quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Vamos falar de Direitos Humanos?

por SANDRO CHAVES ROSSI



“(...) o contra-ataque aos bandidos é o que chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite. E, aos defensores dos direitos humanos, que se apiedaram do marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido”

Essa fala é de Rachel Sheherazade, âncora do Jornal do SBT, ao tentar justificar a ação de um grupo de homens contra um menor que tentou assaltá-los. No ocorrido, os homens lincharam o menor de idade e o amarraram junto a um poste. Essa fato teve muita repercussão pelo país, o que se intensificou pelo comentário polêmico de Sheherazade. Dentre opiniões favoráveis e contrárias à jornalista, algo ficou mal explicado: o que são Direitos Humanos?

Boa parte dos setores mais conservadores da sociedade pregam que os direitos humanos só defendem bandidos ou que é coisa de "comunista" que está contra o "cidadão de bem". Há equívocos muito grandes proferidos por essas pessoas que, por ignorância ou mau-caratismo, acabam convencendo boa parte da população a ter essa noção errada sobre Direitos Humanos. Portanto, é bom ressaltar e relembrar algumas coisas para que esses equívocos não se repitam.

Os antecedentes históricos dos Direitos Humanos são intrínsecos ao Iluminismo europeu, movimento cultural e filosófico que aconteceu nos séculos XVII e XVIII. Nesta época, Jean Jacques Rousseau realizou estudos em sociedades primitivas e nelas redescobriu valores perdidos pela civilização ocidental, tais como liberdade, igualdade e fraternidade (Liberté, Egalité, Fraternité). Os ideais iluministas foram muito bem vistos na época, pois tratavam o Homem como o centro das preocupações e não mais o império do fanatismo e da fé religiosa, conceitos que eram dominantes no período medieval, mas sim o da razão e o da Ciência. É neste contexto que nascem os direitos humanos.

Ao contrário do que muitos dizem, os Direitos Humanos não são coisa de comunista. Os direitos humanos são uma referência mínima para garantia de um conceito bem ocidental de dignidade e nasceram no seio do liberalismo. A própria Declaração Universal das Nações Unidas, de 1948, sofreu resistência do bloco soviético na época por conta da presença da propriedade privada como direito humano e a ineficácia de diminuir as diferenças sócio-econômicas da população. Hoje, boa parte dos movimentos de esquerda adere à bandeira dos Direitos Humanos, mas isso não quer dizer que seja uma bandeira única da esquerda. Se você não vê quase ninguém da direita defendendo os Direitos Humanos, o problema não são os Direitos humanos e sim a direita.

Os Direitos Humanos não defendem só o bandido, como algumas pessoas gostam de dizer. Aliás, é bom ressaltar bem o que acontece nesse cenário. Direitos humanos são um conjunto de garantias fundamentais à disposição de todos os seres humanos. São uma maneira de assegurar a qualquer pessoa um razoável equilíbrio entre a impotência do cidadão diante da força do Estado, através dos seus agentes públicos, notadamente diante daqueles que utilizam armas e são imbuídos da repressão penal, mais propensos à exacerbação e extrapolação de suas finalidades. O poder do Estado, com todo o seu aparato, tende a invadir e subjugar o cidadão afetando-o e oprimindo-o em sua dignidade como pessoa humana.

O indivíduo, quando é preso como acusado de algum crime, não perde a condição de pessoa humana. Desta forma, deve ser submetido a um julgamento dentro das normas processuais, assegurando-lhe o direito de não ser submetido a tratamento desumano e cruel, como a prática de tortura para obtenção de confissão ou assumir autoria de crime que não cometeu. Caso não houvesse o mínimo de garantias, o poder do Estado seria ilimitado, fazendo-nos retroceder ao estágio de barbárie. Defender os direitos humanos não é defender um indivíduo isoladamente, é defender toda a sociedade.

Um bom exemplo que temos no Brasil sobre essa questão é com a atuação do Deputado Estadual do Rio de Janeiro Marcelo Freixo (PSOL). Freixo é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e ele sempre faz questão de expor que o Estado fornece auxílio às vítimas de algum homicídio, incluindo policiais, porém o que Marcelo Freixo sempre tenta mostrar é que o órgão da Polícia Militar não tem uma política de Direitos Humanos definida e quase sempre fica a mercê da boa vontade de seus superiores.

Não é difícil achar exemplos de famílias de policiais e de vítimas que receberam auxílio do Estado, porém ainda há uma enorme dificuldade do trabalho ser estendido a todos da corporação. Marcelo Freixo usa um exemplo que aconteceu em novembro do ano passado. O recruta Paulo Aparecido Lima, de 27 anos, morreu após uma sessão de treinamento no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cfap). Sua turma foi submetida a exercícios que mais pareceram uma sessão de tortura. Além da morte de Paulo, outros 33 alunos precisaram de atendimento médico devido a queimaduras. A Comissão de Direitos Humanos e Cidadania atuou no caso do recruta, acompanhou os depoimentos das vítimas e vistoriou as instalações do Cfap, porém tudo foi em vão. Essas foram as palavras de Marcelo Freixo sobre o caso:

"Em vez de bravatear, a principal preocupação de um chefe de Estado, responsável pela política de Segurança Pública, deveria ser a garantia das boas condições de trabalho e da segurança dos policiais militares, valorizando suas carreiras, pagando bons salários, dando uma formação adequada à defesa da cidadania e dos direitos humanos e garantindo mais democracia dentro da corporação. Por exemplo, os policiais brasileiros morrem três vezes mais fora do horário de serviço. Devido às precárias condições de trabalho, eles são obrigados a recorrer aos chamados bicos, cuja situação é ainda mais precária. É fundamental a valorização salarial para que trabalhadores e trabalhadoras não tenham que expor suas vidas em empregos extras que não lhes dão segurança. Precisamos superar o atual modelo de segurança, baseado na guerra, no militarismo e na eliminação do inimigo. Temos a polícia que mais mata e que mais morre. Não há vencedores nesta realidade insana. Por isso, a luta política é pedagógica, e este debate precisa ser feito pelo conjunto da sociedade de forma responsável. A defesa dos Direitos Humanos não pode ser algo alheio à vida dos policiais e à Segurança Pública, como se estivessem em lados opostos."

A bandeira dos direitos humanos está fundada no pressuposto moral de que todas as pessoas merecem igual respeito umas das outras, somente a partir do momento em que formos capazes de agir em relação ao outro da mesma forma que gostaríamos de que agissem em relação a nós é que estaremos conjugando essa bandeira corretamente. Portanto, quando nos deparamos com a violência das grandes cidades, não devemos culpar os Direitos Humanos, mas sim as políticas públicas que contribuem com a diminuição do impacto da violência, como uma educação pública de qualidade, incentivos a cultura e lazer e uma reforma no sistema de segurança pública, que mal preza pelo bem-estar de seus próprios funcionários.

E em relação aos mal intencionados que insistem em disseminar o ódio e a desinformação como panfletagem política, tudo bem que vivemos em um tempo que há uma imensa dificuldade em manter raciocínios saudáveis, mas achar que as cidades são desumanas por causa dos Direitos Humanos é até deficiência de interpretação do nosso idioma. O correto éramos entender o que criticamos, mas como eu sei que isso nunca irá acontecer, apenas peço que consultem o dicionário de tempos em tempos. O bom senso agradece.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Noites das mil e uma noites: as reflexões que o mundo de Scherazade proporciona aos dias de hoje

por LUISA DE QUADROS COQUEMALA

“- Zarmabaha, este mundo está esfalfado de tanta ignorância”


Quem não conhece, mesmo que vagamente, a famosa obra árabe As mil e uma noites? É comum ler um romance do século XIX e encontrar lá, em meio às páginas, uma referência ao famoso livro. Scherazade, o sultão Shahriar e uma multidão de personagens estão tão longe e, concomitantemente, tão perto de nossa cultural ocidental. 

E é então que aparece Naguib Mafouz. Através de uma sacada genial, o autor egípcio, em seu livro Noites das mil e uma noites, utiliza os personagens e a atmosfera mágica da obra-prima As mil e uma noites, transferindo-a para outro tempos.

Assim, nos deparamos com uma cidade indeterminada, em plena Idade Média. A narrativa se inicia justamente a partir do momento em que termina o grande clássico da cultura árabe: depois de narrar histórias para o sultão Shahriar, Scherazade recebe a notícia de que ele quer sua mão – cessando definitivamente a matança diária de mulheres.

Nos três primeiros capítulos, há, além da situação de Scherazade, uma apresentação geral da sociedade da cidade, baseada nos personagens da obra clássica. E é interessante notar como no decorrer das várias narrativas que compõem o livro (também à maneira do grande clássico que serve de base), as histórias das pessoas vão se entrelaçando através de vários acontecimentos pessoais, ganhando vários focos e perspectivas.

Através desta estrutura, Mafouz consegue realizar uma crítica genial à sociedade moderna. O clima ainda é o das Mil e uma noites, ainda há a presença do fantástico. Contudo, ao trazer a história e as personagens para outro tempo, o enredo, inevitavelmente, ganha um clima de secularização e humanização. 

Os gênios que aparecem interferem, à maneira dos deuses da Ilíada e da Odisseia, nos destinos humanos. Mas, mistura-se a isso os sentimentos e as fraquezas meramente humanas, tornando possível (com tantas referências e fantasia) a crítica que se volta sabiamente para o hoje. A análise social abrange, através de diversas narrativas, o sistema político, as guerras, a ganância humana e sobretudo a religião. 

E, do próprio Naguib Mafouz, é difícil se esperar menos. Vencedor do Nobel de Literatura em 1988, o autor, formado em Filosofia pela Universidade do Cairo, cresceu numa família muçulmana devota, com uma educação islâmica restrita e regrada. E Mafouz nunca foi uma pessoa conformada com sua realidade. Crítico e audaz, chegou a levar uma facada no pescoço em 1994 de um extremista islâmico por seus livros serem “blasfemos demais”. 

Logo nota-se que a intenção de Mafouz não reside em criticar o islamismo em si, como religião. Inclusive, há no enredo incríveis passagens com o sheik Abdhala e belos pensamentos sobre fé. Mafouz foca no extremismo, resultado e fonte de muito mal. (Extremismo este que, inclusive, não cabe hoje apenas ao islamismo. Um pastor ou padre que prega preconceito atrás de preconceito não fica atrás, e aqui entra uma das belas máximas do livro: “A pior doença que alguém pode sofrer é a ilusão de ser deus”). 

Naguib, que morreu em 2006, escreveu um livro de atualidade surpreendente, capaz de prender a atenção do leitor. A narração flui bem, é simples e intrigante. Além disso, as histórias tomam rumos interessantes e surpreendentes. 

A meu ver, fica, por último, a interessante reflexão de como nós, seremos humanos, continuamos a ter inúmeros defeitos, a cometer crassos erros para com nós mesmos. Faz pensar para onde estamos indo, falhando cegamente nas mesmas coisas, tendo os mesmos preconceitos e extremismos, de uma maneira insistente, tola e egoísta. E é por isso que ler e pensar sobre este belo livro dói um pouco: afinal de contas, vamos do mundo antigo árabe diretamente para nosso mundo, onde fica inevitável reconhecer nossas grandes falhas.


Ficha técnica

Título: Noites das mil e uma noites
Autor: Naguib Mahfouz
Nacionalidade: Egípcio
Edição: Companhia das Letras (1997, 2008 e 2011)

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Não é de hoje que os tucanos são contra a educação

por SANDRO CHAVES ROSSI



Lembro do meu primeiro ano de faculdade, entre uma maçante aula e outra na faculdade de engenharia, sempre havia algum professor que fazia algum comentário negativo sobre a situação da universidade. Garanto que esse texto talvez teria muito mais repercussão se eu tivesse começado minha trajetória acadêmica em uma universidade federal durante o governo do PT, mas não, comecei a estudar na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, ou simplesmente Unesp, em 2012 - o ano talvez seria irrelevante, visto que o PSDB governa São Paulo desde 1994, dois anos depois de eu nascer.

A grande maioria das críticas feitas pelos meus professores era sobre a estrutura da universidade. Nós alunos dificilmente discordávamos deles, as aulas práticas feitas em laboratório mostravam bem a realidade que era tão criticada dentro das salas de aulas. Porém, o sucateamento da educação não se limitava somente às universidades públicas, elas se estendiam até o ensino básico. Nos últimos dias, vimos que o governador, Geraldo Alckmin, planeja fechar mais de 100 escolas no estado, o que é alarmante. O grande ponto nisso tudo é que é errado associar a ideia de sucateamento da educação somente ao governador do estado de São Paulo, o sucateamento é algo intrínseco ao PSDB.

Certa vez, Bresser Pereira, um dos fundadores do PSDB, disse em entrevista à Folha de São Paulo que o PSDB acabou guinando à direita por causa da oposição que fazia ao governo do PT. Claro que há inúmeras áreas a serem observadas, mas no que diz respeito à educação, o PSDB segue uma cartilha neoliberal muito antes do PT ser da situação, seja no governo federal ou no estadual. Exemplos não faltam, tanto de candidatos quantos de anos diferentes. As gestões tucanas têm sido um terror para os educadores de todo o país.

Na campanha de 2014, Aécio Neves fez uma grande propaganda sobre o "choque de gestão" de seu governo em Minas Gerais, que nada mais é, segundo ele mesmo, do que reduzir gastos na máquina pública com o intuito de viabilizar melhor os serviços básicos públicos. Não vamos entrar em detalhes de como o governo tucano fez esses cortes, mas em relação à educação, nem o mínimo de investimentos Aécio aplicou no seu governo, muito menos o de seu sucessor, Antônio Anastasia. Na gestão Aécio/Anastasia, a participação dos gastos com educação em relação às despesas totais do estado caiu de 19,36% em 2003 para 11,53% em 2012. Há vários anos o estado não cumpre o investimento mínimo em educação determinado pela Constituição, que é de pelo menos 25% da receita resultante de impostos. Aécio diz que investiu mais, reafirmando isso nos balanços anuais de governo que indicam percentuais superiores a 25%: 28,12% em 2009, 27,28% em 2010, 30,6% em 2011 e 32,59% em 2012. O que Aécio não diz que a administração estadual inclui indevidamente no cálculo dos gastos em educação outras despesas que não estão diretamente relacionadas à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, como o pagamento de aposentadorias para profissionais inativos do setor. Com o ajuste correto, os governos de Aécio e Anastasia não conseguem chegar no mínimo estabelecido pela Constituição, como 20,15% em 2009, 19,79% em 2010, 21,71% em 2011 e 22,95% em 2012. Não é à toa que Fernando Pimentel, candidato do PT pelo governo mineiro em 2014, ganhou as eleições com um grande apoio dos profissionais da educação.

Aproveitando o embalo das eleições de 2014, temos também no Paraná Beto Richa, que foi eleito ainda no primeiro turno. Mal começou 2015 e Richa enfrentou a classe do professorado paranaense, cancelou reajustes, quis mexer na aposentadoria dos profissionais da educação e, quando houve revolta, agiu com truculência contra os manifestantes. A ação da Polícia Militar contra os professores gerou uma revolta nacional impossível de ser camuflada, tanto que as mobilizações para que Richa fosse responsabilizado foram grandes e então o Ministério Público do Paraná (MP-PR) ajuizou uma ação civil pública contra o governador por atos de improbidade administrativa. Se engana quem acha que isso foi novidade no Paraná, Alvaro Dias, hoje senador pelo PSDB, soltou a cavalaria da PM contra os professores em 1988, quando o mesmo era governador do estado. O ato foi tão truculento que até hoje é lamentado pelos educadores não só do Paraná, mas de todo o país.

Temos como maior exemplo desse desastre tucano na educação o seu maior reduto: São Paulo. Professor em São Paulo já sofreu de tudo na mão dos governantes. Se fossemos falar de tudo que o PSDB fez para os educadores em São Paulo, teria texto no Desafinado até 2017. Não vou entrar muito em detalhes, deixarei essa árdua missão para os meus amigos professores que aqui também escrevem e são (ou foram) funcionários do governo estadual paulista. Um trecho de um texto do filósofo Vladimir Safatle na Folha de São Paulo chamado "Tucanistão" reflete bem o que são 21 anos de governo tucano em um estado:

"(...) Alguns podem se impressionar com o fato de tanto fracasso não abalar nosso amor por nossa dinastia. É que eles ainda acham que devemos avaliar nosso líderes por aquilo que eles são capazes de fazer, mas nós descobrimos o valor do amor incondicional. Nós os amamos porque… nós os amamos. Por isso, nossa terra é o lugar da pura felicidade. O Tucanistão é a locomotiva do progresso imaginário, alimentada por choques tortos de gestão.”


Já que estamos falando dos "primórdios" tucanos, vale a pena compartilhar também uma lista com 13 indicadores feitos por Lauro Mattei, professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sobre as universidades na época dos mandatos seguidos de Fernando Henrique Cardoso e o que elas não tinham comparadas aos dois mandatos seguidos de Luís Inácio Lula da Silva:

1) Contratação de novos professores: Durante 5 anos (1997-2001) foram proibidas quaisquer contratações de professores, ao mesmo tempo que mudanças nas leis sobre as IFES levaram a uma enorme quantidade de pedidos de aposentadorias precoces;

2) Vagas: ao longo dos 8 anos do governo FHC não houve nenhuma expansão de vagas nas universidades públicas federais, fazendo com que a escala social de acesso ao ensino público e gratuito se verticalizasse cada vez mais;

3) Novas universidades: a durante os 8 anos não foi criada nenhuma nova universidade federal;

4) Novos campi: o número de campi federais praticamente se manteve inalterado ao longo dos 8 anos de governo FHC;

5) Orçamento: durante todo o governo FHC ocorreram cortes sequenciais de verbas orçamentárias, tanto para infraestrutura como para as atividades de ensino, pesquisa e extensão;

6) Salários de professores: por mais de 5 anos os salários dos docentes das IFES ficaram congelados levando a perdas salariais significativas para o conjunto da categoria, obrigando a mesma a desencadear greves praticamente todos os anos do Governo FHC;

7) Programas de qualificação docente: restrição enorme de bolsas para programação de doutorado e de pós-doutorado visando qualificar melhor a mão-de-obra docente;

8) Bolsas aos estudantes de pós-graduação: restrição enorme de bolsas de estudos, mantendo-se, inclusive, os valores congelados por muitos anos;

9) Bolsas aos estudantes de graduação: restrição enorme de bolsas para estudantes de graduação, especial nas áreas de iniciação científica e de extensão;

10) Programa internacionais de intercâmbio para os estudantes de graduação: nenhuma ação para este segmento estudantil foi implementada ao longo de 8 anos. Ao contrário, até mesmo as poucas bolsas foram reduzidas.

11) Técnicos Administrativos em Educação: restrição sequencial de contratações de novos servidores com implicação negativa sobre o funcionamento das universidades;

12) Salários do TAEs: arrocho salarial durante todo período com perdas salariais ao longo dos dois mandatos do governo FHC;

13) Expansão do ensino superior privado: uma política clara de opção pelo ensino superior privado no país, inclusive com o ministro da Educação virando consultor das instituições privadas de ensino superior e do Banco Mundial.

Mesmo sendo o maior partido de oposição, o PSDB sempre pecou muito em relação à educação. Não sei vocês, mas eu não voto em quem é contra a educação, tampouco em quem bate em professor. 

terça-feira, 6 de outubro de 2015

O que a oposição não disse sobre o governo Cristina

por MURILO CLETO



Em quase 3 anos de Cristina Ghizzi à frente do Paço Municipal em Itararé, muita coisa se disse a respeito de seu governo. Indiscutivelmente, coisa demais. E, até que se prove o contrário, sua gestão vai ser lembrada como uma das mais corretas nas últimas décadas. Talvez seja preciso que os cofres públicos voltem a produzir compras superfaturadas, desrespeitando todas as regras previstas pela Lei de Licitações, pra que isso seja reconhecido. Talvez, porque a histórica relação do poder executivo com a imprensa local e com lideranças espúrias é suficientemente conhecida dos cidadãos da pedra que o rio cavou.

Da diplomação de Cristina, em dezembro de 2012, até hoje, a oposição soube articular muito bem o que dizer. Com jornais e rádios de sua propriedade ou de correligionários, disse que a prefeitura havia cortado casa de atendimento a pacientes de câncer, remédios populares, programas educacionais, quase sempre sem o menor fundamento. 

Os prejuízos dos boatos lançados são incalculáveis. Houve pais que se confundiram com o horário de aulas dos seus filhos por causa de um deles. Outro usou de má-fé uma notícia sobre reajuste do ITBI, transformado em IPTU, estampando na capa de jornal um suposto aumento de 500%, também absolutamente irreal. A lista de feitos do parlatório protagonizado pela oposição itarareense é tão grande que precisaria de uma reflexão própria, o que não é o objetivo deste texto.

O que a oposição não disse sobre o governo Cristina tem muito a ver com o seu potencial, anunciado por 4 anos de atuação no legislativo e algumas décadas junto a movimentos sociais e ao próprio partido, ainda enquanto alternativa distante do poder no município. Cristina se forjou na rua. Sentou com representantes de categoria e de bairro. E nada disso, nem de longe, aconteceu a partir do momento em que assumiu a prefeitura.

No início do governo, uma boa mas mal articulada tentativa de aproximação com os cidadãos aconteceu através do projeto Prefeitura Itinerante. Boa, porque era a oportunidade de contato entre o executivo e os moradores de bairro em alguma situação de vulnerabilidade - quem vive em Itararé sabe que não são poucos, considerando todas as carências possíveis de infraestrutura. Mal articulada, porque, além de ter trazido pouco ou nenhum retorno aos moradores das regiões que o receberam, foi extinta rapidamente. E também sem nenhum esclarecimento.

Grande parte da retração das atividades da prefeitura guarda relação com a escassez de recursos. Todo mundo que lida com o poder público, em alguma das esferas, sabe. Mas quem mora numa região sem creche, posto de saúde, área de lazer, asfalto, esgoto, tanto faz, nem sempre sabe. E não tem obrigação nenhuma de saber. Uma das maiores promessas de campanha de Cristina era o orçamento participativo, que nunca nem chegou perto de acontecer. Que não seja a ocasião de uma revolução nos investimentos do município, o orçamento participativo poderia ser, em primeiro lugar, a sua otimização e, ainda, uma oportunidade de diálogo que escancarasse melhor os problemas sofridos pela administração. 

Com a crise, os municípios estão quebrados. E um dos motivos pelos quais rigorosamente nada é feito a respeito disso, considerando a importância deles na prestação de serviços públicos básicos, é a ausência de uma consciência a respeito de suas responsabilidades previstas no pacto federativo diante da distribuição, injusta e desequilibrada, da carga tributária no país. Isso ajuda a explicar por que tanta indignação com o Planalto, afinal quem se cobra quando falta alguma coisa? O governo federal, claro, além das prefeituras, que frequentemente têm levado o ônus sobre serviços deficitários de outros entes. No verão de 2013/14, não foram poucas as tentativas de achincalhar a administração municipal diante da falta d'água, uma responsabilidade estadual.

Tudo isso é motivo a mais pra que o diálogo entre prefeitura e população seja mais próximo. Além de evitar cobranças indevidas, intensifica as que são necessárias e evita blindagens quase naturais, como a que acontece hoje com o governador Geraldo Alckmin. Muito do que não se diz a seu respeito tem a ver com o fato de que segurança pública, boa parte da educação e da saúde, saneamento básico e distribuição de água não são serviços reconhecidos como estaduais. E isso não acontece só em São Paulo.

Em Itararé, algumas iniciativas ajudaram a contornar um problema inicial de absoluta inoperância de comunicação, como a criação da imprensa oficial, que circula semanalmente divulgando ações do executivo municipal. A presença frequente de secretários e da própria prefeita na Rádio Clube também contribuiu, mas ainda é pouco. Existe um erro comum que contagia o poder público e que pressupõe a comunicação como um setor exclusivamente ligado à divulgação/propaganda. E isso não é verdade. Comunicação também é troca, detecção de problemas e capacidade de superá-los mediante esforços conjuntos. E nada disso acontece por aqui. Essa é uma gestão - e isso não se encerra com a figura de Cristina - presa no interior de gabinetes.

É justamente em períodos de crise que a comunicação com a população precisa ser intensificada. Menos recursos deveria ser significado de melhor aplicação. E isso também envolve capacidade de diálogo, com o objetivo de prevenir investimentos descartáveis. Exemplo disso são as alterações no trânsito - muito boas, em sua grande maioria. Mas, sem diálogo, algumas delas foram recuadas por pressão de moradores, o que muito provavelmente não aconteceria se houvesse o hábito de chamá-los para audiências públicas que discutissem os impactos das mudanças. A rua 24 de outubro, que virou mão única e depois voltou ao corriqueiro é exemplo disso. No Natal de 2013, uma ótima medida bloqueou o trânsito para carros durante a noite, incentivando o uso da rua por pedestres e colaborando inclusive com o comércio. Durou dias. E ninguém era capaz de defender algo que desconhecia por completo, porque a administração não se deu ao trabalho de perguntar qual era o desejo das pessoas, depois da apresentação de algum estudo, alguma hipótese, qualquer coisa. 

Alguém há de contra-argumentar, e com razão, que a participação das pessoas em audiências é ínfima. E isso é verdade. Mas, também, por outro lado, não tem como a prefeitura deixar mais claro que não faz questão da presença de ninguém nestes eventos. Na terça-feira passada, dia 29, a Câmara Municipal foi palco para a apresentação do último balanço quadrimestral de gastos. Mais uma vez não foi ninguém. E por quê? Porque este não é um dos hábitos do cidadão itarareense, mas fica muito difícil de reverter este quadro com uma divulgação tão desdenhosa. Não houve uma simples nota elaborada pelo executivo municipal a ser distribuída para os jornais locais que chamasse atenção para o encontro. Nem o site do município o fez. Nem o seu perfil no Facebook - sim, a prefeitura não tem uma página, e sim um perfil. Na imprensa oficial, perdido no meio dos atos oficiais, um comunicado minúsculo, obrigatório por lei, avisava. 

E isso parece bastante sintomático, como também foi o lamentável episódio de encerramento da Feira da Lua, que aconteceria na quarta-feira passada. Diante de um mau tempo bastante questionável, a Secretaria de Agricultura decidiu transferir a apresentação de Claudinho e Paulo Pipoca para a próxima semana, enquanto ainda era o início da tarde. O detalhe é que ninguém comunicou a Coordenadoria de Cultura, responsável tanto pelo pagamento dos artistas quanto pela divulgação via mídias sociais do evento. Resultado: ninguém ficou sabendo.

Enquanto isso, a oposição estava ocupada com outras coisas. Desde o início do mandato, os vereadores, obcecados em "provar o contrário", encaminharam 126 pedidos de informação ao gabinete. Além de intimidar, seu objetivo é travar a administração, que precisa parar tudo o que está fazendo para responder questões em sua grande maioria inócuas. Além disso, também há as indicações, que são basicamente uma maneira de mandar fazer sem dizer como - sem previsão orçamentária, sem nada. Alguém se lembra da Comissão Especial de Inquérito que quase foi aberta para investigar a cor que se pintou o cemitério municipal? Parece mentira, mas não é.

Enquanto isso, a oposição injeta dinheiro em guerrilha de internet, que cria montagens e perfis falsos pra disseminar ódio explícito à administração e aos membros da equipe de governo, além de expor sua intimidade. Em quase 3 anos de um governo sabidamente impopular, a oposição não foi capaz de apresentar um único projeto alternativo. 

E, se a oposição nunca falou sobre a comunicação do executivo, não com ela, mas com a população, alguém há de se perguntar: por quê? Ora, parece muito claro. Quanto menor o diálogo do governo Cristina com a população, menor a sua capacidade de ação e menor o seu respaldo. Quanto menor o diálogo, maiores as chances de dependência da Câmara, que faz uso de suas atribuições investigativas para pressionar o executivo e garantir concessões em nome da governabilidade. Isso, claro, além da permanência da impopularidade de Cristina, hoje aparentemente irreversível. Qualquer semelhança com Brasília não é mera coincidência.

Se Itararé sobrevive ou não ao jogo, só o tempo vai responder. Mas, até aqui, o município paga sozinho essa conta. Resta saber até quando.


Abraços, 
Murilo