quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Guinada à Direita

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR 


No dia 26 de outubro, quando me dirigi à urna para votar para Presidente da República, tinha a certeza de que votando em Dilma estaria vetando o retorno do Partido da Social Democracia Brasileira  - PSDB - ao poder, mas, mais do que isso, me guiava a utopia de que, com o terrorismo e a polarização presenciados durante a campanha presidencial, Dilma desse um novo rumo ao seu governo, se alinhando as bandeiras de esquerda “esquecidas” em seu primeiro mandato. Dentre elas, uma em especial: a Reforma Agrária. 

Durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, a Reforma Agrária permaneceu estagnada com “o pior índice de desapropriação de terras nos últimos 20 anos”. Em 2012, 28 imóveis rurais foram desapropriados e, até agosto de 2013, nenhum imóvel havia sido desapropriado. Segundo o coordenador geral do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST -, João Pedro Stedile, Dilma assentou apenas 4.700 famílias, “menos do que o general Figueiredo fez no seu último ano”. Segundo dados do Instituto Nacional da Cidadania e Reforma Agrária – INCRA -, foram 186 imóveis desapropriados e 75.335 famílias assentadas. Números pífios, se comparados aos 1.987 imóveis e 614.088 famílias assentadas nos 8 anos de governo Lula e até mesmo aos 3.539 imóveis e 540.704 famílias assentadas durante os 8 anos de governo FHC. 

“Conjunto de medidas para promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social, desenvolvimento rural sustentável e aumento de produção”, segundo o Estatuto da Terra, lei nº 4.504 de 1964, a Reforma Agrária esta prevista no capítulo III, título VII da Constituição Federal de 1988 e está regulada pela Lei 8.629 de 1993. 

No Brasil, a estrutura fundiária baseada no latifúndio possui raízes históricas. Não é por acaso que segundo o Censo Agropecuário, divulgado em 2009, as propriedades com mais de 1 mil hectares representam 43% das terras no Brasil. Tal estrutura mais longinquamente remete ao modelo colonial de divisão do país em capitanias hereditárias doadas aos capitães donatários, que repassavam partes dessas terras, as chamadas sesmarias, para outros proprietários que lhes deviam reembolsar pela exploração das terras. Esse modelo permitiu o acesso de “poucos” à terra, desde a constituição do país. Em 1850, a Lei de Terras, reafirmou o exclusivismo ao não permitir que imigrantes e escravos libertos tivessem acesso à terra. 

A luta pela Reforma Agrária remete à segunda metade da década de 1940 com a criação das primeiras ligas camponesas. Atreladas ao Partido Comunista Brasileiro – PCB -, as ligas foram perseguidas durante o governo de Eurico Gaspar Dutra, que colocou o partido na ilegalidade. Apenas em 1955, com o nome de Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco – SAPPP -, a principal Liga Camponesa do Brasil foi legalizada. A partir daí, as ligas camponesas se disseminaram pelo interior do Nordeste sob a liderança de Francisco Julião. Encampada pelo presidente João Goulart durante os debates pelas reformas de base, a Reforma Agrária passou a figurar cada vez mais no debate político brasileiro. 


Neste contexto, o discurso anticomunista se utilizou da Reforma Agrária como argumento para legitimar o golpe militar de 1964. Dessa forma, de maneira errônea, conectou-se à ideia de comunismo a Reforma Agrária e de comunista ao presidente João Goulart. Para se ter uma ideia, países nada comunistas como Portugal, França, Alemanha e Itália realizaram a Reforma Agrária. Além deles, também a Inglaterra, Suíça e Áustria em algum momento realizaram a distribuição da terra. Conforme o jurista Pinto Ferreira, a Reforma Agrária "é inevitável, sobretudo porque nossa estrutura agrária permanece obsoleta e antiquada. E o direito deve antecipar-se à rebeldia das massas". Diante disso, defende-se a ideia de que a Reforma Agrária é uma forma de dinamizar o próprio capitalismo transformando terras improdutivas em produtivas, gerando e distribuindo riquezas. 

No discurso da vitória, no mesmo dia 26 de outubro, Dilma afirmou que “o caminho é muito claro: algumas palavras e temas dominaram esta campanha. A palavra mais repetida, mais dita, mais falada, mais dominante, foi mudança. O tema mais amplamente invocado foi reforma”, para na sequência defender a necessidade de uma Reforma Política. As palavras da presidenta reeleita, por mais que não tocassem no tema da distribuição de terra, soavam como um alento para um governo “diferente”. Um governo que possivelmente romperia com o “presidencialismo de coalizão” representado por alianças “espúrias” que empurraram o Partido dos Trabalhadores – PT - para o centro, quando não, em alguns momentos, para a direita. Porém, o que tem sido noticiado pela mídia “joga por terra” qualquer tipo de utopia de que o governo Dilma possa ser um governo realmente de esquerda. 


Na última quarta-feira (19), Dilma Rousseff convidou a senadora Kátia Abreu do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB - de Tocantins para assumir o Ministério da Agricultura. Sob protestos das alas mais à esquerda do próprio PT e dos movimentos sociais, o nome da senadora tem sido dado como certo. A escolha fez Dilma ser elogiada até pelo intrépido Reinaldo Azevedo, colunista da Revista Veja. A explicação é muito simples, Kátia Abreu simboliza o que de mais reacionário existe em política agrária no Brasil. 

Defensora do agronegócio, dos transgênicos, da indústria de agrotóxicos e da antiga União Democrática Ruralista – UDR -, responsável por dezenas de mortes no campo, Kátia atualmente é presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária – CNA. Senadora pelo Democratas – DEM -, em 2003, se envolveu em um esquema de "grilagem pública", segundo o Ministério Público Federal do Tocantins. O esquema que desapropriou agricultores como Juarez Vieira Reis pode ser considerado uma “Reforma Agrária às avessas”. Ou seja, um esquema que tira as terras dos camponeses que possuem o direito sobre elas para permitir a ampliação dos latifúndios. Não à toa, o MST ocupou no sábado (22) uma fazenda que produz milho transgênico no interior do Rio Grande do Sul em protesto ao convite e possível indicação de Kátia para a Agricultura. O protesto foi ironicamente batizado de “Bem-vinda, Kátia Abreu”. 

O convite a Katia Abreu, além de significar a vitória do agronegócio, simbolicamente representa uma guinada à direita e a falência da utopia de muitos, de que o governo Dilma iria recuperar as bandeiras históricas do Partido dos Trabalhadores, dentre elas, a da urgente Reforma Agrária 

Abraços, 
Osvaldo. 

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Plebiscito Constituinte: de quem é o interesse de tirar o poder do povo?

por SANDRO CHAVES ROSSI*


Em junho de 2013 várias pessoas foram às ruas protestar contra o aumento da tarifa do transporte público. O movimento ganhou força e se expandiu não só em número de participantes, mas também em número de pautas. Há quem diga que o movimento foi despolitizado, mas talvez não: o que foi visto foi um movimento heterogêneo composto desde partidos de esquerda que sempre usaram as ruas para protestar até uma massa despolitizada com petições vazias. Mas o que todos eles tinham em comum? Ninguém mais se sentia representado.

Cerca de cinco meses depois do começo das manifestações, aconteceu a 1ª Plenária Nacional da campanha pelo Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político. A plenária contou com a participação de diversos movimentos sociais, entidades sindicais, partidos políticos e militantes das mais variadas vertentes. Houve mais uma segunda Plenária Nacional que teve o intuito de organizar a votação para o plebiscito, que aconteceu do dia 1 ao dia 7 de Setembro. O plebiscito contava com uma única pergunta: “Você é a favor de uma constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político?” 7.754.436 milhões de pessoas votaram e 97% delas se disseram favoráveis à constituinte. Esse resultado foi entregue aos três poderes da República nos dias 13 e 14 de Outubro. 

Toda essa mobilização não tem caráter legal e tem mais como objetivo mostrar o desejo popular por mudanças no sistema político brasileiro. Não houve notícias na grande mídia sobre o plebiscito, o que de fato é intrigante, pois além dos apoios já citados anteriormente, a maioria dos presidenciáveis das eleições se mostrou favorável ao plebiscito. Inclusive alguns deles votaram, como Marina Silva (PSB), Luciana Genro (PSOL), Eduardo Jorge (PV) e Pastor Everaldo (PSC). A presidenta reeleita Dilma Rousseff (PT) declarou apoio às reivindicações, porém não votou, alegando que não poderia votar por ser chefe de estado. 

A questão só começou a ganhar força na mídia quando Dilma mostrou a vontade de fazer uma reforma política através do plebiscito e sofreu inúmeras críticas por isso. Houve críticas construtivas por parte de vários juristas e professores universitários sobre o jeito que a reforma devia ser feita. Alguns sugeriram até mesmo substituir o plebiscito por um referendo, que consiste em o Congresso fazer a reforma política e depois o povo votar se é a favor ou não. Porém houve muitas críticas infundadas que mostraram um certo desespero por parte de alguns. 

A principal crítica partiu do ministro do STF Gilmar Mendes, que posicionou-se absolutamente contrário à convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva para Reforma Política, quando esta foi proposta pela presidência. O ministro utilizou o adjetivo “bolivariano” para justificar sua crítica, posicionamento que esperaríamos ver vindo do Lobão ou de qualquer outro colunista da Veja, e não de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Não é à toa que até mesmo seus companheiros de corte se surpreenderam com a sua declaração. Mas por que o plebiscito incomoda tanto? O que tem de mais na reforma política? 


Não é assustador ver o Lobão de toga? 

Uma das principais pautas da reforma política é o fim das doações de empresas privadas para partidos políticos e candidatos, pois o sistema de financiamento privado cria desigualdades no processo eleitoral e afasta os que não têm como buscar recursos para campanhas. Isso transforma as desigualdades econômicas em desigualdades políticas, interferindo negativamente na democracia. Além do mais, o financiamento privado das campanhas eleitorais exige a sua contrapartida: os parlamentares passam a defender os interesses dos seus financiadores e dos grupos aos quais são vinculados. Segundo o DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), dos 594 parlamentares (513 da Câmara e 81 do Senado) eleitos em 2010, 273 eram empresários; 160 compunham a bancada ruralista; 66 eram da banca evangélica; e apenas 91 se definiam como representantes dos trabalhadores. Um descontentamento com essa pauta da reforma política foi bem notória por parte de alguns políticos, sendo o principal deles o senador e ex-presidenciável Aécio Neves (PSDB-MG), que chegou ao ponto de dizer que desaprovava o “ativismo político” dos ministros do STF por serem de maioria favorável à inconstitucionalidade das doações de empresas. 

Outra pauta que está dando dor de cabeça para muitos é a reforma eleitoral, que visa acabar com os “puxadores de votos” ou como alguns dizem, o “efeito Tiririca”: quando um candidato é eleito e, pela quantidade grande de votos, acaba levando outros candidatos da coligação. Um levantamento do DIAP mostrou que em 2010 apenas 35 dos 513 deputados federais foram eleitos somente com seus próprios votos. Existem várias propostas de reforma eleitoral. A OAB apresentou o modelo de “voto distrital”. nesse tipo de votação, o Estado seria dividido em vários distritos, e cada distrito elegeria um deputado por maioria simples (50% dos votos mais um). O MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral) propõe um aperfeiçoamento desse modelo, em que, no primeiro turno, os eleitores votariam apenas nos partidos, obrigando o eleitor a escolher entre propostas ou plataformas políticas. Depois de definido o número de vagas de cada partido, o eleitor votaria, no segundo turno, no candidato de sua escolha. A reforma política ainda conta como uma das suas principais pautas o fim do voto secreto no Congresso e o fim da reeleição para presidência da república. 

Em 2010, Tiririca recebeu mais de um milhão de votos e levou mais três candidatos para o Congresso 



A reforma política propõe uma mudança profunda no sistema político brasileiro a fim de torná-lo mais justo e democrático, e consequentemente dar mais representatividade ao povo. Não é à toa que há uma grande resistência por parte das forças mais conservadoras do meio político em dar mais autonomia para o povo através de um plebiscito, pois a garantia de seus interesses próprios está em xeque. Tem que ser muito mal informado ou muito mal intencionado para ser contra a reforma. Quem é contra a reforma política é contra o povo, e quem é contra o povo não nos representa.


* Sandro Chaves Rossi tem 22 anos e é acadêmico de Engenharia Elétrica da Universidade Tecnológica Federal do Paraná

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Atraso, branqueamento e as teorias pseudocientíficas do século XIX

por MARCUS VINÍCIUS DO NASCIMENTO

A minha família materna é formada majoritariamente por negros e quase sempre quando alguém se refere a algum deles o chamam de morenos, mulatos, queimadinhos, entre outros termos. É evidente o receio que as pessoas têm em utilizar a palavra "negro" como se isso fosse algo pejorativo. É melhor se referir a essas pessoas com palavras que as “embranquecem”.

No século XIX, muitos pensadores, valendo-se das ideias evolucionistas de Darwin, conceberam um racismo com uma roupagem “cientifica”, que teve em Hebert Spencer a sua maior expressão. Essas teorias racistas pregavam a superioridade da raça branca a todas as outras que eram consideradas primitivas. 

O francês Joseph Arthur de Gobineau, autor do Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas, em sua passagem como diplomata pelo Brasil, via no país uma grande dificuldade em alcançar o desenvolvimento devido à sua mestiçagem, exemplo de “degeneração”.

No Brasil, intelectuais como Nina Rodrigues, Silvio Romero e Euclides da Cunha relacionavam a formação étnica brasileira com seus problemas políticos, econômicos e sociais. A ideia defendida para superação desses problemas era a de “embranquecimento” da população brasileira, que se daria por meio da imigração europeia e de casamentos entre negros e brancos, para que em um curto espaço de tempo a população se tornasse, em sua maioria, branca. Assim, os mestiços não seriam um problema para os brasileiros como para Gobineau, mas sim um estágio do processo de embranquecimento e da ruptura com passado colonial escravagista negro.



Mais de um século depois, as ideias de inferioridade/superioridade de raças, mesmo sendo refutadas pela ciência, ainda continuam tendo seus seguidores, e são responsáveis por inúmeros casos de violência no mundo inteiro. Já o ideal de branqueamento está presente nos cosméticos, na cirurgia plástica, na moda e no negro que é chamado de “moreno”. 

O preconceito racial e o peso do nosso passado escravista ainda são feridas abertas no Brasil.

Viva Zumbi!

Abraços,
Marcus Vinícius do Nascimento.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Lava Jato: a operação que pode mudar o país para sempre

Com dezenas de diretores da Petrobras e executivos presos num esquema que movimentou R$ 59 bilhões, o futuro das investigações sobre os desvios na estatal decide se a Operação Lava Jato não será só mais um chuveirinho 


Alberto Youssef, preso em 17 de março, no início da operação encabeçada pela Polícia Federal. Foto: Aniele Nascimento / Agência de Notícias G/AE

“Isso pode mudar o país para sempre”, foi o que disse Dilma Rousseff depois da prisão preventiva de dezenas de executivos acusados de pagar propina a diretores da Petrobras no maior esquema desmantelado pela Polícia Federal nos últimos tempos. Demagogo pra uns, otimista demais pra outros, o fato é que o conteúdo da afirmação da presidenta da república é irretocável, a começar pelo emprego do verbo auxiliar que indica uma incerteza cirúrgica: pode mudar. 

Desde a deflagração da Operação Lava Jato, em 17 de março, a Petrobras está no centro de um dos maiores esquemas descobertos de desvio e lavagem de dinheiro da história do país em que empreiteiras, partidos, políticos e diretores da estatal movimentaram, de maneira ilegal, cerca de R$ 10 bilhões, de acordo com levantamento preliminar da PF. Entre os crimes cometidos pelos principais personagens do escândalo, estão tráfico internacional de drogas; corrupção de agentes públicos; sonegação fiscal; evasão de divisas; extração e contrabando de pedras preciosas; e desvio de recursos públicos. 

Durante a sétima fase da operação, chamada “Juízo Final”, foram expedidos 85 mandados de busca e apreensão; decretadas 24 prisões preventivas, incluindo 5 presidentes; e bloqueados mais de R$ 700 milhões em nome dos empresários. Entre as 9 empresas privadas envolvidas, estão empreiteiras que mantinham negócios regulares com a Petrobras e sempre venciam as licitações fraudadas em seu favor: Mendes Júnior, Galvão Engenharia, Camargo Corrêa, OAS, UTC/Constran, Queiroz Galvão, Engevix, Iesa e Odebrecht. 

O valor estimado de contratos firmados entre as empresas e a Petrobras é de R$ 59 bilhões. Segundo as investigações, 3% do valor das obras eram destinados sobretudo a 3 partidos: PT, PMDB e PP. O negócio era praticado sob a supervisão de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, que repassava o dinheiro desviado a políticos do Partido Progressista, e é investigado pela compra superfaturada da refinaria de Pasadena, no Texas. 

O principal articulador da operação era Alberto Youssef, especialista em lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Sua atuação lhe garantia repasses generosos das empresas beneficiadas pelos contratos com a Petrobras, depositados em contas de pelo menos 14 empresas de fachada mantidas por ele. Tanto Costa quanto Youssef assinaram acordos de delação premiada e têm colaborado com Polícia Federal em depoimentos na sede do órgão em Curitiba. 

Com o início da corrida presidencial, em julho, o cenário espetaculoso foi potencializado. A Petrobras tornou-se a principal arma de uma oposição carente de propostas, mas municiada pela ampla rejeição ao Partido dos Trabalhadores e a colagem entre Dilma Rousseff e escândalos de corrupção nos 12 anos da sigla à frente do Planalto. Quase funcionou: Aécio Neves foi ao segundo turno e teve 50 milhões de votos sem precisar apresentar nenhuma alternativa de gestão, de fato, aos eleitores. Engatou no esmorecimento da candidatura de Marina Silva e fez todo uso possível dos vazamentos dos depoimentos de Paulo Roberto Costa e de Youssef. 

Aplicados em doses cavalares, apesar de seletos, os vazamentos provocaram uma verdadeira pancadaria nas eleições. De um lado, o PT acusou funcionários da Polícia Federal de atuarem em benefício dos tucanos durante uma investigação que deveria ser neutra e a imprensa de dar voz a evidências meramente testemunhais de criminosos confessos. De outro, o PSDB e seus aliados surfaram à vontade na onda do antipetismo já à beira da esquizofrenia. 

Em primeira e última instância, o esquema desmontado pela PF não corresponde ao existente nos sonhos de uma oposição delirante. Primeiro, porque, segundo as investigações, essa mesma estrutura criminosa atua há nada menos que 15 anos na Petrobras. Segundo, porque todos os grandes partidos estão envolvidos nesta malha imensa de negociações, seja da situação ou da oposição. Ignorado pelos tucanos, o depoimento em que Costa afirma ter pago, para o engavetamento de uma CPI da Petrobras em 2009, R$ 10 milhões ao então presidente do PSDB e candidato a deputado federal, Sérgio Guerra, é fundamental, mas não a única evidência disso. 

Na lista de políticos beneficiados nestas eleições por doações das empresas envolvidas no último escândalo da petroleira, figuram Lucio Vieira Lima, Katia Abreu, Carlos Zarattini e Paulo Rocha, de PMDB e PT, mas também José Serra, Antonio Anastasia, Ronaldo Caiado, José Carlos Aleluia, Alberto Fraga e Alexandre Leite, de DEM e PSDB. De acordo com o Ministério Público Federal, é desta forma que a propina pode ser lavada e transformada em dinheiro legal. 

Em São Paulo, a campanha de Alckmin foi abastecida com 76,8% das doações realizadas por empresas investigadas no cartel do metrô no estado, de acordo com a prestação de contas do próprio partido. Mas o fenômeno não é exclusivo do tucano, nem da região e muito menos das empresas em questão. Só no primeiro mês de corrida eleitoral, o grupo JBS doou R$ 52 milhões para os 3 presidenciáveis mais cotados e candidatos a deputado federal e governador em todo país. Investigadas pela Lava Jato, OAS, Queiroz Galvão e UTC Engenharia doaram mais de R$ 43 milhões em julho de 2014. 


Nada disso é novidade. Aliás, nem o encontro entre Alberto Youssef e o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba é. Foi Sergio Moro quem desmascarou empresários e operadores do mercado de câmbio paralelo no Caso Banestado, entre eles o doleiro pivô das articulações envolvendo a Petrobras. 

Por que, então, a Operação Lava Jato pode mudar o país para sempre, como disse a presidenta Dilma Rousseff? Em primeiro lugar, porque a prisão de corruptores é um fenômeno quase inédito num país que vive a chaga das relações ilegais entre empresas e o governo desde o projeto nacional-desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek nos anos 50. E, em segundo lugar, porque pode significar um ponto final nesta frouxa legislação eleitoral que, mais do que permite, incentiva suntuosas doações de empresas aos partidos durante as campanhas. 

Ao negar a corrupção como um problema estrutural, o que quer parte da oposição é nada além de uma volta ao comando das operações fraudulentas, que sempre existiram nos altos e baixos degraus do poder, mas só combatidas conforme conveniência. É o que explica o silêncio sepulcral da imprensa sobre a reforma política, a mesma imprensa que denuncia aos berros os escândalos petistas. Foram 7,4 milhões de assinaturas a favor do plebiscito para a formação de uma assembleia constituinte. Nem Bonner, nem Aécio: nenhum dos figurões anticorrupção se manifestou sobre o assunto. 

Também pudera: um dos objetivos da reforma é justamente acabar com o financiamento empresarial das campanhas eleitorais, limitar o privado e privilegiar o público, quando a militância faz realmente a diferença. No segundo turno, as caravanas puxadas por Lula e Dilma colocaram milhares de pessoas nas ruas dos 4 cantos do país. 

De nariz torcido para a reforma e ainda sob os efeitos da indignação pelo 4º mandato petista consecutivo no Planalto, o Congresso barrou até a Política Nacional de Participação Social, que na prática legitimou um mecanismo popular de controle dos gastos públicos, mas que serviu de gasolina para incendiar a imaginação paranoica do anticomunismo em pleno século XXI. Sinal dos tempos em que, contra uma “ditadura bolivariana petista”, pede-se a volta de outra, que realmente existiu, com os militares no poder. 

Tida como culpada, hoje a Petrobras é vítima da inação causada pela personalização das práticas corruptoras no Brasil. Apesar de ainda ostentar o maior valor de mercado de toda a América Latina, as cotações da petroleira na Bolsa de Valores de Nova Iorque caíram 31% este ano por conta das investigações. 

E olha que o cenário já foi muito pior. Ricardo Semler, empresário tucano, causou alvoroço ao sustentar, na Folha de S. Paulo, que “nunca se roubou tão pouco” na Petrobras. Confessou ter desistido, após 40 anos de tentativas, de prestar serviços à estatal graças aos esquemas, à época conhecidos mundialmente. Por fim, classificou a recente prisão dos executivos como “um passo histórico para o país”. Mesmo sem provas, o jornalista Paulo Francis denunciou a empresa, em 1996, como “a maior quadrilha que já existiu no Brasil”. Foi processado nos EUA com pedido de indenização de 100 milhões de dólares. Tudo isso muito antes da chegada de Lula a Brasília. 

Ainda é cedo para mensurar quais todos os desdobramentos da Operação Lava Jato para o governo, o PT, a Petrobras e mesmo a Polícia Federal. Mas tudo o que se sabe até aqui sobre o caso aponta não para um escândalo, mas uma rede regular de negociações que ultrapassam as barreiras de siglas partidárias, entes federativos e empresas. Se isso tudo vai mudar o país para sempre, como projetou a presidenta, depende em grande parte dos rumos de uma reforma política que hoje mais assusta do que instiga. 

Longe de absolver o Partido dos Trabalhadores – cada vez mais atolado em denúncias -, encarar a corrupção menos como desvio de comportamento casual e mais como parte do DNA do modelo político consolidado no país é o primeiro passo para que o lava jato não vire só mais um chuveirinho.

Abraços, 
Murilo

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Dívida de 1996 impede que Itararé receba R$ 2,6 milhões

por MURILO CLETO

Duas correspondências enviadas pela Secretaria do Tesouro Nacional, ambas datadas de 9 de outubro de 2014, cientificaram a Prefeitura de Itararé de que as linhas de crédito PROVIAS e Programa Caminho da Escola não poderiam ser concedidas ao município. 

De acordo com o Tesouro, o impedimento acontece porque a Prefeitura de Itararé está inscrita no CADIP (Sistema de Registro de Operações de Crédito com o Setor Público), graças à operação de crédito na Modalidade Empréstimo por Antecipação de Receita Orçamentária (ARO), contratada em 1 de março de 1996, durante a gestão Laércio Amado, no valor de R$ 350 mil. Atualizada, a dívida soma R$ 5.710.450,12. Como o município recorreu do pagamento, o caso aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal, mas, até lá, fica impossibilitado de obter crédito junto às instituições financeiras estatais.

Segundo a Secretaria de Finanças, estes valores seriam investidos na compra de 1 trator de esteira para o aterro sanitário; 2 caminhões do modelo Colecon para a coleta de lixo; 2 caminhões-caçamba; e 7 ônibus escolares. Segundo a Secretaria de Educação, essa quantidade de ônibus atenderia à demanda do Setor de Transportes e dispensaria a contratação de transporte terceirizado para os alunos das redes municipal e estadual de ensino.

A notícia foi veiculada em primeira mão pelo jornal O Guarani, edição de 7 a 13 de novembro de 2014.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Todo camburão tem um pouco de navio negreiro

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR


Em 1549, a decisão de Dom João III de instituir o governo-geral no Brasil, dividindo-o em capitanias hereditárias "doadas" aos capitães donatários, deu início ao sistema econômico colonial de produção, em larga escala, de gêneros alimentícios para exportação. Baseado no trabalho forçado e na grande propriedade, tal modelo incidiu na constituição do sistema escravista. Segundo Bóris Fausto, o negro foi escolhido por três motivos: 1) a rentabilidade do tráfico e comércio de escravos; 2) a resistência dos indígenas ao trabalho forçado; 3) a rentável utilização dos negros na produção de açúcar nas ilhas do Atlântico. 

Desta forma, entre 1550 e 1855 foram trazidos para o Brasil 4 milhões de escravos. A proveniência destes escravos era distinta, de acordo com o contexto histórico. No século XVI, a Guiné (Bissau e Cacau) e a Costa da Mina foram os locais privilegiados de proveniência. No século XVIII, regiões mais ao sul, como Congo e Angola, foram as preferidas. No século XVIII, os angolanos foram trazidos em grande número, correspondendo a 70% dos escravos trazidos para o Brasil neste século. 

Os negros escravizados no Brasil provinham de muitas tribos e com culturas "próprias" que os distinguiam uns dos outros. Assim, de acordo com Bóris Fausto, "eram desenraizados de seu meio, separados arbitrariamente, lançados em levas sucessivas em território estranho". O navio negreiro, ou "tumbeiro", foi o meio utilizado para transportar os escravos da África para as colônias americanas. No trajeto, condições sub-humanas anunciavam o destino dos negros na América. 

Os escravos eram transportados em porões com altura de menos de meio metro. Presos pelos pés, mais de 500 escravos ocupavam um dos porões, ficando "como livros numa estante", segundo um traficante. Os negros se alimentavam de milho e só podiam beber meio litro de água. A sede provocava alucinações e até óbitos em alguns casos. As condições de higiene eram precárias: só podiam se lavar duas vezes durante toda a viagem e faziam gargarejo com vinagre para higiene bucal; além disso, viviam em meio às fezes, o que gerava uma série de doenças. Neste trajeto, negros eram castigados fisicamente e morriam "aos montes". 


As condições às quais foram submetidos não os impediu de resistirem ao sistema escravista. Fugas individuais ou em grupo, agressões contra senhores e, em menor escala, o suicídio eram as principais práticas de resistência. Os negros fugidos compunham o chamado Quilombo, comunidade que pretendia recuperar as formas de organização social africana. O mais conhecido deles foi o de Palmares. Situado em uma região que hoje corresponde ao estado de Alagoas, o Quilombo dos Palmares resistiu por quase 100 anos, até 1695. Zumbi, o líder dos palmarinos, foi enforcado e esquartejado no dia 20 de novembro de 1695. 

A data da morte foi escolhida, em 1978, pelo Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial para representar o dia de luta dos negros pelo reconhecimento do seu papel enquanto agentes históricos fundamentais na construção da sociedade brasileira, e também para colocar em discussão as desigualdades relacionadas às questões de cor. Em 2003, no dia 9 de janeiro, a lei nº. 10.639 criou o Dia Nacional da Consciência Negra, dia em que o feriado é facultativo nos estados e municípios. 


Passados mais de 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares e mais de 100 da abolição da escravidão, ainda não assistimos ao fim da violência contra os negros no Brasil. Simbólica ou física, os dados evidenciam que a marginalização dos negros na sociedade brasileira é uma permanência problemática. Em 1997, apenas 1,8% dos negros tinham concluído ou estavam cursando o Ensino Superior. Em 2001 eram 10,2%. Com o início das políticas de cotas raciais, em 2003, cresceu para 39,6% o número de negros que cursaram ou estão cursando o Ensino Superior, segundo dados do IBGE. Apesar da melhora, a disparidade para os 65,7% de brancos ainda é grande. A desigualdade se torna ainda mais latente em cursos mais "elitizados". No curso de Medicina, apenas 2,7% dos formados são negros. Outra forma de violência simbólica é o fato de que segundo os dados da Pesquisa Mensal de Emprego - PME –, do IBGE, um trabalhador negro no Brasil ganha, em média, pouco mais da metade, 57,4%, do rendimento recebido pelos trabalhadores de cor branca. 

Outros dados reforçam a violência contra os negros no Brasil. A pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA –, em 2011, indicou que 66,1% das moradias nas comunidades carentes são chefiadas por homens ou mulheres negras. 

Entretanto, os números mais impactantes são os de assassinato e cárcere contra os negros. Números do Mapa da Violência 2012 indicam que 56.337 pessoas foram assassinadas, sendo 41.127 negros e 14.928 brancos. Enquanto o número de homicídios dos jovens brancos vem decaindo, as taxas envolvendo os negros só têm crescido, representando uma “mortalidade seletiva”, segundo o relatório. Conforme o IPEA, a chance de um negro ser assassinado é 3,7 vezes maior que a de um branco. Um estudo da Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR – indicou que o número de negros mortos pela polícia é 3 vezes o número de brancos. No Rio de Janeiro a realidade não é diferente. Com 715.655 presos, o Brasil ultrapassou a Rússia e tem a terceira maior população carcerária do mundo. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN –, os negros são 275 mil.

Dois casos exemplificam a mortalidade seletiva. Amarildo Dias de Souza, ajudante de pedreiro desapareceu depois de ser levado por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora - UPP - da Rocinha, na Zona Sul, em operação realizada em 14 de julho de 2013. Declarado morto pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Amarildo nunca foi encontrado. Cláudia da Silva Ferreira, vítima de bala perdida durante tiroteio entre policiais e traficantes no Morro da Congonha em Madureira, foi arrastada por 250 metros por um carro da política militar e morreu antes de chegar ao hospital. Mesmo avisados pela população de que o corpo estava pendurado, os policiais não pararam o veículo. Em comum entre Amarildo e Cláudia, a cor da pele e a condição social, negros e pobres. 


Enfim, se no passado os negros morreram muitas vezes por resistirem à lógica perversa da escravidão, atualmente morrem por resistir à lógica tão ou mais perversa, porque "velada", da marginalização. 

Abraços, 
Osvaldo. 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Era ele um de nós?

Novas descobertas atestam: Jesus de Nazaré era casado (e tinha filhos)

por LUIS FELIPE GENARO



A virulência da institucionalidade do cristianismo no século IV, materializada nos preceitos, condutas e costumes dos círculos de cristãos residentes na cidade de Roma, apagou da História, ou ao menos tentou, vestígios de outras interpretações, escritos e memórias de outros círculos cristãos residentes em diferentes regiões, do Oriente ao Ocidente. 

A canonização de apenas alguns poucos escritos – evangelhos –, por exemplo, integra muito mais um cenário de ferrenhas disputas de poder que ações e escolhas sob santos e iluminados céus. Isso quem conclui é a historiadora de filosofia Maria Fiorillo, da USP. "Em meados do século IV já não havia tanto debate interno no cristianismo; a Igreja havia ou convertido ou se livrado dos descontentes. Outras tradições que não pertenciam à facção de Roma foram erradicadas, suas lideranças perseguidas, os bens confiscados e a literatura destruída". 

De fato, com a conversão do imperador romano Constantino e a institucionalização do cristianismo romano, outras interpretações daquilo que possivelmente havia feito, dito ou não dito Jesus de Nazaré e seus discípulos, eram varridas do tempo. Segundo Paul Veyne, "graças a Constantino, a lenta e completa cristianização do Império pôde começar; a Igreja, de "seita" proibida que tinha sido tornou-se mais do que uma seita lícita: estava instalada no Estado". O resto vocês já sabem. Aprenderam ou na catequese ou em grupos bíblicos aos sábados e domingos. O tempo, entretanto, é traiçoeiro. A História, como se constata, pode ser recontada, reescrita. 

Comprado de um negociante egípcio pelo Museu Britânico em 1847 e repassado para a Biblioteca Britânica 20 anos depois, um pergaminho escrito em aramaico e datado de 570 d.C., aproximadamente, revela uma vez mais, agora com maior ênfase que documentos anteriores, uma intrigante evidência histórica repudiada pela grande maioria de cristãos mundo afora: o matrimônio de Jesus de Nazaré e a constituição de seu núcleo familiar. Diversos portais online noticiaram a descoberta e a conclusão das pesquisas sobre a documentação. 

Segundo o portal IG, "durante os últimos 160 anos, o documento tem sido estudado por alguns estudiosos, mas havia sido considerado muito normal até Simcha Jacobovici, um cineasta israelense-canadense, e Barrie Wilson, um professor de estudos religiosos em Toronto, terem dado uma olhada no conteúdo. Depois de seis anos de estudos, eles estão convencidos de que descobriram um quinto evangelho desaparecido". 

Outro fragmento agitou as comunidades acadêmica e cristã há dois anos – só este ano suas análises foram concluídas. Debruçaram-se em um delicado pedaço de papiro incansáveis pesquisadores da Universidade de Harvard, indicando que o fragmento era mais antigo que se imaginava, sendo datado do II ao IV século. Nele, uma frase se destacava de todas as outras: "E disse Jesus a eles, eis minha esposa". O mais semelhantemente intrigante a respeito destes dois documentos é sua possível origem.

Em uma caverna no Alto Egito na década de 1940 descobriram-se 52 livros correspondentes ao cristianismo primitivo, encontrados dentro de uma ânfora de barro de um metro de altura. Intitulada posteriormente Biblioteca de Nag Hammadi, os livros escaparam de um destino cruel: a destruição pela recém-institucionalizada Igreja Romana. Ironia ou evidência, a origem de ambos os documentos acima citados é também do Alto Egito.

Na literatura fictícia e nas telas de cinema, a relação de Jesus de Nazaré com Maria Madalena, por exemplo, vem sendo há décadas retratada. No mundo acadêmico essa relação não parece assim tão fantasiosa. Igrejas e cristãos em geral, no entanto, minimizam todas as evidências históricas até hoje descobertas. Como se sabe, através dos livros de Nag Hammadi inúmeros pesquisadores já comprovaram que Madalena foi um elemento indispensável para o cristianismo primitivo. Foi a discípula "mais amada". 

Apagar vestígios "heréticos", assim como "femininos", da história cristã não são estratégias recentes. Essa não é uma luta contemporânea. Para o teólogo Juan Arias, "a luta começou quando se delineou a autoridade da herança cristã entre as diferentes correntes do cristianismo primitivo e se foi creditando como única variante verdadeira a que defendia a ala hierárquica de Pedro e outros apóstolos varões". 

Até quando catequeses refutarão sérias pesquisas coletivas de décadas, bom, prefiro nem comentar...

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Edição de Novembro


Caros leitores,

Por conta de uma série de readequações e do fato de que a revista estava saindo sempre no final do mês, a edição de novembro da revista Desafinado não será lançada. 

Mas calma, pois a de dezembro vem especial e sai logo no início do mês. Desta forma, o intervalo de lançamento será mais ou menos o mesmo desta vez. E a partir de agora, a revista chega aos assinantes e às bancas sempre na primeira semana do mês correspondente.

Quem assinou por um ano, recebe normalmente os 12 exemplares, mas com um mês a mais em 2015.

Tudo isso pra debater cada vez melhor às margens do rio Itararé ;)

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Consciência Humana

Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades 
(Boaventura de Sousa Santos)





Todo 20 de novembro é a mesma coisa. Primeiro, todo mundo quer saber se vai ter feriado ou não. Segundo, quando o feriado é confirmado, alguma instituição comercial tenta impugná-lo com uma medida judicial. Terceiro, sua tia compartilha freneticamente uma frase sobre "Consciência Humana" no Facebook.

Quer dizer, nem sempre foi assim. Nem sempre precisou ser assim. Antes da instituição do 20 de novembro como feriado nacional, não era. Como argumentam patrões de boa parte do país, o Brasil tem feriado demais. O único, no entanto, que permanece questionável, é o da Consciência Negra, que celebra a memória de Zumbi dos Palmares, morto e esquartejado há 319 anos nesta mesma data.

Zumbi não morreu porque simplesmente morreu. Morreu porque era negro e desafiou a lógica que por séculos confinou negros a um espaço muito bem delimitado no Ocidente Moderno. Mais de 1 século  depois da abolição da escravatura, 41.127 negros são mortos por ano, de acordo com o último levantamento divulgado pelo Mapa da Violência. 

Efeito colateral da criminalidade que assola todo o país? Também, mas entre 2002 e 2012, enquanto o número de homicídios de brancos diminuiu de 19.846 para 14.928, os assassinatos de negros aumentaram quase 40%. A chance de um negro ser assassinado no país é 3,7 vezes maior do que a de um branco. O homicídio é a principal causa não natural de morte de negros em São Paulo, enquanto brancos morrem, majoritariamente, de acidentes de trânsito.

De acordo com o IBGE, o número de brasileiros negros sem nenhuma instrução formal ou com o Ensino Fundamental completo é 14% maior que o de brancos. Nos ensinos médio e superior, a desigualdade continua. Segundo o Ipea, 62% das 571 mil crianças entre 7 e 14 anos que estão fora das escolas são negras. Nos 3 cursos mais concorridos no Vestibular 2013 da USP, onde o sistema de cotas não é adotado, simplesmente nenhum negro tornou-se calouro. Fora dos muros da educação formal não é diferente: a renda dos negros corresponde a 57,4% da dos brancos.

Dependendo da posição que se ocupe nesta conta, é muito fácil desdenhar do Dia da Consciência Negra. Enquanto a consciência continuar sendo tão seletiva quanto ao que significa ser humano na prática, vamos precisar de um dia da consciência negra, outro da homossexual, outro da feminina, outro da indígena. Até lá, "Consciência Humana"... uma ova.

Abraços,
Murilo 

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Implicações do "desenvolvimento" ao território amazônico

por LUCAS SANTOS


A Floresta Amazônica pode ser tomada atualmente como o maior bioma brasileiro, contando com aproximadamente 2 milhões de espécies de animais catalogadas e mais 30 mil espécies vegetais, isto em um território que compreende quase 2 terços do país. 

Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, o Índice de Progresso Social (IPS) da Amazônia Brasileira está a 57,31 em uma escala que pode chegar a 100. Isto indica que, apesar da constante exploração do território, muitos são os problemas sociais existentes. 

Apesar da constante exploração, o IPS, em sua dimensão sustentabilidade dos ecossistemas, apresentou uma média relativamente alta, superando inclusive a nacional, atingindo a casa dos 74,85 pontos, e isto se deve em grande parte a programas como o PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável), que reduziram significativamente o desmatamento e a maior proporção de áreas protegidas. 

Um dos grandes vilões, quando tratamos do desmatamento do território amazônico brasileiro, é a pecuária de corte. 

Entre 1990 e 2003, o rebanho bovino da Amazônia Legal cresceu 240% e passou de 26,6 milhões para 64 milhões de cabeças. Projeções indicam que a pecuária continuará crescendo na região. Esse potencial poderia ser aproveitado para estimular o crescimento econômico da região, mas ao mesmo tempo gera preocupações ambientais.1

Os grandes pecuaristas do sul, principal exportador de carne do Brasil, veem no território amazônico uma opção interessante para a sua produção, visto que, devido a falta de fiscalização das terras, os investimentos acabam sendo muito menores do que em outras regiões. 

Desde a década de 1990, com o avanço da pecuária, cerca de 587.000 quilômetros quadrados da floresta nativa foram postos abaixo para a constituição de pastagens. 

Este "desmatamento pecuarista" possui implicações muito grandes ao território, pois exige a queima da mata nativa, o que a impossibilita de retornar ao estágio inicial. 

A ocupação efetiva da Amazônia foi iniciada na chamada Era Vargas devido à implantação de programas para a ocupação do oeste brasileiro que visavam a diminuição do "território ocioso". 

A década de 60, as políticas anti-internacionalização do território, pregadas pelos governantes militares, ocasionaram um grande investimento em obras de infraestrutura, como as rodovias Transamazônica, do governo Médici, e Belém/Brasília. Investimentos estes feitos justamente para a afirmação do território. 

A partir da década de 1970, a população amazônica passou a crescer e dos iniciais 7 milhões de habitantes, fruto das políticas de ocupação, atingiu, em 1990, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a marca de 21 milhões de pessoas. 

Este grande crescimento, atrelado à ausência de oportunidades, contribuiu para diversas desavenças sociais que culminaram invariavelmente em casos de extermínio, como a morte de Chico Mendes em 1988 e da missionária estadunidense Dorothy Stang em 2005. 

A sede de progresso dos grandes governos autoritários brasileiros foi, sem dúvidas, o principal agravante da situação de desmatamento e exploração do território. O protecionismo destes, porém, pode ter sido responsável por um ponto positivo que consiste na ausência de exploradores estrangeiros em escala industrial, como ocorre com países que integram a lista do subdesenvolvimento. 

Apesar do protagonismo destes governos no caso específico, devemos ressaltar, também, a ausência dos governos pós redemocratização no território, pois estes não possuem projetos efetivos para uma melhora do quadro, o que se deve em grande parte ao relacionamento entre pecuaristas e o Congresso, pois verbas do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento) foram aplicadas na pecuária. Além desses investimentos do governo na pecuária, existem investimentos da pecuária nos governos, isto materializado nas doações que somam mais de 1 trilhão de reais, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, às campanhas políticas para as Eleições 2014, realizadas pela empresa JBS Friboi. 

Podemos ressaltar então a falta de políticas públicas efetivas como o principal fator de degradação e empasse ao desenvolvimento da região amazônica, o que se agrava com a impunidade aos crimes cometidos pelos fazendeiros locais, que são, em grande parte dos casos, apoiados pelo poder local por serem vistos como possíveis desenvolvedores econômicos. 

1 Arima, E., Barreto, P., & Brito, M. (2005). Pecuária na Amazônia: tendências e implicações para a conservação (p. 76). Belém: Imazon.

* Acadêmico de Licenciatura em História pelas Faculdades Integradas de Itararé. Atua como estagiário na Assessoria de Imprensa da Prefeitura Municipal de Itararé. No Desafinado, assinou os artigos 'Bagunça ou organização?''Gayzismo ou saúde pública?' e 'A capoeira e os empecilhos da valorização cultural no Brasil'. 

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A República nada republicana

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR

No dia 15 de novembro, o Brasil comemora a Proclamação da República, obra dos militares representados na figura do alagoano Marechal Manuel Deodoro da Fonseca. Nesta data, celebra-se o fim do regime monárquico e a instauração do regime republicano. Porém, a pergunta que todos os anos parece não calar é: existem motivos para comemorarmos esta data? 

Platão, filósofo grego que viveu em Atenas entre 428 e 347 a.C, em sua obra “Diálogos”, refletindo sobre a decadência da democracia ateniense, definiu a República como um regime político fundamentado na justiça e nas leis. Do latim res publica = coisa pública, é o sistema de governo em que existe um presidente, eleito pelos cidadãos, ou seja, está intrinsecamente relacionado à democracia, logo à participação popular. 

No Brasil, a comemorada proclamação da República na verdade foi um golpe militar impetrado pelos altos escalões do exército, apoiados pela elite agrária, que levou ao poder um Marechal monarquista. José Murilo de Carvalho, no clássico Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi, faz um estudo da “atmosfera” política da capital fluminense nos momentos que antecederam ao golpe. 

O êxodo rural, motivado pela abolição da escravatura em 1888, e o movimento imigratório de estrangeiros, atraídos pela possível ascendência econômica com o trabalho no Brasil, aumentaram consideravelmente a população do Rio de Janeiro. Tal aumento, aliado à falta de estrutura, fez emergir problemas diversos, como a escassez de empregos, de moradia, de condições de saneamento e saúde. Todos os problemas sociais acabaram por aumentar a tensão política na capital, surgindo as primeiras greves e revoltas. 

Neste contexto, Murilo de Carvalho aponta que os setores populares não entendiam o significado da República nos discursos dos três grupos políticos: a elite detentora do poder, os anarquistas e os socialistas democráticos. A elite defendia o conceito liberal democrático de inclusão sem abalo nas estruturas; os anarquistas negavam a ordem política e a cidadania, a não ser no sentido fraternal e de comunidade; os socialistas democráticos defendiam a ampliação dos direitos políticos e sociais. 

O comemorado 15 de novembro foi, na visão de Bóris Fausto, “quase um passeio”. Isso porque, apoiados pelas elites cafeeiras, descontentes com a abolição da escravidão, representadas pelo Partido Republicano Paulista – PRP -, os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto promoveram o golpe militar sem nenhuma resistência. Monarquista e amigo do imperador, Deodoro representava os veteranos da Guerra do Paraguai. Floriano, membro da Escola Militar e adepto das ideias positivistas, representava os militares republicanos. Mesmo com as diferenças um aspecto central os unia: a certeza de que o exército precisava ter um maior protagonismo na vida política brasileira. 

No início da manhã do dia 15 de novembro de 1889, o Marechal Deodoro organizou as tropas militares e marchou até o Ministério da Guerra. Lá, versões desencontradas explicam que o Ministério fora deposto e outras que a Monarquia fora derrubada e proclamada à República. O que se sabe, é que o golpe baniu a família real, que poucos dias mais tarde deixou o Brasil, e deu início a Primeira República, que duraria até 1930. Desta forma, o Brasil “dormiu monárquico e acordou republicano” e o “povo assistiu a tudo bestializado”, de acordo com José Murilo de Carvalho. 


Ninguém melhor do que Benedito Calixto, na aquarela Proclamação da República, representou o protagonismo militar contrastando com a “apatia popular”. Na obra de arte, produzida em 1893, Calixto pintou os militares montados em cavalos portando espadas ou ladeados por canhões, saudados por poucos “cidadãos” representados pelas elites fluminenses. Tal obra escancara o imaginário de época, que ainda persiste, da Proclamação da República enquanto um feito histórico positivo. 

O que se viu foi a instauração de uma "República militar", que de republicana não teve nada. Entre 1889 e 1894, o Brasil assistiu à "República das Espadas", período em que o país foi governado pelos marechais, Deodoro e Floriano. O primeiro ato do governo de Deodoro foi a convocação de uma Assembleia Constituinte que elaborou, após 110 dias, a primeira constituição republicana do Brasil, promulgada em 24 de Fevereiro de 1891. Por mais republicana que as constituições possam parecer, não foi o caso da primeira constituição da agora República Federativa dos Estados Unidos do Brasil. Apesar da divisão dos poderes e da federalização do país, manteve-se sobre a batuta dos marechais o destino político do país. Em relação ao voto, mendigos, analfabetos e pobres não tinham o direito de exercê-lo. 


Quando o Congresso tentou aprovar uma emenda constitucional para restringir os poderes de Deodoro, o marechal fechou o Congresso, prendeu líderes da oposição, impôs a censura à imprensa e decretou “estado de sítio”. O choque entre a política centralizadora de Deodoro e o federalismo do Congresso levou à renúncia. No dia 23 de Novembro de 1890, Floriano Peixoto, o vice-presidente assumiu a Presidência da República. Floriano enfrentou com "mãos de ferro" as revoltas da Armada (1983-1984) e Federalista (1893-1895). A última colocou frente a frente dois grupos políticos gaúchos: os maragatos (centralistas) e os republicanos (federalistas). Os maragatos chegaram a tomar Santa Catarina e o Paraná, e o conflito só foi encerrado em 1895, durante o governo do primeiro presidente civil, Prudente de Moraes, com um saldo de dez mil mortos. 


Entre 1894 e 1930, o Brasil ocorreu a chamada "República das oligarquias". Neste período, políticas como a dos governadores e a do "café com leite", mantidas pela prática do "voto de cabresto", nos permitem identificar a existência de uma República muito restrita durante estes anos. Não à toa, ocorreram revoltas sociais por todo o país. Em 1930, novo golpe militar e Getúlio Dornelles Vargas assumiu a presidência da República, de onde sairia apenas em 1945. Em 1945, o Brasil vivenciou a sua "primeira experiência democrática", que durou apenas 19 anos. Em 1964, João Goulart foi deposto e um novo golpe militar deu início à Ditadura Civil-Militar que duraria até 1985. 

Ao analisarmos o advento da Proclamação da República, podemos compreendê-lo enquanto o primeiro de uma série de golpes militares que compõem a história política brasileira. Uma história marcada pelo discurso republicano, mas por práticas conservadoras e aristocráticas. Sob esta ótica, a Proclamação da República instaurou uma República nada republicana, que na memória de muitos ainda permanece imaculada. 

Por fim, de acordo com a tipologia de Rüsen, a consciência histórica ontogenética nos permite afirmar que tal data deve sim ser lembrada, porém de maneira crítica, enquanto um golpe militar que instaurou uma Ditadura e que, portanto, para todos os Republicanos no sentido platônico, não deve ser comemorada. 

Abraços, 
Osvaldo. 

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Operação irregular da gestão Perúcio pode condenar Itararé a devolver R$ 10 milhões

por MURILO CLETO




No final de julho, escrevi para o blog Desafinado o artigo "Operação Castellucci", que contou em detalhes como a gestão Cesar Perúcio conseguiu preencher os cargos comissionados da administração e garantir altos salários respeitando o limite prudencial estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal quanto aos gastos com pessoal.

Em resumo, o texto dizia que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo exigia explicações a respeito de um contrato celebrado com a empresa Castellucci Figueiredo e Advogados Associados para "serviços técnicos especializados de consultoria e assessoria tributária, jurídica e administrativa". Na verdade, o que o TCE descobriu foi um grande esquema de compensação de receita que, por cerca de três anos, salvou o caixa da Prefeitura governada por Perúcio, mas que comprometeu profundamente as contas do município.

Desde 2010 uma operação resolveu como numa mágica os problemas da administração municipal com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina que os gastos com pessoal - incluindo sobretudo o pagamento de salários - não ultrapassem 51,3% do orçamento anual do município. Para equilibrar as contas com a lei, a prefeitura contratou três empresas diferentes para compensar pagamentos supostamente indevidos da Prefeitura Municipal de Itararé à Receita Federal durante parte da segunda metade da década passada. 

No segundo ano da gestão Perúcio, R$ 132.527,75 foram pagos à empresa Nunes Amaral Advogados para a compensação de valores sobre horas extras e 1/3 de férias pagos pela prefeitura e recolhidos entre setembro de 2005 e outubro de 2010 pelo Instituto Nacional do Seguro Social. O trabalho da consultoria era basicamente requerer junto à Receita o ressarcimento de parte desses valores, segundo ela pagos injustamente. 

Surpreendentemente funcionou: R$ 960.346,87 não foram devolvidos à Prefeitura Municipal de Itararé, mas compensados em novos pagamentos dela ao INSS. Ou seja, a bagatela de quase um milhão de reais foi devolvida aos cofres municipais para o reajuste do orçamento, que evidentemente inchou e, desta forma, flexibilizou o aperto com o teto de gastos com pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. 

Em 2011, foi a vez da Cestrein Consultoria Empresarial Ltda. ser contratada para "compensação incidente sobre reenquadramento da cota RAT (Risco sobre Acidentes de Trabalho)". A aposta da empresa era reduzir de 2% para 1% o recolhimento desta cota entre junho de 2007 e dezembro de 2011, e mais uma vez deu certo. O valor compensado foi de nada menos que R$ 1.230.154,11, mais uma vez injetados na arrecadação do município. Pelo serviço, a consultoria levou R$ 215.000,00.

Em 2012, coube à Castellucci Figueiredo e Advogados Associados o trabalho de "compensação de verbas indenizatórias" no período entre abril de 2007 e março de 2012. Sem licitação, a empresa recebeu R$ 1.031.414,00 da prefeitura para compensar R$ 8.565.516,02 da Receita Federal. 

De acordo com o processo TC-334/016/13, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo apontou pelo menos 13 irregularidades no contrato entre a Prefeitura Municipal de Itararé, sob a assinatura do então prefeito Luiz César Perúcio, e a Castellucci. Em primeiro lugar, não havia sequer previsão orçamentária que assegurasse o pagamento da empresa para a execução dos serviços, inclusive porque o seu rendimento era determinado através de honorários de 18% sobre o valor compensado junto à Receita. Essa manobra afronta o disposto no artigo 7º, § 2º, III, c/c o § 9º do mesmo artigo da Lei Federal nº 8.666/93.

Além de a contratação não ter sido precedida de procedimento licitatório, também não houve fundamentação legal, parecer técnico ou jurídico que justificasse a condição de inexigibilidade, nos termos do artigo 26 da Lei de Licitações. Nos apontamentos do Tribunal de Contas, o valor estimado da contratação – R$ 120.000,00 - foi excedido em 759,51%, enquanto o limite legal permite apenas 25%. 

O contrato também não especifica o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica, nos termos do art. 55, v, da Lei de Licitações, não designa representante da administração para acompanhamento e fiscalização de sua execução nem apresenta registro próprio das ocorrências relacionadas a ela ou os documentos que atestem a habilitação da empresa.

Segundo o Tribunal de Contas, o contrato ainda terceirizou um serviço que, na verdade, poderia ser executado por servidores municipais, o que torna absolutamente incompatível a contratação da empresa por mais de um milhão de reais, sobretudo diante da dissonância com os dispositivos da Lei de Licitações.

No Espírito Santo, um caso semelhante ao do objeto do contrato em Itararé foi desbancado pela "Operação Camaro", que flagrou um gigantesco esquema de recuperação de créditos decorrentes de contribuições previdenciárias supostamente indevidas e causou um rombo inicialmente detectado de R$ 10 milhões.

Diante dos apontamentos, o esquema de compensações foi finalmente desfeito no ano passado e as contas foram radicalmente desequilibradas, com o índice de gastos com o pessoal ultrapassando, e muito, o limite prudencial. O Tribunal de Contas já indicou a necessidade dos cortes. Com a compensação, os índices já chegaram a apenas 43%. Para resolver o problema, a prefeita anunciou a extinção de 2 secretarias; o corte de 20% no valor da gratificação de funcionários de carreira; e o corte integral da gratificação de quase todos os comissionados.

Mas o estouro no limite prudencial e os cortes na administração não são a pior consequência da operação. Como não há quaisquer documentos emitidos pela Receita Federal que ratifiquem os valores recolhidos e compensados pela empresa contratada ou mesmo qualquer fundamentação jurídica que determinasse a devolução dos valores à prefeitura, o município pode ser condenado a devolver, corrigidos, R$ 8.565.516,02 para a instituição lesada.



O artigo gerou polêmica e muita gente tentou desqualificá-lo por ter sido escrito por um comissionado da atual gestão. Mas o cenário é preocupante. Casos muito semelhantes têm estourado cada vez mais no estado de São Paulo. Em março, depois de uma auditoria, a Receita Federal cobrou R$ 14.099,018,65 da Prefeitura de Itirapina diante de exatamente a mesma situação (conheça o caso aqui). Em julho, duas prefeituras receberam notificação e prazo pra devolução de valores também compensados pela Castellucci: R$ 10.289.745,42 de Descalvado e R$ 10.235.165,96 de Elias Fausto (os casos podem ser conferidos aqui e aqui). O mesmo ocorreu em janeiro, quando a Promotoria de Justiça de Itu pediu a abertura de um inquérito para investigar o contrato de R$ 1,3 milhão com a empresa (comprove aqui). Somente na região de Campinas, 8 municípios são investigados pela contratação da Castellucci para as mesmas finalidades: Americana, Jaguariúna Louveira, Mogi Guaçu, Mogi Mirim, Rio das Pedras, Valinhos e Vinhedo (confira aqui).

Por enquanto, Itararé ainda não foi condenada a devolver todo o dinheiro compensado no esquema que lesou a Receita. Mas a realidade que têm vivido os municípios que utilizaram o mesmo recurso não gera expectativas muito otimistas. De qualquer forma, o Tribunal de Contas já avisou que o milhão pago à Castellucci não retornará aos cofres públicos sob qualquer hipótese.

Abraços, 
Murilo