sexta-feira, 8 de maio de 2015

Brincando com fogo

Em que pese ser irresistível fazer troça de mais um espetáculo de histeria durante campanha do Partido dos Trabalhadores na TV, já passou da hora de ponderar o que realmente quer dizer o panelaço pro além de desqualificá-lo como uma manifestação exclusivamente elitista

por MURILO CLETO



Na última terça-feira, o inevitável aconteceu: mais um "panelaço" tomou o lugar do habitual silêncio no horário nobre da TV brasileira durante inserção do Partido dos Trabalhadores, com destaque para o ex-presidente Lula. Em que pese ser absolutamente compreensível - e quase irresistível - fazer troça de mais um espetáculo de histeria, já passou da hora de ponderar o que realmente quer dizer o panelaço pro além de desqualificá-lo como uma manifestação exclusivamente elitista.

Primeiro, porque a voz do Morumbi é tão legítima quanto a do Capão Redondo, apesar da regular assimetria de volume em favor da primeira. Mas, além disso e principalmente, porque o recado implícito na estridência das panelas macetadas é um só e serve de alerta também pra oposição que delira de prazer quando o alvo é o governo: mais do que não se quer mais ouvir o que o PT tem a dizer, também é preciso impedir que outros tenham condições de fazê-lo. Mais do que desligar o aparelho ou mudar de canal, também é preciso publicizar essa intolerância algo infantil, mas que tem sido a tônica do debate político no país, sobretudo nos últimos meses.

Em A mais maldita das heranças do PT, Eliane Brum descreveu com precisão o fruto de uma série de escolhas feitas pelo partido especialmente desde a chegada ao Planalto: "mais brutal para o Partido dos Trabalhadores pode ser não a multidão que ocupou as ruas em 15 de março, mas aquela que já não sairia de casa para defendê-lo em dia nenhum". Ao privilegiar o desenvolvimentismo, o PT do Planalto perdeu as ruas, até então seu principal espaço de atuação.

Mas há algo de grave que não pode continuar sendo ignorado. Le Creuset ou Trofa, as panelas que bateram ontem nas janelas do país representam o grito de uma parcela muito significativa da sociedade brasileira, que hoje aprova em apenas 13% um governo que já pode ser considerado moribundo. Na prática, essa surdez coletiva reproduz uma recusa declarada em absolutamente todas as pautas relacionadas ao Partido dos Trabalhadores, sejam elas uma prioridade apenas para a sigla ou não.

O que isso significa? Durante o panelaço, o programa falava sobre a posição do partido diante da PEC 171/93, do PL 4330/04, por exemplo, pautas sem força até muito pouco tempo atrás e que ganharam propulsão graças a essa rejeição que não pode ser medida apenas pelo decibelímetro nas panelas. Há alguns dias, o governador Beto Richa justificou a truculência da PM - que lançou mão de pitbulls e balas de borracha pra frear professores que se manifestavam contra a utilização de dinheiro da previdência para o pagamento de dívidas da gestão (!) - com o seguinte argumento: "O pessoal do PT [...] claro que instigou". E pra muitos funcionou, por uma razão muito simples: "petismo" passou a significar "doença" e "ladroagem" no imaginário comum. Daí a utilização do termo como chave de acesso ao retrocesso generalizado.

Quem lembra de todo debate desenvolvido em favor da Reforma Política? Pois bem, hoje é a de Cunha que está mais próxima de aprovação. Em grande parte porque ele tem sido considerado um herói nacional que tem os culhões de enfrentar a "corja petista". Ontem mesmo, no meio de todo aquele auê, o presidente da Câmara conseguiu a aprovação da PEC da Bengala, adormecida desde 2005.

Tão trágico que acabou cômico, o comentário de Rafael Simi resume com precisão o cenário: "Aprovaram a terceirização na Câmara. Você achou maneiro, porque foi uma derrota do PT. Liberou geral com agrotóxico e transgênico. Você gostou porque o PT era contra. Deram o direito de ministros do STF e TCU virarem monarcas e ficarem quase a vida toda no cargo. Você gostou porque foi uma derrota da Dilma. Bateram em professores. Você gostou porque eles são filiados a sindicatos e 'ensinam comunismo petista'. O Eduardo Cunha vendeu o Congresso pros empresários. Você adora porque ele chantageia a Dilma. Até quando vocês vão achar maneiro foderem o futuro dos seus filhos, enquanto você acredita que quem está se fodendo é o PT?"


Como disse Brum, o Partido dos Trabalhadores é responsável pelas suas escolhas - especialmente desde 2003. Mas quem perde com essa paranoia incontrolável está longe de ser apenas ele dentro dos próprios limites partidários. Perde a democracia, perde o trabalhador, perde o Brasil. E sabe o que eles vão dizer? Que isso é coisa do PT - inclusive este post.

Mas vem mais por aí. Esses são apenas alguns sintomas de uma demência que tende a ficar ainda maior. Que sejam divertidas as imagens de um Batman do Leblon batendo panela enquanto grita pra um aparelho televisor, mas ignorar o potencial autoritário do panelaço não está muito além de, literalmente, brincar com fogo.

Abraços,
Murilo

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