quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Guinada à Direita

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR 


No dia 26 de outubro, quando me dirigi à urna para votar para Presidente da República, tinha a certeza de que votando em Dilma estaria vetando o retorno do Partido da Social Democracia Brasileira  - PSDB - ao poder, mas, mais do que isso, me guiava a utopia de que, com o terrorismo e a polarização presenciados durante a campanha presidencial, Dilma desse um novo rumo ao seu governo, se alinhando as bandeiras de esquerda “esquecidas” em seu primeiro mandato. Dentre elas, uma em especial: a Reforma Agrária. 

Durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, a Reforma Agrária permaneceu estagnada com “o pior índice de desapropriação de terras nos últimos 20 anos”. Em 2012, 28 imóveis rurais foram desapropriados e, até agosto de 2013, nenhum imóvel havia sido desapropriado. Segundo o coordenador geral do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST -, João Pedro Stedile, Dilma assentou apenas 4.700 famílias, “menos do que o general Figueiredo fez no seu último ano”. Segundo dados do Instituto Nacional da Cidadania e Reforma Agrária – INCRA -, foram 186 imóveis desapropriados e 75.335 famílias assentadas. Números pífios, se comparados aos 1.987 imóveis e 614.088 famílias assentadas nos 8 anos de governo Lula e até mesmo aos 3.539 imóveis e 540.704 famílias assentadas durante os 8 anos de governo FHC. 

“Conjunto de medidas para promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social, desenvolvimento rural sustentável e aumento de produção”, segundo o Estatuto da Terra, lei nº 4.504 de 1964, a Reforma Agrária esta prevista no capítulo III, título VII da Constituição Federal de 1988 e está regulada pela Lei 8.629 de 1993. 

No Brasil, a estrutura fundiária baseada no latifúndio possui raízes históricas. Não é por acaso que segundo o Censo Agropecuário, divulgado em 2009, as propriedades com mais de 1 mil hectares representam 43% das terras no Brasil. Tal estrutura mais longinquamente remete ao modelo colonial de divisão do país em capitanias hereditárias doadas aos capitães donatários, que repassavam partes dessas terras, as chamadas sesmarias, para outros proprietários que lhes deviam reembolsar pela exploração das terras. Esse modelo permitiu o acesso de “poucos” à terra, desde a constituição do país. Em 1850, a Lei de Terras, reafirmou o exclusivismo ao não permitir que imigrantes e escravos libertos tivessem acesso à terra. 

A luta pela Reforma Agrária remete à segunda metade da década de 1940 com a criação das primeiras ligas camponesas. Atreladas ao Partido Comunista Brasileiro – PCB -, as ligas foram perseguidas durante o governo de Eurico Gaspar Dutra, que colocou o partido na ilegalidade. Apenas em 1955, com o nome de Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco – SAPPP -, a principal Liga Camponesa do Brasil foi legalizada. A partir daí, as ligas camponesas se disseminaram pelo interior do Nordeste sob a liderança de Francisco Julião. Encampada pelo presidente João Goulart durante os debates pelas reformas de base, a Reforma Agrária passou a figurar cada vez mais no debate político brasileiro. 


Neste contexto, o discurso anticomunista se utilizou da Reforma Agrária como argumento para legitimar o golpe militar de 1964. Dessa forma, de maneira errônea, conectou-se à ideia de comunismo a Reforma Agrária e de comunista ao presidente João Goulart. Para se ter uma ideia, países nada comunistas como Portugal, França, Alemanha e Itália realizaram a Reforma Agrária. Além deles, também a Inglaterra, Suíça e Áustria em algum momento realizaram a distribuição da terra. Conforme o jurista Pinto Ferreira, a Reforma Agrária "é inevitável, sobretudo porque nossa estrutura agrária permanece obsoleta e antiquada. E o direito deve antecipar-se à rebeldia das massas". Diante disso, defende-se a ideia de que a Reforma Agrária é uma forma de dinamizar o próprio capitalismo transformando terras improdutivas em produtivas, gerando e distribuindo riquezas. 

No discurso da vitória, no mesmo dia 26 de outubro, Dilma afirmou que “o caminho é muito claro: algumas palavras e temas dominaram esta campanha. A palavra mais repetida, mais dita, mais falada, mais dominante, foi mudança. O tema mais amplamente invocado foi reforma”, para na sequência defender a necessidade de uma Reforma Política. As palavras da presidenta reeleita, por mais que não tocassem no tema da distribuição de terra, soavam como um alento para um governo “diferente”. Um governo que possivelmente romperia com o “presidencialismo de coalizão” representado por alianças “espúrias” que empurraram o Partido dos Trabalhadores – PT - para o centro, quando não, em alguns momentos, para a direita. Porém, o que tem sido noticiado pela mídia “joga por terra” qualquer tipo de utopia de que o governo Dilma possa ser um governo realmente de esquerda. 


Na última quarta-feira (19), Dilma Rousseff convidou a senadora Kátia Abreu do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB - de Tocantins para assumir o Ministério da Agricultura. Sob protestos das alas mais à esquerda do próprio PT e dos movimentos sociais, o nome da senadora tem sido dado como certo. A escolha fez Dilma ser elogiada até pelo intrépido Reinaldo Azevedo, colunista da Revista Veja. A explicação é muito simples, Kátia Abreu simboliza o que de mais reacionário existe em política agrária no Brasil. 

Defensora do agronegócio, dos transgênicos, da indústria de agrotóxicos e da antiga União Democrática Ruralista – UDR -, responsável por dezenas de mortes no campo, Kátia atualmente é presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária – CNA. Senadora pelo Democratas – DEM -, em 2003, se envolveu em um esquema de "grilagem pública", segundo o Ministério Público Federal do Tocantins. O esquema que desapropriou agricultores como Juarez Vieira Reis pode ser considerado uma “Reforma Agrária às avessas”. Ou seja, um esquema que tira as terras dos camponeses que possuem o direito sobre elas para permitir a ampliação dos latifúndios. Não à toa, o MST ocupou no sábado (22) uma fazenda que produz milho transgênico no interior do Rio Grande do Sul em protesto ao convite e possível indicação de Kátia para a Agricultura. O protesto foi ironicamente batizado de “Bem-vinda, Kátia Abreu”. 

O convite a Katia Abreu, além de significar a vitória do agronegócio, simbolicamente representa uma guinada à direita e a falência da utopia de muitos, de que o governo Dilma iria recuperar as bandeiras históricas do Partido dos Trabalhadores, dentre elas, a da urgente Reforma Agrária 

Abraços, 
Osvaldo. 

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