Com dezenas de diretores da Petrobras e executivos presos num esquema que movimentou R$ 59 bilhões, o futuro das investigações sobre os desvios na estatal decide se a Operação Lava Jato não será só mais um chuveirinho
por MURILO CLETO
Alberto Youssef, preso em 17 de março, no início da operação encabeçada pela Polícia Federal. Foto: Aniele Nascimento / Agência de Notícias G/AE |
“Isso pode mudar o país para sempre”, foi o que disse Dilma Rousseff depois da prisão preventiva de dezenas de executivos acusados de pagar propina a diretores da Petrobras no maior esquema desmantelado pela Polícia Federal nos últimos tempos. Demagogo pra uns, otimista demais pra outros, o fato é que o conteúdo da afirmação da presidenta da república é irretocável, a começar pelo emprego do verbo auxiliar que indica uma incerteza cirúrgica: pode mudar.
Desde a deflagração da Operação Lava Jato, em 17 de março, a Petrobras está no centro de um dos maiores esquemas descobertos de desvio e lavagem de dinheiro da história do país em que empreiteiras, partidos, políticos e diretores da estatal movimentaram, de maneira ilegal, cerca de R$ 10 bilhões, de acordo com levantamento preliminar da PF. Entre os crimes cometidos pelos principais personagens do escândalo, estão tráfico internacional de drogas; corrupção de agentes públicos; sonegação fiscal; evasão de divisas; extração e contrabando de pedras preciosas; e desvio de recursos públicos.
Durante a sétima fase da operação, chamada “Juízo Final”, foram expedidos 85 mandados de busca e apreensão; decretadas 24 prisões preventivas, incluindo 5 presidentes; e bloqueados mais de R$ 700 milhões em nome dos empresários. Entre as 9 empresas privadas envolvidas, estão empreiteiras que mantinham negócios regulares com a Petrobras e sempre venciam as licitações fraudadas em seu favor: Mendes Júnior, Galvão Engenharia, Camargo Corrêa, OAS, UTC/Constran, Queiroz Galvão, Engevix, Iesa e Odebrecht.
O valor estimado de contratos firmados entre as empresas e a Petrobras é de R$ 59 bilhões. Segundo as investigações, 3% do valor das obras eram destinados sobretudo a 3 partidos: PT, PMDB e PP. O negócio era praticado sob a supervisão de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, que repassava o dinheiro desviado a políticos do Partido Progressista, e é investigado pela compra superfaturada da refinaria de Pasadena, no Texas.
O principal articulador da operação era Alberto Youssef, especialista em lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Sua atuação lhe garantia repasses generosos das empresas beneficiadas pelos contratos com a Petrobras, depositados em contas de pelo menos 14 empresas de fachada mantidas por ele. Tanto Costa quanto Youssef assinaram acordos de delação premiada e têm colaborado com Polícia Federal em depoimentos na sede do órgão em Curitiba.
Com o início da corrida presidencial, em julho, o cenário espetaculoso foi potencializado. A Petrobras tornou-se a principal arma de uma oposição carente de propostas, mas municiada pela ampla rejeição ao Partido dos Trabalhadores e a colagem entre Dilma Rousseff e escândalos de corrupção nos 12 anos da sigla à frente do Planalto. Quase funcionou: Aécio Neves foi ao segundo turno e teve 50 milhões de votos sem precisar apresentar nenhuma alternativa de gestão, de fato, aos eleitores. Engatou no esmorecimento da candidatura de Marina Silva e fez todo uso possível dos vazamentos dos depoimentos de Paulo Roberto Costa e de Youssef.
Aplicados em doses cavalares, apesar de seletos, os vazamentos provocaram uma verdadeira pancadaria nas eleições. De um lado, o PT acusou funcionários da Polícia Federal de atuarem em benefício dos tucanos durante uma investigação que deveria ser neutra e a imprensa de dar voz a evidências meramente testemunhais de criminosos confessos. De outro, o PSDB e seus aliados surfaram à vontade na onda do antipetismo já à beira da esquizofrenia.
Em primeira e última instância, o esquema desmontado pela PF não corresponde ao existente nos sonhos de uma oposição delirante. Primeiro, porque, segundo as investigações, essa mesma estrutura criminosa atua há nada menos que 15 anos na Petrobras. Segundo, porque todos os grandes partidos estão envolvidos nesta malha imensa de negociações, seja da situação ou da oposição. Ignorado pelos tucanos, o depoimento em que Costa afirma ter pago, para o engavetamento de uma CPI da Petrobras em 2009, R$ 10 milhões ao então presidente do PSDB e candidato a deputado federal, Sérgio Guerra, é fundamental, mas não a única evidência disso.
Na lista de políticos beneficiados nestas eleições por doações das empresas envolvidas no último escândalo da petroleira, figuram Lucio Vieira Lima, Katia Abreu, Carlos Zarattini e Paulo Rocha, de PMDB e PT, mas também José Serra, Antonio Anastasia, Ronaldo Caiado, José Carlos Aleluia, Alberto Fraga e Alexandre Leite, de DEM e PSDB. De acordo com o Ministério Público Federal, é desta forma que a propina pode ser lavada e transformada em dinheiro legal.
Em São Paulo, a campanha de Alckmin foi abastecida com 76,8% das doações realizadas por empresas investigadas no cartel do metrô no estado, de acordo com a prestação de contas do próprio partido. Mas o fenômeno não é exclusivo do tucano, nem da região e muito menos das empresas em questão. Só no primeiro mês de corrida eleitoral, o grupo JBS doou R$ 52 milhões para os 3 presidenciáveis mais cotados e candidatos a deputado federal e governador em todo país. Investigadas pela Lava Jato, OAS, Queiroz Galvão e UTC Engenharia doaram mais de R$ 43 milhões em julho de 2014.
Nada disso é novidade. Aliás, nem o encontro entre Alberto Youssef e o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba é. Foi Sergio Moro quem desmascarou empresários e operadores do mercado de câmbio paralelo no Caso Banestado, entre eles o doleiro pivô das articulações envolvendo a Petrobras.
Por que, então, a Operação Lava Jato pode mudar o país para sempre, como disse a presidenta Dilma Rousseff? Em primeiro lugar, porque a prisão de corruptores é um fenômeno quase inédito num país que vive a chaga das relações ilegais entre empresas e o governo desde o projeto nacional-desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek nos anos 50. E, em segundo lugar, porque pode significar um ponto final nesta frouxa legislação eleitoral que, mais do que permite, incentiva suntuosas doações de empresas aos partidos durante as campanhas.
Ao negar a corrupção como um problema estrutural, o que quer parte da oposição é nada além de uma volta ao comando das operações fraudulentas, que sempre existiram nos altos e baixos degraus do poder, mas só combatidas conforme conveniência. É o que explica o silêncio sepulcral da imprensa sobre a reforma política, a mesma imprensa que denuncia aos berros os escândalos petistas. Foram 7,4 milhões de assinaturas a favor do plebiscito para a formação de uma assembleia constituinte. Nem Bonner, nem Aécio: nenhum dos figurões anticorrupção se manifestou sobre o assunto.
Também pudera: um dos objetivos da reforma é justamente acabar com o financiamento empresarial das campanhas eleitorais, limitar o privado e privilegiar o público, quando a militância faz realmente a diferença. No segundo turno, as caravanas puxadas por Lula e Dilma colocaram milhares de pessoas nas ruas dos 4 cantos do país.
De nariz torcido para a reforma e ainda sob os efeitos da indignação pelo 4º mandato petista consecutivo no Planalto, o Congresso barrou até a Política Nacional de Participação Social, que na prática legitimou um mecanismo popular de controle dos gastos públicos, mas que serviu de gasolina para incendiar a imaginação paranoica do anticomunismo em pleno século XXI. Sinal dos tempos em que, contra uma “ditadura bolivariana petista”, pede-se a volta de outra, que realmente existiu, com os militares no poder.
Tida como culpada, hoje a Petrobras é vítima da inação causada pela personalização das práticas corruptoras no Brasil. Apesar de ainda ostentar o maior valor de mercado de toda a América Latina, as cotações da petroleira na Bolsa de Valores de Nova Iorque caíram 31% este ano por conta das investigações.
E olha que o cenário já foi muito pior. Ricardo Semler, empresário tucano, causou alvoroço ao sustentar, na Folha de S. Paulo, que “nunca se roubou tão pouco” na Petrobras. Confessou ter desistido, após 40 anos de tentativas, de prestar serviços à estatal graças aos esquemas, à época conhecidos mundialmente. Por fim, classificou a recente prisão dos executivos como “um passo histórico para o país”. Mesmo sem provas, o jornalista Paulo Francis denunciou a empresa, em 1996, como “a maior quadrilha que já existiu no Brasil”. Foi processado nos EUA com pedido de indenização de 100 milhões de dólares. Tudo isso muito antes da chegada de Lula a Brasília.
Ainda é cedo para mensurar quais todos os desdobramentos da Operação Lava Jato para o governo, o PT, a Petrobras e mesmo a Polícia Federal. Mas tudo o que se sabe até aqui sobre o caso aponta não para um escândalo, mas uma rede regular de negociações que ultrapassam as barreiras de siglas partidárias, entes federativos e empresas. Se isso tudo vai mudar o país para sempre, como projetou a presidenta, depende em grande parte dos rumos de uma reforma política que hoje mais assusta do que instiga.
Longe de absolver o Partido dos Trabalhadores – cada vez mais atolado em denúncias -, encarar a corrupção menos como desvio de comportamento casual e mais como parte do DNA do modelo político consolidado no país é o primeiro passo para que o lava jato não vire só mais um chuveirinho.
Abraços,
Murilo
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