente do massacre promovido pelo governo Beto Richa no último dia 29 de abril, Adriane relatou o episódio: “Cheguei ao Centro Cívico por volta das 9h da manhã e já me vieram lágrimas aos olhos. A quantidade de policiais, armas de bala de borracha, máscaras de gás, escudos e cassetetes era enorme. Senti que naquele dia haveria sangue. Além disso, os 2 helicópteros que sobrevoavam muito baixo sobre a praça ajudavam a criar um clima mais tenso. Estava com um grupo de amigas quando as bombas começaram a ser jogadas sobre as pessoas. Mesmo assim, levamos cerca de 6 minutos para sair de onde estávamos. Corremos para o bosque e já era impossível respirar. Usamos muito vinagre. De repente, lançaram bombas em nossa direção e corremos novamente. Uma bomba caiu sobre um carrinho de pipoca e todos, de fato, se apavoraram por causa do bujão de gás. Corremos em direção ao bosque, tomado pela fumaça das bombas, até que conseguimos nos aproximar da prefeitura e lá ficamos, por duas horas, vendo e ouvindo os horrores. Como historiadora sempre falo sobre ditadura e revoluções. Jamais imaginei que, um dia, vivenciaria a ditadura e a violência daquela forma. Durante uns 4 dias não conseguia parar de chorar. Mesmo hoje, quando vejo vídeos daquele dia ainda choro muito”.

Após a experiência traumática, Adriane visualizou uma postagem do deputado Valdir Rossoni, na qual ele fazia uma crítica ao lema “Pátria Educadora” do governo federal. Indignada, a professora comentou que o deputado deveria ter vergonha da situação da educação pública no Paraná. A professora relata que “no dia seguinte, ao espiar o Facebook pelo celular, vi que havia uma mensagem. Ao clicar apareceu um aviso de que aquela mensagem não poderia ser respondida. Ao clicar no OK, vi a mensagem do deputado. Corri ligar o computador para fazer o print da mensagem e divulguei em minha página e na página Professores do Paraná”. Na mensagem o parlamentar do PSDB escreveu: “pelo seu desrespeito imagino o que vc faz e sua casa vai procurar sua turma biscate”. 
Print da mensagem enviada pelo deputado federal Valdir Rossoni para a professora Adriane Sobanski
O ato misógino do parlamentar provocou o anúncio de projeto de lei para punir injúria de gênero, de autoria da senadora Gleisi Hoffmann do PT. Porém, a pergunta é: “será que uma lei pode modificar a cultura de dominação masculina no Brasil?”. Conforme Bourdieu, para acabar com a estrutura de dominação simbólica é fundamental primeiramente romper com a cumplicidade muitas vezes observada entre dominado e dominador. O caso da professora Adriane é um exemplo de conduta que procura desnaturalizar o sexismo ao denunciar com veemência o fato utilizando as mídias. Contudo é fundamental “uma transformação radical das condições sociais de produção das tendências que levam os dominados a adotar sobre os dominantes e sobre si mesmos, o próprio ponto de vista dos dominantes” para desnaturalizar a dominação masculina. Enquanto isso, cumpramos nosso papel de denunciar todos os atos machistas, sexistas e misóginos. 


Abraços,
Osvaldo.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Você devia se indignar com o Bolsa Banqueiro, isso sim!

por SANDRO CHAVES ROSSI



Políticas públicas são necessárias para reduzir a desigualdade social em um país. Tais políticas são feitas por vários governos no mundo inteiro e já se mostraram (e ainda se mostram) extremamente eficazes. O grande problema é que há muitas críticas em cima de tais políticas. Aqui no Brasil temos o grande exemplo do Bolsa Família, que é chamado de política populista ou até mesmo acusado de incentivar a "vagabundagem" (sic). E se eu te falar que o governo gasta muito mais com o "Bolsa Banqueiro"? Que inúmeros programas sociais poderiam ser criados e até otimizados com esse dinheiro gasto? Que nós pagamos uma dívida que nunca diminui? 



O termo “Bolsa Banqueiro” foi amplamente utilizado por Plínio de Arruda Sampaio, candidato do PSOL à Presidência da República em 2010. O Bolsa Banqueiro é o pagamento do serviço da dívida pública (juros, amortizações e encargos). O montante envolvido é obtido via tributação, através dos assalariados e consumidores, e transferido através do “sistema da dívida” para um pequeno e seleto grupo de privilegiados, no caso, os bancos.

Como surgiu o Bolsa Banqueiro?

Surgiu através da dívida pública. Basicamente, o governo empresta dinheiro dos bancos com juros altíssimos e depois sofre para pagar essa dívida. Se não fossem os juros, a dívida já estaria paga - ou pelo menos grande parte dela. O juro é o lucro de uma instituição financeira. A dívida não era tão grande, ela começou a se agravar no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) devido às políticas de privatização, apesar do dinheiro embolsado com a venda das empresas estatais, a dívida pública aumentou exponencialmente. Isso aconteceu porque o Estado deixou de gerar riquezas com as privatizações, tendo como principal fonte de renda apenas a arrecadação de impostos, ou seja, as dívidas continuaram e a receita diminui. No período de governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) o lucro dos bancos foi algo em torno de R$ 64 bilhões.

Como é a situação hoje?

Quando o PT era oposição no governo do PSDB, um dos seus maiores discursos contra a situação era o lucro dos bancos com a dívida pública, porém, quando o PT chegou no poder, a situação piorou. No período do governo Lula (2003-2010), o lucro dos bancos foi de R$ 254,7 bilhões, valor quase 4 vezes maior que o deixado por Fernando Henrique Cardoso. A situação piorou de vez no governo de Dilma Rousseff, tendo seu ápice em 2012, quando o lucro das instituições financeiras foi de R$ 115,75 bilhões - em apenas 3 anos de governo (2011-2013) -, tudo isso somado a um terrível dado: os brasileiros pagaram R$ 753 bilhões em juros da dívida pública em 2012. Para se ter noção dessa quantidade de dinheiro, é 10 vezes o valor gasto em saúde e 13 vezes o valor gasto em educação em 2012. Em 2014, a dívida pública chegou em R$ 1 trilhão.

O que podemos fazer para pagar essa dívida?

Desde a Constituição de 1988 está determinada uma auditoria da dívida, ou seja, uma votação para determinar se devemos ou não pagar esse montante, porém até agora ninguém recorreu a essa ação.

Mas não é errado deixar de pagar uma dívida que o próprio governo fez?

Claro que sim, porém existem muitas irregularidades nessa dívida e que, se forem analisadas com mais cautela, diminuirão bastante o valor a ser pago. A CPI da Dívida mostrou que o TCU (Tribunal de Contas da União) não analisa a dívida com um todo, mas apenas faz estudos pontuais sobre aspectos muito específicos. A CPI identificou sérios e vários indícios de ilegalidades do endividamento externo e interno, tais como:

– Boa parte da dívida atual decorre da obscura e questionável dívida da ditadura (ou seja, um governo ilegítimo), com clausulas ilegais e sem documentação;
– Utilização de juros flutuantes, ilegais segundo o Direito Internacional;
– a aplicação de juros sobre juros (“anatocismo”, vedado pela Súmula 121 do STF);
– o pagamento antecipado de parcelas da dívida externa com ágio de até 70%;
– a realização, pelo Banco Central, de reuniões trimestrais com representantes de bancos e outros rentistas, para a estimar variáveis como juros e inflação, que depois são utilizadas pelo COPOM (Comitê de Política Monetária) para a definição das taxas de juros (ou seja, é “colocar a raposa para tomar conta do galinheiro”);
– Ausência de contratos e documentos; ausência de conciliação de cifras;
– A grande destinação dos recursos orçamentários para o pagamento da dívida viola os direitos humanos e sociais.

O governo não vai sofrer represálias do mercado financeiro caso isso aconteça?

Pode ter certeza que sim, porém muitos economistas dizem que não entraríamos em um colapso financeiro como alguns dizem, pois o Brasil é um dos países que mais recebem investimentos no mundo inteiro e tem um caráter bastante produtivista. Além do mais, os bancos também têm dívidas com o governo, como por exemplo o Itaú, que deve aos cofres públicos R$ 18,7 bilhões de impostos atrasados. Também vale lembrar de escândalos de corrupção e que devem gerar uma dívida dos bancos com o governo, como o Bradesco e o Santander, que estão envolvidos na Operação Zelotes - operação realizada por diversos órgãos federais contra um esquema que causava o sumiço de débitos tributários, uma forma de desfalcar os cofres públicos.



Enquanto as pessoas ainda se indignam com o Bolsa Família, que é um programa que tirou milhões de pessoas da pobreza extrema e que custa apenas 0,8% do PIB para os cofres públicos, os bancos estão batendo recordes de lucro em cima de uma dívida que já era para estar paga e que está cheia de irregularidades, juros estão sendo pagos ao invés de se investir em políticas públicas. Vale lembrar que estamos em ano de instabilidade econômica e que os ajustes fiscais do governo vão pesar em cima da classe trabalhadora e não em cima de quem deveria pagar por grande parte dessa crise. E você? Vai continuar se indignando só com quem recebe um pouco mais de R$ 100 por mês para sobreviver ou com quem está causando rombos enormes nos cofres públicos, sem produzir nada e ainda encurtando seu dinheiro com ajustes fiscais que deveriam ser feitos para eles mesmos?

terça-feira, 19 de maio de 2015

A Cultura do Condomínio

Como uma psicopatologia do Brasil entre muros ajuda a desvendar o encolhimento do espaço público e a ascensão do ódio na contemporaneidade

por MURILO CLETO

Foto: Dafne Sampaio https://www.flickr.com/photos/esforcado

Em 1965, Jean-Luc Godard dirigiu um dos mais preciosos filmes de ficção científica de todos os tempos, o longa-metragem Alphaville. Cercado da literatura de Aldous Huxley e George Orwell, Godard criou uma realidade distópica em que todas as coisas funcionam na mais perfeita ordem. Mas, ora, o que há de distópico num mundo perfeito? Dentre outras coisas, o preço que foi preciso pagar para isso: em Alphaville, todos os habitantes são proibidos de manifestar qualquer afeto diante dos pares.

Exatamente 10 anos depois, em São Paulo, surge não o primeiro, mas o principal modelo de loteamentos a partir de então no Brasil, ironicamente batizado de... Alphaville. Fruto de certa ânsia desenvolvimentista, os condomínios partem do mesmo pressuposto anunciado na obra de Godard: a realização de um mundo perfeito onde vivem apenas os iguais. 

Ainda que a vida entre muros não seja uma realidade exclusivamente brasileira, Christian Dunker aposta nela como a chave para compreender o Brasil contemporâneo. Em Mal-Estar, Sofrimento e Sintoma, o psicanalista escancara o país como um paciente que sofre, mal resolvido com o próprio passado. Já nos anos 1920, as vanguardas artístico-literárias ocuparam-se sobretudo de pensar o fantasma do atraso e do subdesenvolvimento. É neste contexto, não por acaso, que a Psicanálise, uma disciplina tão específica e criteriosa, aporta no Brasil. 

A partir da década de 1950, o que era frustração tornou-se objeto de política pública e discurso de campanha eleitoral. A breve experiência democrática do pós-guerra trouxe ao Brasil a execução prática de lemas como "50 anos em 5", além de rodovias, indústrias e uma nova capital. Nos anos 70, este processo se intensificou com os governos Thatcher, na Inglaterra, e Reagan, nos Estados Unidos.

No Brasil, o seu resultado encontra-se tanto com o golpe militar de 1964 quanto com a política econômica que o sustentou nos anos seguintes. O país que primeiro fez crescer o bolo para depois dividi-lo - como anunciou à época Delfim Netto - precisou apostar na exclusão como único meio possível de desenvolvimento. Na esteira do neoliberalismo e mais desigual do que nunca, o Brasil entre muros passou a incluir na lógica do mercado todos os aspectos da vida.

E é dentro deste contexto que o espaço público passa a ser engolido pelo privado em velocidade progressiva desde então. Escola boa, só particular. Garantia de saúde, só com plano. Serviço de qualidade, só terceirizado. Neste sentido surgem os condomínios no Brasil. Fruto da especulação imobiliária e do desejo de descolamento do espaço público, o que os caracteriza é fundamentalmente a criação de uma realidade paralela, como na obra de Godard, muito melhor do que a de verdade. "Aqui todo dia é domingo", é como um dos anúncios de venda de terrenos seduzia compradores em potencial.

De acordo com Dunker, no entanto, a pressuposição de felicidade adquirida através da compra dos lotes se contrapõe à realidade na vida entre muros. E o que era pra ser a realização máxima da liberdade torna-se lugar de hipertrofia de regras, porque é entre semelhantes que as pequenas diferenças se destacam.

Foto: Dafne Sampaio https://www.flickr.com/photos/esforcado
Além disso, o isolamento em relação ao outro não tornou a vida nos condomínios necessariamente melhor. Segundo Freud, apesar dos estímulos, o que contrapõe o mal-estar não é o "bem estar", mas o estar. A realização do ideal de compra é problemática, dentre outras coisas, porque reproduz as confusões predominantes entre sonhos e projetos e entre desejos e objetivos. E mais, porque o mal-estar não é resultado exclusivo dos insucessos pessoais, mas de uma condição civilizatória que não nos permite "cair" do mundo. Ou seja, além de um pacto com aqueles que habitam-no comigo, há também outro com aqueles que já passaram por ele e com os que ainda virão, de modo que estamos todos amarrados e a felicidade, portanto, nunca será completa, apesar da promessa.

No fim das contas, a existência do condomínio gira em torno da promessa dos 3 estados ideias do ser humano: a liberdade, a felicidade e a segurança. Se na Alphaville da ficção o preço a ser pago por isso está na proibição do afeto, na do mundo real é na exclusão que ela encontra residência. Quer dizer, o condomínio é fundamentalmente uma realidade alternativa, onde as coisas funcionam perfeitamente, todos são livres, felizes e seguros, porque partem do princípio de que o sofrimento é sempre causado por um objeto intrusivo, o outro. Afinal, é no outro que reside a violência, a incivilidade e a limitação moral. Antes de uma barreira física, os muros são um marco simbólico que aparta iguais de diferentes e reforçam a tentativa de suspender o pacto comum que bloqueia o acesso à satisfação plena dos sujeitos.

É o que explica o processo análogo de decadência do espaço público. Já nos anos 1970, o sociólogo Richard Sennett escreveu sobre a ascensão das "tiranias da intimidade" numa obra de referência para a compreensão do sujeito contemporâneo. Diz Sennett que a experiência do pós-guerra contribuiu para a falência de um modelo burguês que separou, no século XVIII, as esferas pública e privada e o desenvolvimento de outro, também burguês, é verdade, de invasão da privacidade ao universo público.

Esta é uma invasão que mais parece um arrastão. Acontece por todos os lados. Através da economia, que passou a incluir todos os aspectos da vida na lógica de mercado. Através do entretenimento, que glamourizou como nunca a vida cotidiana em telenovelas, séries, talk-shows e mesmo jornais. E através das ruas, que viram-se ocupadas não por pessoas, mas por automóveis.

Nas ruas, aliás, reside boa parte deste paradoxo flagrante. Em 2002, Alessandra Olivato defendeu a dissertação de mestrado em Sociologia a partir da problemática do caos nos centros urbanos. O resultado da pesquisa é emblemático: os acidentes de trânsito não ocorrem por fatalidade, problemas mecânicos ou, de maneira isolada, a imprudência. É a própria imprudência, sustenta Olivato, resultado desta indistinção entre os espaços público e privado.

Em Medos Privados em Lugares Públicos, aqui mesmo no Desafinado, falei brevemente sobre isso: "Mais do que através deles e da sua tecnologia, os carros substituíram a experiência do sujeito com as cidades à medida que a ausência de preocupação com o bem-estar comum invadiu as ruas de grandes ou pequenos centros urbanos. O carro é uma oportunidade de deslizar pela cidade sem efetivamente estar nela. Bunker móvel com alto valor de mercado e apelo estético, oferece TV, blindagem, som, DVD, poltronas reclináveis, ar-condicionado, celular, internet e até relaxamento para simular a realidade confortante do lar". Ainda que a rua continue sendo, por definição, espaço público, é no ambiente privado do carro que nos fazemos presentes. E o resultado disso é catastrófico.

Descende daí, talvez, a rejeição algo insana às ciclovias em São Paulo. Mais do que um apaixonado por carros, como diz a propaganda, o brasileiro é marcado por um autocentrismo que, dentre outras violências, faz do espaço público palco de competição e meritocracia, exatamente como pressupõe a lógica do mercado. É o que permite alguma aceitação ao discurso de Reinaldo Azevedo, colunista de Veja, que classificou o prefeito Fernando Haddad como "o Estado Islâmico das Duas Rodas".

Nas redes sociais, a tirania da intimidade é ainda mais notável. Em primeiro lugar, porque são elas mesmas resultado deste processo de publicização da intimidade, algo radicalizado por reality shows como o Big Brother. E, ainda, porque nelas a privacidade encontrou residência como nunca. O que eu sinto, como eu sinto, o que eu como, o que eu faço, com quem eu tomo café. Do flogão do limiar do século XXI ao Facebook, que hoje atinge 1,4 bilhão de pessoas, as redes revelam a decadência do espaço público quando justamente anunciam, em tese, a sua ampliação.

É neste ambiente que a violência encontra lugar. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o sociólogo espanhol Manuel Castells afirmou que não acredita que a internet tenha tornado o debate político mais violento no Brasil, que sempre foi assim. Segundo Castells, a rede apenas "trata-se de um espelho", pois "expressa abertamente o que é a sociedade em sua diversidade". Muito embora seja verdade que a violência perpassa a história do país, inclusive muito antes da invenção da internet, há de se considerar a capacidade das redes de reinventar o modo como as pessoas leem o mundo e também agem sobre ele.

Além da mola propulsora do anonimato, a compreensão das redes como residência de sentimentos também estimula o apelo à violência generalizada. Isso acontece fundamentalmente graças ao cenário desenhado pelos carros, mas que serve também para explicar tanto ódio na internet: em que pese ser público, o seu espaço é visitado de modo privado. É no conforto do lar que a polidez da vida pública dá lugar aos extremos da intimidade. De pijama, sem escovar os dentes ou os cabelos, atravessa-se o mundo com meia dúzia de cliques. E o resultado disso não pode ser outro senão uma relação passional, ora amor, ora ódio, com o interlocutor. Sim, amor também, afinal ele nunca foi tão público quanto agora.

Não apenas no Brasil, mas no mundo todo discute-se a maior dificuldade na implementação e sucesso de políticas públicas de Cultura: a formação de público. Falta público não porque faltam investimentos, qualidade artística ou boas iniciativas, mas porque o ser humano precisa aprender a se relacionar com o espaço comum.

Foto: Dafne Sampaio https://www.flickr.com/photos/esforcado
A seguir as pistas dadas por Dunker, isso só pode acontecer mediante novas formas de relação com o sofrimento, comumente tratado até aqui quase que exclusivamente através da eliminação do objeto intruso. A experiência do condomínio demonstra que o antídoto ao mal-estar não deu certo e que "o cheiro do ralo", como no filme de Heitor Dhalia, vai continuar incomodando.

Ainda que Dunker tenha pensado a "cultura do condomínio" como uma alegoria para refletir sobre o Brasil contemporâneo, o colunista Rodrigo Constantino resolveu atacá-lo com uma defesa da vida entre muros, justificada pelos altos índices de violência. 10 anos de pesquisa com Freud, Lacan, além de extensa bibliografia histórica, rebatidos com o raciocínio senso-comum de que a exclusão é fundamental para a sobrevivência. Não fosse real a publicização dos medos da intimidade, Constantino não passaria de um panfletário cômico e isolado, ele próprio, no mesmo manicômio em que tentou destinar todos os diagnosticados por ele como loucos, exatamente como Simão Bacamarte em O Alienista, de Machado de Assis.

Abraços,
Murilo


* Mais sobre Christian Dunker pode ser conferido em sua fala ao Café Filosófico, da CPFL Cultura; na entrevista concedida a Matheus Pichonelli; na resenha de Daniele Sanchez sobre o livro-tese de sua livre docência; na matéria de Ana Paula Souza ao Valor Econômico; a na sua página no Facebook, que indica uma série de outras publicações.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Brazilian way of Americanization

por LUCAS SANTOS


Nós já avançamos nas negociações com os outros países da América, em prol do comércio livre e justo em todo o hemisfério. O futuro de milhões de pobres depende desses resultados. Os países que adotam o comércio livre se desenvolvem mais facilmente que aqueles que adotam o protecionismo.
(George W. Bush, 2005, Brasília)


O processo que será denominado aqui de americanização tem sua gênese no cenário pós-guerra da década de 1940 e consiste basicamente na apropriação de uma gama de aspectos culturais importada dos Estados Unidos da América por grande parte dos conjuntos culturais acidentais, porém, trataremos aqui do caso específico do Brasil, que nas mãos de Vargas foi inundado pelo American Way of Life.

A americanização do ocidente tem seus primórdios com as políticas de expansão de mercado promovidas por duas jogadas do governo estadunidense, sendo a doutrina Truman e o plano Marshal, ambos visando a ascensão dos E.U.A. a potência mundial, em um cenário muito propício.

Ambas as manobras foram, grosso modo, muito bem sucedidas, visto que o mercado consumidor do país cresceu, não apenas internamento, mas em nível global, e várias alianças surgiram possibilitando o enfrentamento direto de seu, então, novo inimigo vermelho: a União Soviética.

Para o governo Vargas a aliança com o novo chanceler global foi vantajosa, visto que com ela veio à possibilidade de gestar um empreendimento estatal, materializado na CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), marca do progresso, dado o pensamento positivista predominante no contexto.

Para a “plebe”, no entanto, o quadro é um pouco complicado. Na questão cultural, temos sim algumas questões a serem pontuadas, visto que os “enlatados americanos” vieram compor o cotidiano e ditar tendências, sobretudo a partir de meados da década de 1950, esse fator, porém, não causou muitas alterações no que podemos tratar, de forma um tanto pejorativa, por cultura popular, visto que está se associa muito mais as matrizes do que ao que está em circulação no mercado, pois seus mantenedores geralmente não tem tanto acesso aos bens de consumo supérfluos.

É nas camadas um tanto mais abastadas da sociedade que sentimos a influência direta dos ideais estadunidenses, visto que a cultura do consumo chegou com vigor e ficou. E grande parte do que esse consumismo pede não rola nas esteiras das fábricas brasileiras, sendo, então importado de quem produz com excedente, neste sentido os E.U.A. investem em uma postura All in para a exportação, visto o inchaço de seu mercado interno, o que traz uma dependência mercadológica um tanto desvantajosa para o Brasil.

Tudo isso se baseia no ideal da grama mais verde do vizinho, que no caso é mais verde mesmo, visto a prevalescência do dólar comercial estadunidense como moeda corrente do mercado internacional.

Mas como nem tudo são flores, a americanização também importou os monstros gerados pela política trumaniana, incorporados nos movimentos de contestação, sobretudo do conjunto de práticas tradicionalmente designado como cultura jovem. Logo a Bossa Nova se vê subvertida em Tropicália, o que foi essencial para a quebra de alguns valores retrógrados da sociedade brasileira. As flores tropicais, porém, assim como seus sucessores “eruditos populares”, brotaram apenas onde se podia pagar e passaram a figurar no meio da Música Popular Brasileira, que traz em sua genealogia dois ultrajes ao ouvinte/leitor, afinal nada tem de popular, pois se veicula por meio de grandes selos que “mercenarizam” a arte e nem de brasileira, pois suas influências são, em grande parte, estrangeiras.

O que pouco se discute, no entanto, sobre a influência estadunidense no Brasil, está ligado a um período intensamente debatido que vai das trevas ao heroísmo no imaginário social e pode ser descrito como a Ditadura Civil-Militar brasileira. Isto porque a assimilação dos ideais estadunidenses pela sociedade, não abre espaço para tal associação. Se fizermos um raciocínio breve, porém, a possível ligação dos fatos está feita, pois o principal argumento dos militares e das classes médias brasileiras que apontam a intervenção militar como algo que salvou o país é o de se os militares não assumissem o poder a “ameaça vermelha” tomaria conta do território, discurso esse largamente difundido por todos os meios a que a mão do Estado estadunidense se estendeu.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

"Ajude a si mesmo" é o que você diz

por ISRAEL CASTILHO



Mais uma pessoa jogada nas ruas
E você não percebeu
Mais uma prova da sua miséria
Que você finge não perceber
O que há de errado em sua vida?
O que foi que aconteceu?
Você não pode dizer que apenas se acostumou.

[Diariamente - Dead Fish]

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Getúlio Vargas. Um mito político construído

por JESSICA LEME


A história política durante muitos anos foi a protagonista dos projetos de pesquisa e publicações, geralmente pautadas na construção de histórias nacionais, narrativas sobre sistemas de governo, revoluções, etc. Com o passar do tempo à história política caiu em descrédito ou em desuso, sendo deixada de lado por outros campos de pesquisa. O historiador político deveria então passar a se preocupar não somente com a instituição política, mas também o poder que lhe é inerente. O estudo do poder que a política detém sobre as sociedades seria a partir de então um novo objeto de estudo, visto que a política perpassa até mesmo os laços afetivos, como se vê claramente durante campanhas eleitorais. 

Grande parte das críticas lançadas à produção da história política tinha como ponto principal o fato de ser percebida como elitista, de enaltecer determinados sujeitos, sua superficialidade de análise. 

A história política, com sua tradição de criar heróis, legitimar governos e regimes de Estado, acabou permanecendo a mesma após as diversas revoluções que passaram a percorrer governos pelo mundo, derrubando principalmente monarquias. A persistência em criar protagonistas apagou a real importância das minorias, das massas, dos anônimos, dos heróis esquecidos que estiveram à frente de tantas mudanças políticas. Essa parcela da história só seria resgatada mais recentemente com as novas formas de abordagem da nova história cultural. 

A representatividade de Getúlio Vargas na memória coletiva do Brasil teve suas raízes num processo político de culto da sua figura, na legitimação de locais/lugares/objetos que tenham feito parte de algum momento auspicioso de sua trajetória ou até mesmo seu discurso e herança política.O governo Vargas caracterizou a introdução do que chamamos de cultura de massa no Brasil, esta por sua vez trouxe uma nova forma de cultura política. Após a crise do liberalismo muitos países buscaram rever a figura do Estado para conter a crise social, buscando líderes carismáticos que conduziriam às massas a fim de evitar revoluções populares. 

Nesse modelo de governo que se estabeleceu a manipulação ideológica era uma forte tendência, aproveitando se da população em sua grande maioria ainda proveniente da zona rural, sem qualquer cultura política anterior, portanto facilmente manipulável. 

O uso da fotografia no regime Vargas era utilizado principalmente com o intuito propagandístico, no Brasil a fotografia foi mais utilizada que demais formas de propaganda por ter referência à ideia de realidade, o que pode demonstrar o caráter positivista da sociedade brasileira, assim como o da formação própria de Getúlio Vargas. 

A fotografia se organiza em dois segmentos, aquele o qual algo é expresso (papel, cores, tecnologia utilizada) e também seu conteúdo (aquilo que está fotografado, pessoas, objetos, lugares). A análise fotográfica tem na sua noção de temporalidade a chave para sua interpretação, visto que cada situação fotografada corresponde a determinado momento histórico. A foto nada mais é que um recorte desse tempo/espaço. 

A fotografia carrega consigo uma realidade própria, ela não necessariamente está ligada ao fato ou assunto que representa. Essa realidade é criada, e não de forma ingênua, neutra ou imparcial. 

A fotografia é considerada um produto cultural, visto que é um elemento social e dentro dessa perspectiva ela pode lançar novas formas de comportamento, moda, assim como também podem servir como elemento de controle das massas. Este aspecto foi extremamente utilizado durante o governo Vargas para a construção e legitimação do governo autoritário. Diversas formas de propaganda utilizando fotografias do então presidente foram produzidas pelo Departamento de Imprensa e Propaganda criado na época especialmente para estes fins. 

Na política a imaginação se faz presente no que diz respeito a determinado indivíduo, ou seja, o que o faz ser lembrado? Algo que o enaltece ou o diminui perante a sociedade. 

Quando se produz um sistema que reproduz e legitima a ordem estabelecida também surgem sistemas que guardam estes símbolos e representações. Com a possível dominação e manipulação pelo poder político, a história do imaginário social começa a se aproximar também da história da propaganda. 

As ideologias nascem das representações que determinada sociedade tem de si própria e das relações que ela tem com as sociedades antagônicas ao seu modelo. É através disso que as sociedades exprimem suas aspirações, justificam suas ações e moldam seu futuro. Internamente, a dominação da classe dominante passa necessariamente pelo campo ideológico. O discurso da mesma é veiculado à grande massa pelo Estado, Igreja, escola, e porque não do domínio da propaganda e dos veículos de informação. 

O imaginário social é uma força reguladora da vida coletiva. Os símbolos não somente indicam a qual sociedade o indivíduo pertence, mas também servem como uma alternativa muito eficaz de controle da vida coletiva, principalmente no exercício do poder. O imaginário tem o sentido unificador extremamente forte, que lhe é dado pelo misto de verdade, normatividade, informações e valores que se colocam através dos símbolos. O imaginário social não funciona de forma isolada; ele usa de várias fontes simbólicas do coletivo e em boa parte usa da simbologia sagrada para legitimar seu poder. 

O sistema de criação dos imaginários redunda na formação do carisma do chefe, conferindo-lhe um status de grande guia com poderes por vezes sobre humanos, encarnando o mito político que protege e salva uma coletividade. O mito político é uma fabulação, é a criação de algo que foge ao real, porém, o mesmo mostra uma fração daquele dado momento. 

O mito político surge a partir de uma deformação da realidade, havendo uma negação daquilo que realmente existe. Também deve se levar em consideração que mesmo sendo um mito ele nos traz características da sociedade de seu tempo.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Pensar o Brasil

por LUIS FELIPE MACHADO DE GENARO



Entre crises sobrepostas e miséria política, sinal de um novo tempo do mundo, velhas questões parecem emergir em um oceano de conservadorismos. Por isso, fiquemos atentos! Um velho ataque de grupos reacionários sempre foi, e permanece sendo, o "inchaço" das estruturas e instituições do Estado brasileiro. 

Penso que retirar quem lá está, via golpes ou impeachment, como buscam tais grupos sob o manto da legalidade, de nada adiantaria. Não se pensarmos a longo prazo ou quisermos simplesmente rasgar a Carta Magna, aqui e agora. 

Hoje, como bem observou Mino Carta em seu último texto, os três poderes estão bem, mas bem mal representados. A que ponto chegamos e como alterar o recente? 

A resposta, reflito, está em substituir a espinha dorsal do Estado brasileiro e suas inúmeras vértebras: menos tecnicistas, burocratas e negociadores, mecânicos e gestores do paliativo, e mais professores, intelectuais e filósofos, partícipes e construtores de um novo projeto de nação. Utopia? 

Vale lembrar que no início da década de 1960, e antes, acadêmicos eram membros-chave de um governo democraticamente eleito – deposto pelo golpe civil-militar de 1964. Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Paulo Freire, entre tantos outros, regressavam, pensavam, analisavam e esclareciam um Brasil marcado por inúmeras permanências e poucas rupturas, ao mesmo tempo em que ingressavam na pesada máquina estatal brasileira, visando implodi-la, alterando assim seu curso, desconstruindo suas bases mais sólidas, mais tristes e violentas. Ideólogos de um projeto justo e menos desigual. 

Confuso, indago onde foram parar nossos tantos Furtados, Darcys e Freires, formados e pós-graduados pelo Brasil. Indago por quais razões inúmeras universidades, livre-docentes e suas teorias afastaram-se do agir político, e seus grupos de pesquisa rejeitaram e permanecem rejeitando pensar um país que claramente, na última década, mudou, mas que permanece arrastando-se entre gemidos e dores, antigos grilhões. O que lhes falta? 

Pensar, contudo, não basta. Isso, Marx um dia nos alertou. O momento exige da intelectualidade brasileira uma participação efetiva na atividade política. Uma crítica embasada, novas teorias e modelos. Dos intelectuais de renome, o fim de um sono incômodo. Aos jovens pensadores, uma ação efetiva. De ambas as esferas, a união. 

Nunca tivemos tanto potencial e produziu-se tanto lixo. Com o raiar de um novo tempo, ou estancamos a imbecilização do Brasil, ou seremos arrastados por ela. Um turbilhão de retrógrados, militaristas, fanáticos e conservadores se aproxima. É só parar e escutar. Ele vem chegando rápido. Bem rápido.