quinta-feira, 30 de abril de 2015

Todos pela Educação?

por JESSICA LEME

Foto: Daniel Castellano, jornal Gazeta do Povo, Curitiba PR (29/04/2015)

Tive planos de escrever hoje sobre toda a simbologia do 1° de maio, dia do trabalhador, trabalhador esse que tem sofrido duros golpes e imensas ameaças perante a possível aprovação da lei de terceirização, lhes retirando muito do que foi conquistado sabemos nós com o suor e sangue dos que lutaram durante todo o século XX por direitos básicos. 

Mas, diante do caos e vergonha estabelecidos na educação do país, mais especificamente em São Paulo e principalmente no Paraná, ficou impossível não escrever sobre os sobreviventes da educação no Brasil, os professores. Sem panfletagem barata, sem jargões aos quais não temos mais espaço nem estomago. Se nós somos “todos pela educação”, até quando deixaremos os educadores gritarem e lutarem sozinhos?

Professores em ebulição, Estado inerte. Contabilizei num primeiro momento nada mais nada menos que nove estados do país com professores em situação de greve, com indicativos de greve ou em “estado de greve”, são eles: São Paulo completando mais de 30 dias parados; Paraná o qual voltou à greve nessa última segunda feira em resposta ao não cumprimento dos acordos feitos com o governo; Santa Catarina já conta 38 dias parados; no último dia 24 de abril os professores do Piauí iniciaram sua greve; Goiás tem seus professores em greve desde o dia 14; a Bahia também teve professores municipais em greve; o Estado do Pará tem seus educadores também parados; Pernambuco entrou na greve também este mês; e para finalizar por hora o Distrito Federal iniciou greve no dia 12.

Todas essas greves não nasceram de uma pequena indignação, de uma pequena parcela de professores, de um ato falho dos governos em determinados locais do país. Essas greves, esse desejo de mudança drástica misturada com a revolta alimentada pelos anos de humilhação dos educadores do Brasil, há campanhas e mais campanhas políticas ouvindo e esperando as promessas gloriosas pronunciadas em prol da educação se desmancharem no ar. Essas greves, esse sentimento de luta e de lutar até morrer se preciso for foi plantado em nós estudantes de licenciaturas, professores, e demais servidores da educação a gerações. A educação brasileira esperava passivamente há décadas as promessas que nunca vieram a serem cumpridas.

Charge blog do RAONI http://blogdoraoni.com.br/

Há anos noticiamos a situação da escola pública, há anos sabemos que nenhum professor no Brasil recebe seu piso salarial, que a grande maioria dos profissionais tem pós-graduação ou são especialistas, mestres e mesmo assim muitos governos não reconhecem financeiramente seu valor. Usamos púlpitos, palanques, mídias sociais para reclamar nossa insatisfação com nossos resultados em exames educacionais pelo mundo. Fazemos piadas com alunos que não sabem calcular, escrever uma boa redação ou sequer sabem compreender o que leem. Tememos que nossos filhos decidam seguir carreira como professores, e enquanto professores desestimulamos alunos de licenciaturas a seguirem com a carreira. Sou professora, ouvi isso de meus professores de estágio e já fiz isso enquanto professora de estágio.

Todos os estados que possuem profissionais da educação em greve têm em suas pautas de reivindicações propostas como o pagamento do piso salarial, melhoria nas condições físicas das escolas, salas de aulas com limitação de 35 alunos (respeitando sua faixa etária), planos de carreira, tickets alimentação, vale transporte, equiparação salarial com demais servidores do estado com o mesmo nível de formação um plano de saúde.


O mais incoerente em nosso país é a parcialidade da mídia em relação ao trato dos movimentos sociais que envolvem a educação. Diante de um momento de crise nacional no setor encontramos pequenas notas, ou reportagens vagas e de curtíssima duração sobre o assunto nos telejornais. Muito menor ainda é a resposta que a sociedade civil parece dar ao movimento de educadores, que na grande maioria das vezes são colocados como insubordinados e vilões da educação pelo fato de “paralisarem” as atividades escolares.

Para tratarmos de casos mais drásticos a meu ver como no caso são dois estados de grande economia e maior número de alunos. São Paulo há anos enfrenta greves de professores que infelizmente poucas vezes trouxeram resultados efetivos a categoria. Com a política muito bem planejada de massacre à educação no estado, mesmo com um grande número de professores paralisados as escolas continuam funcionando, dando a falsa impressão de normalidade através de professores contratados por horas aulas, onde substituem os profissionais efetivos em greve. No Paraná onde a categoria nos últimos anos conseguiu a conquista mesmo que a duras penas de um plano de carreira estável, vê seu plano previdenciário ser dilacerado por uma manobra do governo para aliviar dívidas do Estado.

Na contramão de todo e qualquer discurso político e social vemos uma onda de barbáries ocorrendo para com os profissionais da educação. Na última sexta feira (24/04/2015) professores em greve em São Paulo tentaram invadir a Secretaria de Educação a fim de chamar a atenção do governo paulista que continuava mesmo após mais de 30 dias de greve negando a existência do movimento grevista. Houve confronto entre policiais e professores, estes estavam sem armas, muitos naturalmente saíram gravemente feridos.

Nesta tarde a cena volta a se repetir no estado do Paraná em pleno centro da cidade de Curitiba onde se reuniam cerca de 30 mil professores em greve lutando contra o roubo da previdência. Um contingente de 1.5 mil policiais, entre estes a tropa de choque, cavalaria e cães, iniciou o ataque aos servidores públicos assim que a votação do projeto iniciou-se no interior da Assembleia Legislativa. 

Não me cabe fazer um relatório de tudo o que ocorreu de violência nos dois casos, fato é que ambos tratam-se de profissionais da educação desde os níveis básicos até os de última instância do ensino superior. Todos estão nas ruas travando uma luta que deveria em tese ser de todos os brasileiros. Todos aqueles que usam sua camiseta da seleção para “protestar” em belos domingos de sol contra a corrupção que em seus olhos só tem um lado e uma cor. A luta pela real educação de qualidade e pelo respeito ao profissional formado e gabaritado que é a realidade da grande maioria dos professores do Brasil. Pelo respeito que também devemos aos alunos que invariavelmente deixamos desassistidos pelas péssimas condições físicas e materiais de nossas escolas públicas, e mesmo aqueles que podem pagar pelo bem estar de seus filhos em colégios particulares, estes também devem aos professores muito da formação de seus filhos enquanto cidadãos de bem.

Só me faço uma pergunta. Onde estão aqueles que bradejam contra a corrupção e se acovardam em lutar ao lado dos professores pela educação de qualidade para todos e todas?

quarta-feira, 29 de abril de 2015

A morte da utopia

No discurso pseudo-pragmático, a utopia tornou-se objeto de repúdio e descaso. Em tempos de descrença, a sua morte significa o fim da esperança. Sem ela, o único caminho é para trás

por MURILO CLETO



Eu estava na abertura de uma conferência sobre os direitos da criança e do adolescente. Com algumas horas de atraso, lideranças puseram-se a falar sobre o tema com uma paixão contagiante. Uma delas insistiu na ideia de que o encontro precisava de sugestões concretas e não utópicas. Repetiu diversas vezes a sentença pra fixá-la. 

Logo depois, foi a vez de outra, que, recuperando a máxima da primeira, pediu encarecidamente aos participantes que deixassem grandes divagações de lado para concentrarem-se no verdadeiro problema. O evento apenas começava, mas o que havia de errado entre os jovens já estava detectado e ali exposto: a família, segundo ele, está desestruturada. Os pais não vêem a hora de entregar os filhos na escola para que a educação, uma obrigação privada, seja realizada pela escola. Além disso, o filho, que deveria enxergar nos pais o exemplo da disciplina, está acostumado a vê-los levantarem ao meio-dia porque não trabalham, mas vivem de alguma "bolsa não sei o quê". Seguindo o raciocínio, continuou, o pai vai preso e a mãe se sujeita ao tráfico para manter o sustento da casa.

Em primeiro lugar, a fala parte do pressuposto de que crianças são, já de antemão, um problema. Segundo, e mais grave, anuncia o triunfo de um discurso exclusivamente retórico que tomou conta da vida pública de um modo irremediavelmente preocupante. Em que pese ser absolutamente legítimo inferir que a concessão de bolsas leve à vadiagem, à criminalidade e à formação de crianças delinquentes, o raciocínio especulativo tem cada vez mais deixado o espaço da intimidade para ocupar a agenda pública do país.

Do sofá da sala para a abertura da conferência, a ideia percorreu um longo caminho. A começar pelo fato de que descendem das guerras culturais uma imposição autoritária do discurso moral sobre o político. Como sustenta Pablo Ortellado, "há apenas dez anos, comentaristas conservadores como Olavo de Carvalho ainda eram figuras folclóricas no jornalismo brasileiro. Nos últimos anos, porém, os meios de comunicação de massa incorporaram tantos conservadores que eles passaram a dar o tom geral do jornalismo de opinião. Dentro e fora da imprensa, todo debate político hoje é dominado por um discurso de ódio que coloca temas morais como o combate ao homossexualismo e o endurecimento penal em primeiro plano e subordina as questões econômicas e sociais a essa visão de mundo punitiva."

Mais do que isso, a moralização do discurso também sobrevive a partir de uma lógica pseudo-pragmática que associou as utopias ao universo da fantasia, senão relegadas ao repúdio, ao menos ao descaso. "Vamos debater não utopias, mas propostas que possam realmente ser colocadas em prática", é o que disseram na conferência. Em tempo: é o que as lideranças disseram na conferência.

Baseada também numa fantasia, a noção de que as utopias estão descoladas da realidade sobrevive da mesma lógica que acusa. Em primeiro lugar, porque desconhece-se o que de fato significam as utopias e, em segundo lugar, porque nada deste pragmatismo anunciado da negação à utopia é real, mas tem funcionado como nunca. 

É o que explica a ascensão de pautas carentes de empirismo, mas recheadas de anseios particulares, como é o caso da aprovação da proposta de redução da maioridade penal pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. De nada adiantam as estatísticas diante da impressão íntima de que maiores cooptam menores para o mundo do crime diante da ausência de punição. "O ECA é utopia", eles dizem. Da mesma forma, a crescente noção de que o medo da punição nos torna mais dóceis tem provocado euforia sobre a execução de brasileiros na Indonésia. "Defender criminoso e direitos humanos é utopia".

No último dia 13, o escritor Eduardo Galeano faleceu em Montevidéu, no Uruguai. Dentre tudo o que produziu, destaca-se uma reflexão nunca tão urgente quanto agora: "A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar."

Em tempos de descrença, a morte da utopia é o fim da esperança. Sem ela, o único caminho possível é para trás.

Abraços, 
Murilo

terça-feira, 28 de abril de 2015

Os Gladiadores do Altar

Tropa de Elite de Cristo ou Escravos da Idealização?

por LUCAS SANTOS


“Esses gladiadores vão nos ajudar a entrar no inferno e ganhar almas. O altar não é para criança, menino ou para quem quer brincadeira. É para quem quer lutar pelo povo, e se preciso dar a vida por ele”. (Trecho transcrito da apresentação dos gladiadores em Fortaleza por Miguel Martins – Carta Capital)



Deparamo-nos, nos últimos meses, com mais um episódio do amor cristão, expresso na arregimentação dos jovens fiéis da neopentecostal Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) para a formação do grupo denominado “Gladiadores do Altar”.

O grupo, constituído por jovens de 12 a 26 anos que recebem um treinamento específico baseado nos ideais de disciplina militarista, visa, segundo nota publicada no site oficial da IURD, a “formação de jovens vocacionados para a propagação da fé cristã.”



Vários vídeos foram ao ar no canal da IURD no You Tube e mostram os jovens entrando marchando em fila, como um destacamento militar mesmo, utilizando roupas camufladas ou em tom de oliva com estampas onde se vê uma espada e um escudo com as iniciais G. A., em referência ao nome adotado pelo grupo. 

Após a apresentação dos grupos – eles acontecem em vários estados brasileiros e em algumas filiais argentinas da igreja – pelos pastores e seu treinador os jovens batem continência aos gritos de “O ALTAR! O ALTAR! O ALTAR!” com o braço direito estendido em um ângulo de 45º.

O antropólogo brasileiro Ronaldo de Almeida ao comentar sobre o caso lembra que a tradição militarismo/religião é prática constante no Brasil e aponta os grupos da Tropa de Louvor, ligada ao BOPE – Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar – e os PM’s de Cristo como manifestações desse ideário, demonstrando, então o contexto propício para a idealização desse tipo de movimento.

Já o diretor da Faculdade de Teologia da PUC – SP, Pd. Valeriano Costa diz que a ideia de militarização para profecia da fé já demonstrou sua ineficácia em vários casos e vai, inclusive, contra a ideologia religiosa que entende a luta como pertencente não aos homens, mas ao Cristo que está por ressuscitar.


Ambos entendem, no entanto, a prática como parte da valorização à estética das ações muito presente na instituição, que pode ser notada, entre outros episódios, como a construção do Templo de Salomão ou a adoção de encenações religiosas que simulam ritos judaicos, possibilitando, assim, sua compreensão como uma estratégia comercial.

Em nota dirigida à redação de O Povo a assessoria de imprensa da IURD diz que a aparição do grupo nos vídeos ocorreu em “eventos únicos, com coreografia ensaiada para marcar festivamente a ocasião. Desde então, em cada localidade, tais eventos não se repetiram mais e nem se repetirão."

A iniciativa não tem agradado, porém, grupos religiosos distantes dos ideais neopentecostais, principalmente os de matriz afro-brasileira, visto que estes são constantemente perseguidos por universalistas e outras classes evangélicas, por serem considerados infiéis ou adoradores do demônio.

Perante o quadro crescente de radicalização em diversos setores, devemos, no mínimo, olhar com atenção para iniciativas como esta que podem contribuir para o crescimento da intolerância.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

O Genocídio Armênio: Uma questão que nos diz respeito

por LUISA DE QUADROS COQUEMALA


No dia 24 deste mês, completaram-se cem anos do primeiro genocídio do século XX: o genocídio armênio. Poderíamos, num primeiro momento, pensar em causas: a temeridade turca de que os armênios apoiassem a Rússia na primeira guerra, o território estratégico da Armênia, o ódio muçulmano para com os armênios (o primeiro povo na história a aderir o cristianismo como religião oficial), o sentimento nacionalista dos Jovens Turcos e do Comitê União e Progresso. Em cem anos de história, motivos não faltam. Contudo, acredito que nenhuma explicação seria eficaz. Aliás, não consigo ver justificação para uma atrocidade tamanha. E, para tanto, não há que ir muito longe – basta a leitura de dois breves testemunhos:

“Mulheres com criancinhas ao peito ou nos últimos dias de gravidez eram obrigadas a caminhar à força de chicotada, como gado. Sei de três casos diferentes em que a mulher deu à luz durante a marcha e veio a falecer de hemorragia, por causa de seu brutal condutor tê-la obrigado a apressar o passo. Algumas das mulheres ficavam tão cansadas e incapazes de qualquer ação que deixavam cair as crianças à beira da estrada.” 
“No Eufrates, os bandidos e gendarmes lançaram no rio todas as restantes crianças com menos de 15 anos. As que sabiam nadar eram mortas a tiro enquanto se debatiam na água.”

O que dizer diante de relatos tão cruéis? Como se conformar com o extermínio de um milhão e meio de armênios de modo tão frio? As ordens de Talaat Paxá e Enver Paxá, ministros otomanos do Interior e da Guerra, foram frias e claras: matar todos, e isso inclui mulheres e crianças – principalmente as crianças, afinal, elas serão a vingança de amanhã. Os homens armênios que estavam no exército tiveram suas armas confiscadas e foram mortos da maneira mais covarde possível; os intelectuais armênios foram perseguidos; as famílias armênias tiveram que abandonar suas casas e marchar pelo deserto Der-el-Zor, que virou um verdadeiro campo de concentração, onde reinava a violência, os abusos, os estupros, a inanição.

O próprio Hitler, antes do holocausto, declarou: “Quem lembra do extermínio dos armênios?”. Nos dias de hoje, ainda dói escutar isso. Pesquisar sobre o genocídio armênio é dar de cara com um desconhecimento geral, com uma falta de preocupação voluntária. Porque, apesar de ter acontecido há um século, o genocídio armênio diz respeito a toda humanidade. Todo dia em que não se debateu ou não se tentou esclarecer tal atrocidade é um dia perdido para quem luta por paz. 

A Turquia, grande responsável pela matança, nega o ocorrido até hoje. Contra um mar de desculpas e de uma birra que parece a de uma diplomacia infantilizada ao extremo, há documentos, relatos e fotos que provam o contrário. E, acima de tudo, há países que assumem sua posição e lutam em prol do reconhecimento do genocídio armênio. O Brasil, mesmo tendo uma importante comunidade armênia - sobretudo em São Paulo -, ainda não reconhece o genocídio. Neste caso, a ONU, a União Europeia e outros 22 países fazem a sua parte.

A afirmação do genocídio armênio é muito mais do que tomar conhecimento de um fato histórico: é lutar contra uma injustiça e, de certo modo, é impedir que essa mesma injustiça volte a acontecer. Antes de exigirem suas terras e bens materiais de volta, os armênios querem, acima de tudo, que a sua dignidade seja reconstituída. Um povo tão exemplar merece o nosso respeito e solidariedade. O governo do Brasil deveria, antes tarde do que nunca, reavaliar a questão, baixar a cabeça e, humildemente, fazer um pedido de perdão que espera cem anos para ser feito.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

O cinismo tucano

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR


Aécio Neves processou 66 pessoas responsáveis por contas no microblog Twitter, sob a alegação de que os mesmos criavam conteúdo ilícito, ofensivo e mentiroso, constituindo uma "rede virtual de disseminação de mentiras e ofensas" durante a corrida presidencial. O candidato afirmava que os blogueiros eram pagos para atacar os candidatos e disseminar conteúdo negativo sobre eles. 

Altamiro Borges e Pablo Villaça, dois dos processados por Aécio Neves, se defenderam. O primeiro afirmou que Aécio “é o rei da censura em Minas Gerais e, se fosse na época da ditadura, ele poderia ser um grande general”. Enquanto o segundo publicou que “Em 2014, AE-5 Neves ainda não entendeu o que é democracia e liberdade de expressão. Quer me censurar judicialmente. Não adianta querer me calar judicialmente, @AecioNeves. Moro em MG, conheço sua gestão pavorosa e tenho PLENO DIREITO de gritar isso”.

Passados cerca de 6 meses da corrida eleitoral, o jornal Folha de São Paulo denunciou que o governo do Estado de São Paulo pagou R$ 70 mil reais mensais entre outubro de 2014 e março deste ano para o blogueiro Fernando Gouveia. Mais conhecido como “Gravataí Merengue”, o responsável pelo site Implicante, que tem como principal objetivo divulgar conteúdo antipetista, negou que o dinheiro tenha origem ilegal. O mesmo afirmou ainda que a sua empresa, Appendix, foi subcontratada pela Propeg para realizar serviços para o governo do Estado. 


Além de Fernando, João Dória Junior, empresário responsável pelo movimento “Cansei” durante o governo Lula e defensor ferrenho do impeachment de Dilma Rousseff, o tucano recebeu entre março e setembro de 2014, R$ 595.175,00 por meio da Doria Editora.

Dessa forma, o PSDB que promoveu uma verdadeira “caça as bruxas” durante a corrida presidencial “prova do próprio veneno”, ao utilizar dinheiro público para financiar blogs e publicações de partidos. No mínimo apresenta lastros de uma hipocrisia que o acompanha historicamente, ou seja, do velho bordão “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Bateu, Levou?! Divisão política e o futuro de Itararé

por LUIS FELIPE MACHADO DE GENARO


A oposição à gestão Ghizzi na Câmara de Vereadores parece não compreender o óbvio. Senhores da “coisa pública” como se privada fosse, insistem nos quinze minutos que o cargo lhes oferece, elevados pelo púlpito do espetáculo, que a história recente de Itararé não sofreu transformações face os ocorridos dos últimos dois anos – hoje, dizem, alvos de “perseguição política”, sendo seus cargos “desrespeitados” pelo Executivo. 

Não recorda a vereança de décadas anteriores, não muito distantes, onde a verdadeira perseguição política, o silêncio e o coronelismo eram os pilares que sustentavam as relações entre o Executivo, o Legislativo e a comunidade itarareense? 

Contrários ao governo Ghizzi temem a mulher que está no gabinete não apenas pelo pulso firme que possui, mas pela honestidade que lhe é peculiar. Todos nós sabemos que, em Itararé, “honestidade” é uma palavra que incomoda muita gente. 

O grande líder da oposição política e midiática sabe muito bem disso. Eloquente e observador, nota que Cristina finalmente se levantou contra os ataques, difamações e distorções maléficas lançadas pela oposição na Câmara, por desocupados nas redes sociais e pela mesma imprensa retrógrada que corrompe há anos corações e mentes de itarareenses. O nobre edil estaria preocupado com o discurso bem fundamentado e sem politicagens de Cristina? 

A prefeita não pode descansar. O poder de sua voz e a força de seus atos precisam ser sentidos. Indo à rádio semanalmente já é um bom começo. Se conformar com o “bateu, levou” dito em uma das últimas sessões da Câmara, seria fraqueza – algo que não lhe é característico. Durante dois anos, desde a primeira semana de sua gestão, ela e seu secretariado têm apanhado sem cessar. Diferente do que ocorria com outros prefeitos e suas administrações, lavadas na mesmice, no descaso e na corrupção. 

Não obstante, aliados de Cristina na Câmara começam a sentir o peso de auxiliar uma gestão que, aos trancos e barracos, tem a mudança, o bem-estar público e a transparência como norte. Hoje, pessoas que trabalharam uma vida em prol da população estão sendo massacradas pelo opositor-mor e seus comparsas. Uma coisa eu lhes digo: agora, mais que do que nunca, precisamos nos unir, diferenciando amigos de inimigos. 

Diferente do que almejam uns e outros, baseados em um gritante senso comum, o Legislativo e o Executivo de Itararé nunca poderão trabalhar juntos em prol da população, isso porque na Casa de Leis muitos não possuem tal interesse. Os lados da política itarareense estão finalmente delimitados, havendo um risco de giz que separa uns de outros. Creio que até o próximo outubro eleitoral, o jogo mudará. Contudo, nada será surpreendente. 

A geração de alunos que Cristina Ghizzi formou ao ensinar com maestria a História do Mundo foi uma geração que aprendeu a pensar e a questionar o lugar que vive. A geração que formou é aquela que nasceu dos conflitos de seu governo, de seu tempo como chefe do Executivo. Um tempo – lembremos! – que não acabou e nem merece acabar. 

É a mesma geração que está lutando e irá lutar com unhas e dentes pela justiça social e a honestidade em Itararé. Um aviso aos opositores do povo: já somos um coletivo e um novo partido, ambos embrionários de sua gestão, de suas aulas e de suas ideias. 

“Bateu, levou?!”. Bem, aos aliados na Câmara, aos secretários da gestão, simpatizantes e partidários da boa política, uma coisa é certa: levantemos com a cabeça erguida e batamos outra vez. Respondam, processem, contra argumentem, escrevam, reajam. Calados? Não ficamos, nem ficaremos mais.

Manifestações e a Lei de Gérson: corruptos contra a corrupção

por SANDRO CHAVES ROSSI


Gérson foi um meia armador tri campeão mundial pela Seleção Brasileira de Futebol em 1970, era conhecido como "Canhotinha de Ouro" devido sua grande habilidade em armar jogadas. Porém, Gérson ficou mais conhecido por causa de uma propaganda de cigarros da marca "Vila Rica", feita em 1976, em que ele diz a seguinte frase: "Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo que eu quero de um bom cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, leve Vila Rica!". Desde então, foi postulada a Lei de Gérson, ou a Lei da Vantagem, que consiste em sempre querer levar vantagem em tudo, independente da situação.

Querer levar vantagem em tudo é muito comum, vemos isso diariamente em diversas situações, até mesmo nós nos encaixamos em algumas delas, o grande problema é quando somos vítimas, mesmo sem saber, da famosa Lei de Gérson. Bem, como já vimos várias vezes, as últimas manifestações se mostraram um prato cheio para diversas análises, aqui mesmo no blog elas já foram bastante exploradas várias vezes e por diversos autores. Mas por que eu ainda estou batendo na mesma tecla? Porque estamos sendo enganados a todo momento, dos grandes nomes do "contra-tudo-que-está-aí", a maioria está envolvida em diversos escândalos e por puro oportunismo estão indo nas manifestações, alguns até mesmo estão criando grupos e ajudando a organizar essas manifestações.


Nas últimas manifestações, vimos o senador e presidente do DEM, Agripino Maia, levantando cartazes e gritando juntamente com a multidão pedindo um basta contra a corrupção, porém dias depois o senador foi acusado por um empresário potiguar de ter sido chantageado pelo senador para permitir um esquema de corrupção no serviço de inspeção veicular pela Operação Sinal Fechado do Ministério Público Estadual, em 2011. Segundo o empresário, Agripino teria cobrado uma propina no valor de R$ 1 milhão para permitir que o esquema ocorresse sem interferência. Agripino Maia disse que tal acusação foi uma "infâmia", mas não conseguiu acalmar os ânimos da situação e o Supremo Tribunal Federal abriu um inquérito para investigar o senador, que até agora, não pronunciou mais nenhuma palavra para se defender.


Juntamente com Agripino Maia está o também senador pelo DEM, Ronaldo Caiado, que tem um histórico interessante envolvendo inúmeros casos. O senador é bastante conhecido por fazer oposição ao Mais Médicos do Governo Federal, principalmente aos médicos cubanos, e não poupa teorias conspiratórias para justificar sua insatisfação contra os médicos dessa nacionalidade. Ano passado, Caiado armou um esquema com uma das médicas cubanas, Ramona Matos Rodrigues, que dizia trabalhar em condições extremamente precárias aqui no Brasil e que era escravizada pelo governo cubano. Há ressalvas em relação à Cuba, porém o esquema foi descoberto quando a Drª Ramona pediu asilo nos EUA e não no Brasil, na verdade, Ramona fez tudo isso para pode ficar junto com o seu namorado, que morava em Miami. Ronaldo Caiado não se pronunciou depois do esquema ser descoberto, mas soou bastante hipócrita da sua parte, pois ele alegava que a médica era escravizada no mesmo ano em que ele votou contra a PEC do trabalho escravo. O senador ainda é investigado por ter recebido dinheiro de duas empresas envolvidas na Operação Lava Jato, que o ajudou a fazer a terceira campanha mais cara para o Senado em 2014.

Outro que vive dando as caras em entrevistas durante os protestos é o senador Alvaro Dias (PSDB-PR). Recentemente, um escândalo envolvendo a Prefeitura de Maringá foi descoberto, o esquema aconteceu de 1986 a 2000 e beneficiou cerca de 130 pessoas em 11 estados diferentes. Não há um valor preciso de quanto foi desviado porque a investigação ainda está acontecendo, porém um montante de cerca de R$ 110 milhões já foi dado como certo no desvio. O pivô do esquema é o ex secretário da Fazenda da Prefeitura de Maringá, Luís Antônio Paolicchi. Em depoimento, o ex secretário disse que uma parte do dinheiro desviado foi usado para a campanha de Alvaro Dias, despesas que incluíam o fretamento de um avião do doleiro Alberto Youssef para o senador. Esse ano, na delação premiada, o ex diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa afirmou que Sérgio Guerra (PSDB-PE), então presidente da comissão, recebeu R$ 10 milhões para ajudar a esvaziar a CPI da Petrobras em 2009, quando era presidente do PSDB, Alvaro Dias era um dos representantes nessa CPI e deixou a comissão em outubro de 2009, fato que reforçou mais ainda as investigações sobre ele.


O PSDB é o maior partido da oposição e está envolvido em inúmeros escândalos, desde o Caso Sivam na era FHC até o escândalo da CPTM, do Mensalão Mineiro e do rombo bilionário na saúde mineira - vale lembrar daquele debate presidencial em 2014, em que Dilma Rousseff fala para os eleitores averiguarem a veracidade da informação no site do TCE e o mesmo é retirado do ar em poucos minutos. As mesmas acusações valem para o DEM, que é o partido com o maior número de políticos cassados, e ao PP, que é a maior "vítima" da Operação Lava Jato, com 32 integrantes investigados. Além disso, esses partidos políticos se mostraram contrários à inúmeras pautas progressistas como a PEC do trabalho escravo e se mostram favoráveis a políticas que perpetuam o monopólio ruralista e destroem a identidade indígena como a PEC 215 e a desvalorização do trabalhador com a PL da terceirização. Vale ainda reforçar a parcialidade desses partidos quanto as investigações, como foi o caso do PSDB que no começo votou contra a CPI do HSBC, que atinge boa parte da elite brasileira, e só foi favorável depois de uma grande repercussão negativa na mídia.


Se engana quem acha que esse texto é contra as manifestações, todos temos o direito de nos manifestar, de mostrar a nossa indignação, de lutar por um bem comum a todos. Porém a Lei de Gérson é mais comum do que pensamos e está sendo usada para levar vantagem na insatisfação e no ódio de uma sociedade embriagada de falsas promessas e esperanças vazias. Portanto, quando for sair de casa para se manifestar com a camiseta da CBF e com a cara pintada para pedir o fim da corrupção, não se esqueça: todos são contra a corrupção, até mesmo os corruptos.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Sim, isso lhe diz respeito

por CLÓVIS GRUNER

Edward Hopper: Nighthawks

Nos dias seguintes ao beijo gay entre as personagens de Nathalia Timberg e Fernanda Montenegro em uma novela global, um pequeno texto repercutiu amplamente nas redes sociais ao funcionar como um contraponto às vozes conservadoras e fundamentalistas que denunciaram, mais uma vez, a destruição da “tradicional família brasileira”. Escrito e publicado originalmente em uma página pessoal do Facebook o texto, intitulado “Alguns esclarecimentos importantes”, teve quase 27 mil compartilhamentos só naquela semana. 

Parte desta repercussão se explica, acredito, pela sua objetiva simplicidade. Logo nos primeiros três parágrafos lemos que o casamento gay é facultativo e que ninguém é obrigado a beijar alguém do mesmo sexo; a adoção homoparental, por sua vez, tira uma criança do orfanato, “não uma criança da sua casa”. Ao final de cada explicação, a sentença: se você não é gay, nem uma criança em um orfanato, as leis que autorizam o casamento e a adoção gays não lhe dizem respeito. 

Em um ambiente cada vez mais intolerante, onde forças e grupos conservadores e religiosos parecem dispostos a colocar de joelhos quem quer que reivindique igualdade de direitos às chamadas minorias, a postagem e sua repercussão foram, de fato, uma lufada de esperança. O problema é que o texto recorre ao mesmo diapasão daqueles que critica. Embora tenha invertido o ponto de vista, seu discurso utilizou as mesmas categorias dos conservadores e fundamentalistas, ao insistir em manter na esfera do privado ‒ “isto não lhe diz respeito” ‒ aquilo que deve ser tratado como coisa pública. 

As tiranias da intimidade ‒ Em um livro fundamental, “O declínio do homem público”, o sociólogo norte-americano Richard Sennett defende que, principalmente ao longo do século XX, testemunhamos um crescente desmoronar da esfera pública. Se uma das características da cultura burguesa consolidada ao longo do século XVIII foi a separação simbólica, mas nem por isso menos política, entre público e privado, separação que tinha como função primordial estabelecer uma distância entre os dois espaços, os séculos seguintes assistiram a derruição desta fronteira, à medida que o mundo privado sobrepujou-se ao público.

No mundo moderno, explica Sennett, a palavra “público” não designa apenas “uma região da vida social localizada em separado do âmbito da família e dos amigos íntimos”. Mas também, e principalmente, a possibilidade de conviver com uma diversidade significativa de pessoas pertencentes a classes, gêneros, etnias, religiões, hábitos, etc..., distintos dos nossos e daqueles que nos são íntimos e familiares. Ao abolirmos a distância entre as esferas privada e pública, fragilizamos nossa capacidade de conviver com outro e passamos a tratar os assuntos e problemas públicos como se fossem, nas palavras do autor, “questões de personalidade”.

Cada vez mais o indivíduo contemporâneo vai ao público como um homem privado. Ele submete todo debate público ao crivo de sua personalidade, tomada como parâmetro de sua autenticação como ator social. A erosão de uma cultura pública, com o avanço e consolidação das muitas formas de “tiranias da intimidade”, forjaram indivíduos isolados e socialmente fragilizados. Os desdobramentos éticos deste “retraimento emocional com relação à sociedade”, além do esvaziamento do espaço público e o esgarçamento dos laços sociais, foi o aumento de nossa incapacidade de comunicar e intercambiar experiências comuns, condição fundamental para se tratar publicamente assuntos e problemas públicos, assumindo a porção de contradição e conflito intrínsecos à vida política. 

O triunfo do “eu” – Uma das contradições de nossa contemporaneidade é a de vivermos em um tempo marcado por um aparente pluralismo e pela facilidade de comunicação, ainda que mediada pela parafernália tecnológica cotidiana. Mas isso que alguns chamam de “o novo espaço público”, apenas raramente se traduziu na invenção de novas sociabilidades e no fortalecimento dos laços de proximidade efetivas. Antes, parece prevalecer a insegurança ante um mundo sem referências estáveis nem laços duradouros, onde o outro é visto não apenas como um estranho, mas uma ameaça a ser temida e em alguns casos, simplesmente eliminada. Esse estado de coisas, que antes sugere uma nova forma de barbárie, contaminou de maneira temo que indelével qualquer tentativa de debate público. 

Em discussões sobre política, tornou-se corrente o uso de termos como “idiota”, que eximem quem o utiliza de argumentar com o mínimo de razoabilidade. Se o assunto são os direitos humanos e das chamadas minorias – negros, gays e mulheres, principalmente –, os parâmetros para o diálogo, invariavelmente, reafirmam a incapacidade de compreender e conviver com as razões e motivações do outro em uma arena comum de coexistência, com a prevalência do “eu não gosto” ou o “eu não concordo” como arremedos de argumentação. Fala-se na precariedade das penitenciárias, na violência urbana e policial ou contra a redução da maioridade penal, e não faltará quem sugira “levar para casa” criminosos maiores ou menores de idade, porque não ocorre a quem o sugere que a segurança é um problema público, cujas soluções não são domésticas nem familiares.

O triunfo de um eu egoico e narcisista é um dos sintomas daquilo que, em texto lapidar publicado aqui no Desafinado, Murilo Cleto definiu como a “correlação entre o discurso moral e político”. Não por acaso são afetos afeitos principalmente ao mundo privado e íntimo, tais como o ressentimento, o medo e o ódio, aqueles que pautam hoje a vida pública e o debate político. Richard Sennett, ele de novo, diz que essa atitude revela uma forma de puritanismo. A troca entre preocupação pública e privada é característica de uma sociedade e de indivíduos incapazes de escapar da obsessão do eu e da autojustificação, reduzindo todo problema público à esfera privada e íntima e que, mesmo quando bem intencionada, prefere o cômodo, conservador e intimista “isto não lhe interessa” ao confronto franco e aberto na esfera pública.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

O homem pobre e o vagabundo

O que o imaginário oitocentista a respeito do trabalho ensina sobre a rejeição do brasileiro ao Bolsa Família

por MURILO CLETO


As leis que provêm o socorro dos pobres tendem a destruir a harmonia e a beleza, a ordem e a simetria desse sistema que Deus e a natureza estabeleceram no mundo.
[Rev. J. Townsend]


No final de março, o Ministério do Desenvolvimento Social anunciou os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística entre 2003 e 2013 sobre natalidade no país. De acordo com a Pnad, a média de filhos por família no Brasil caiu de 1,78 em 2003 para 1,59 em 2013, algo em torno de 10%. Entre os 20% mais pobres do país, a queda foi ainda mais acentuada, de 15,7%. No Nordeste, os 20% mais pobres reduziram a taxa de natalidade em 26,4%.

Os números expõem a fragilidade do discurso que sustentou grande parte da rejeição a programas assistenciais do Planalto, sobretudo o Bolsa Família. Especialmente nos últimos anos, os seus beneficiários tornaram-se vítima da fúria meritocrática que ancorou seu discurso em sentenças que atribuíram ao programa a responsabilidade pelo subsídio da preguiça. Além disso, caiu por terra a ideia de que há, entre os mais pobres, a tendência de procriar mais para receber mais subsídios do governo.

Apesar de meramente especulativo, o argumento pegou. E, ainda, com a batalha campal aberta nas redes sociais no entorno das eleições do ano passado, a máxima ganhou fôlego como nunca. Mas por que, mesmo ausente de quaisquer indícios, a retórica funcionou tão bem?

Em Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza, Maria Stella Bresciani escancarou os limites do progresso técnico-científico trazidos pela industrialização no centro do mundo capitalista. Os méritos deste texto não são poucos: pequeno mas profundo, o livro é tão sensível quanto preciso nos apontamentos das contradições que norteiam a modernidade, onde o luxo convive com a insalubridade numa mesma paisagem de contradições explícitas.

Um elefante na sala, a miséria precisou de um álibi, tal como a escravidão enquanto durou. Com a possibilidade algo inédita de ascensão social por meio do trabalho, a pobreza tornou-se objeto de um imaginário que a justificou como resultado inequívoco da indolência. Sinal dos tempos em que se consolidou uma nova forma de ver a relação do homem com o trabalho, pautada até então pelo desprezo absoluto.

De acordo com Bresciani, foi a partir de Locke e Smith, nas portas da industrialização, que a positividade do trabalho fixou bandeira no mundo ocidental. Antes disso, predominaram os resquícios de uma concepção que associou o trabalho à ausência de virtudes intelectuais e à pobreza. Essa nova valoração descende do século XVI, quando os calvinistas trouxeram a moral burguesa como contraponto a essa ideia através da máxima do apóstolo Paulo, que sentenciou: "Se um homem não trabalhar, também não comerá".

Na prática, a atribuição de um juízo de valor positivo ao trabalho provocou um novo olhar sobre a pobreza. Se por um lado é verdade que a miséria passou a ser objeto de preocupação e debates, sobretudo com Rousseau, por outro o imaginário oitocentista alimentou uma brutal intolerância contra a vadiagem.

Sob a luz do imaginário religioso ou racional, a atuação do Estado é permitida mediante o pressuposto de que a terra e o que vem dela foram dados à espécie humana e, por isso, todos têm direito à vida. Como descende dele a apropriação dos recursos naturais, o trabalho tornou-se a fonte de todos os valores da humanidade. Considerando que a vida é um direito natural do homem, mas, também, que o trabalho de um indivíduo é propriedade sua, Locke justifica a apropriação individual da terra - originalmente doada por Deus para a humanidade em comum. Como todo homem é proprietário de si mesmo, lhe é facultado o direito de vender a sua força de trabalho por uma remuneração, o salário.

Mas há, em Locke, mais do que um direito constituído nesta retórica. Por entender que os pobres carecem de outra propriedade além do próprio corpo, o filósofo considera o trabalho uma obrigação moral. Neste sentido, vadiagem e desemprego aparecem explicadas não por fatores políticos ou econômicos, mas por algo como a degradação dos costumes e o relaxamento da disciplina.

Smith vai além. Pautado no princípio de que a divisão especializada do trabalho resulta na otimização do tempo nas fábricas, o economista também credita ao modelo industrial uma concentração que não apenas atribui responsabilidade individual do sujeito quanto ao trabalho, mas também coletiva. Quer dizer, a divisão do trabalho tornou-se a metáfora perfeita para explicar a função social do trabalho: todas as partes precisam funcionar a todo vapor para que a produção como um todo seja satisfatória.

Também por isso, a pobreza passou a ser vista como um "tumor", cuja nocividade atinge não apenas o sujeito miserável, mas também o seu entorno. Tal como o fenômeno da metástase, o risco é que se espalhe e contamine a porção saudável da sociedade.

A Inglaterra do século XIX tratou com rigor a vadiagem que proliferava no seu interior. Aliás, mecanismos legais eram costurados para tratar do problema dos que não trabalham desde os seiscentos, no que Marx classificou como "a legislação sanguinária contra os expropriados". Em 1660, os quakers chegaram a propor uma Bolsa de Trabalho para que não houvesse mais mendigos no país. A intenção era fazer com que os pobres trabalhassem o suficiente para a própria subsistência e ainda restasse algo para a comunidade. Locke sugeriu algo semelhante quando, através do "sistema de imposto do trabalho", pretendia forçar os pobres a trabalharem para os contribuintes o equivalente ao imposto pago por eles. A ideia de não permitir que fossem os pobres "uma carga para a nação" contribuiu para a transformação de asilos em manufaturas e a criação de estabelecimentos de trabalho forçado nas paróquias que recrutavam crianças de até 3 anos.

Em 1831, os vadios custavam algo em torno de 7 milhões de libras aos cofres ingleses. Sob os protestos dos contribuintes, o acordo entre proprietários que assegurava uma complementação ao salário das famílias, conhecido como Speenhamland System, foi abolido - com o incentivo tanto do partido conservador Tory quanto da classe trabalhadora. A Nova Lei dos Pobres, de 1834, apesar de manter o princípio de auxílio aos que não trabalham, criou condições para a sua moralização, como a de que os beneficiários se inscrevessem nas workhouses.

200 anos depois dos ingleses, com a nova onda de inclusão de pautas morais no discurso político, o Brasil tem enfrentado uma verdadeira guerra de valores que circundam programas assistenciais financiados pelo governo. Graças à dinâmica das redes sociais, os boatos das mais variadas espécies ganham forma e ajudam a alimentar a rejeição sistematizada por Locke no limiar da modernidade. Dentre outros axiomas, circulam correntes de que o Bolsa Família funciona como sistema de compra de votos; que pessoas fazem fortuna com o benefício; que quem recebe não trabalha; e que os mais pobres têm feito mais filhos para poder se beneficiar do recurso.

Durante a campanha presidencial, o Bolsa Família gerou um imenso paradoxo. Ao mesmo tempo em que a oposição oficial e publicamente reivindicava sua paternidade, boa parte de seus cabos eleitorais atribuía ao PT a criação de uma legião de vagabundos. Em 2004, o site oficial do PSDB chegou a lançar um editorial intitulado "Bolsa Esmola" para se referir ao programa. Já em 2011, o senador tucano Alvaro Dias disse que “o Bolsa Família não tira ninguém da miséria. Mantém na miséria porque estimula a preguiça. Inclusive, há gente que não quer trabalhar porque não quer ter carteira assinada e perder o benefício”.

Apesar de falsa, nunca sai de cena no Facebook a imagem de extrato de R$ 2.600 oriundos do Bolsa Família. A postagem é precedida por um "Bom dia a você trouxa que acorda cedo pra trabalhar, que gera empregos, que estuda pra concurso. Segue extrato fresquinho, desse mês mesmo".

Verdade seja dita, este é um fenômeno que surfa na onda anti-empírica que tomou conta do país nos últimos anos graças a uma profunda "limitação moral", como apontou Yara Frateschi, causada pela hiperindividualização da "cultura do condomínio", uma patologia social problematizada por Christian Dunker em Mal-estar, Sofrimento e Sintoma: uma psicopatologia do Brasil contemporâneo. Distante do real, essa é uma geração que vive apenas para alimentar as próprias fantasias que tem sobre o outro, invariavelmente pautadas pelos mais íntimos preconceitos.

Na sexta-feira, Matheus Pichonelli discutiu esta questão a partir da atuação pública de Rachel Sheherazade, em especial na sua última participação no programa Pânico no Rádio, da Jovem Pan. "Sheherazade é a prova material de que quanto mais olhamos o mundo de cima para baixo, mais perdemos de vista a sabedoria contida na poeira dos sapatos. Essa poeira contaria que é possível circular em segurança nórdica ou parisiense a depender de onde se nasce e se morre no Brasil. E que o país recordista de homicídios e encarceramento mata e encarcera apenas quem mora a quilômetros de nossos bolsões de dignidade. (A exceção nos choca, mas não faz arranhão às estatísticas, concentradas onde quem dá pitaco não circula)."

Além dos resultados anunciados pelo IBGE no início do mês, o economista Thomas Trebat, diretor do Columbia Global Center Latin America e professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, defendeu enfaticamente o Bolsa Família em entrevista à TV Folha: “Eu, como economista, vejo as evidências empíricas, vejo o gasto, vejo o resultado, e concluo que esses programas são razoáveis, têm um alto retorno social e econômico. Mas o debate no Brasil é muito envenenado, quem não recebe Bolsa Família acha que quem recebe deveria perder esse direito, que o dinheiro é dado em troca de nada, que estamos diminuindo o esforço e trabalho no setor mais pobre”.

O "debate envenenado" é inclusive responsável pelo desenvolvimento de uma rejeição algo burra ao programa. De acordo com o Ipea, a cada 1 real investido no Bolsa Família, R$ 1,78 retorna à economia. É dinheiro do Estado que serve para alimentar o pobre, mas também para abastecer o comerciante, o que não impede, por sua vez, que grande parte da rejeição ao programa venha justamente da classe média, que é quem mais se beneficia dele.

Bem por isso, o capitalismo é pouco para explicar o ódio no Brasil. No auge das polêmicas em torno dos "rolezinhos" nos shoppings centers, Renato Barreiros assinou um artigo publicado no Farofafá, de Carta Capital, chamado "capitalismo anticapitalista", que descreve parte deste cenário, em que as marcas preferem deixar de arrecadar para construir uma "identidade" de elite.

Em que pese ter sido responsável por 28% da queda da extrema pobreza no Brasil, contribuído para a manutenção do aquecimento econômico mesmo em tempos de crise econômica mundial e libertado milhares de mulheres da dominação masculina no sertão nordestino, o Bolsa Família é e aparentemente vai continuar sendo o maior objeto de delírio do Brasil que bebe de Locke.

Já desde 2013, sabe-se que 7 em cada 10 beneficiários do programa trabalham. E mais: 12% já abriram mão dele. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, o Bolsa Família é peça fundamental no enfrentamento ao trabalho infantil.

Enquanto isso, Hillary Clinton já afirmou que, se vencer as prévias e as eleições, pretende implantar programa similar nos Estados Unidos. Mas, é claro, já tem montagem no Facebook associando-a a Cuba.


Abraços,
Murilo

sábado, 18 de abril de 2015

Diagnóstico de Mobilidade Urbana de Itararé III



3. DIAGNÓSTICO DE MOBILIDADE URBANA (I): AUDIÊNCIA PÚBLICA

3.1. PARTICIPAÇÃO POPULAR E A POLÍTICA NACIONAL DE MOBILIDADE URBANA

Em 2012, foi sancionada a lei 12.587, que torna obrigatória a formulação de planos de mobilidade para municípios com população superior a 20.000 habitantes e, além disso, institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Com base nela (BRASIL, 2012) e no Caderno de Referência para Elaboração de Plano de Mobilidade Urbana (MCidades, 2007), pode-se observar, em seus princípios e diretrizes, a relevância que a participação da sociedade tomou na concepção de políticas urbanas, principalmente nas relacionadas à mobilidade.

a. Princípios

● Promover equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo;

● Fomentar a gestão democrática e controle social do planejamento;

● Repensar o desenho urbano, planejando o sistema viário como suporte da política de mobilidade;

● Estruturar a gestão local, fortalecendo o papel regulador dos órgãos públicos gestores dos serviços de transporte público e de trânsito.


b. Diretrizes

● Fomentar a colaboração entre autoridades regionais e locais, operadores e grupos de interesse;

● Proporcionar informações aos usuários para apoiar a escolha da melhor opção de transportes, divulgando as características da oferta das diversas modalidades de transporte;

● Integrar o plano de mobilidade à política de desenvolvimento urbano e respectivas políticas setoriais de habitação, saneamento básico, planejamento e gestão do uso do solo no âmbito dos entes federativos;

● Desenvolvimento de procedimentos internos para avaliação conjunta dos impactos de projetos públicos e privados sobre a mobilidade urbana e dos projetos de transporte e circulação no desenvolvimento urbano;

● Desenvolvimento de bases de dados compartilhadas envolvendo informações sobre as políticas urbanas e a mobilidade;

● Capacitação dos técnicos da administração municipal que atuam na gestão das políticas urbanas nos conceitos de mobilidade urbana e dos técnicos dos órgãos gestores de transporte e trânsito em noções urbanísticas;

● Realização de estudos conjuntos para avaliação de tendências e projeção das variáveis que incidem sobre a mobilidade e a distribuição das viagens no território (domicílios, população, renda, posse de autos, empregos, matrículas, etc.);

● Definição de processos para participação da população na elaboração do plano de mobilidade: audiências públicas, reuniões regionais com moradores, reuniões específicas com segmentos da população (idosos, estudantes, etc.) ou da sociedade (sindicatos, associações e outras entidades representativas da sociedade civil);

● Desenvolvimento de processos de capacitação dos representantes dos diversos segmentos da população envolvidos;

● Constituição de organismos específicos de participação popular permanente no município, como Conselhos de Transporte e Mobilidade, definindo suas competências, abrangência de atuação e estrutura de funcionamento.

Neste sentido, as oficinas propostas pelo grupo foram preparadas de forma a incentivar a participação, reflexão, discussão e debate entre os participantes.

3.2. AUDIÊNCIA PÚBLICA: DIAGNÓSTICO DOS PROBLEMAS DE MOBILIDADE EM ITARARÉ

O APĒ, em parceria com a prefeitura de Itararé, pretendeu, através da oficina “Debater a Mobilidade Urbana em Itararé”, captar os anseios e a percepção da sociedade civil itarareense a respeito do projeto de mobilidade urbana que o município buscará implantar, a partir da elaboração de seu plano de mobilidade.


Figura 1: Cartaz de Divulgação da Audiência Pública (Fonte: Arquivo do APĒ - estudos em mobilidade)

Para a execução da oficina, foi adotada uma abordagem metodológica que pudesse envolver os participantes de maneira a obter sugestões e críticas a respeito da compreensão que os munícipes têm sobre o tema.

Esta abordagem se baseou em diversos aspectos de variados métodos já amplamente utilizados na prática de elaboração de processos de planejamento público e de projetos. A concepção utilizada nos eventos estão contidas nas metodologias do Planejamento Estratégico Situacional - PES (Artmann, s.d.) e do ZOPP (GTZ, 1997).

Ambas metodologias partem de premissas da construção de um processo de planejamento através da participação de atores sociais envolvidos e interessados na questão a ser projetada. Um ator social, para se constituir como tal, precisa, necessariamente, deter a posse de recursos necessários aos planos (o operador, os concessionários, os funcionários públicos, os sindicatos, associações de usuários etc.), de modo a poder influir na condução do futuro plano de mobilidade. Por essa razão tais métodos de planejamento propõem o envolvimento social de outros participantes na concepção do processo. “Os processos tradicionais de planejamento ignoram esta participação, partindo dos cálculos de um diagnóstico basicamente técnico para projetar as ações do seu plano de ação. Ao contrário, está subjacente aos dois métodos aqui aludidos a ideia de um processo de planejamento tecnopolítico, quer dizer, que envolve não somente os imprescindíveis aspectos técnicos de planejamento, mas também os critérios estratégico-políticos, que decorrem da participação social” (COSTA, 2013).

Tendo como fundamentação o estabelecimento de um processo participativo, o envolvimento é conduzido através de reuniões estruturadas e conduzidas por um especialista em planejamento, através de diferentes dinâmicas de grupo. A dinâmica da oficina realizada em Itararé será melhor detalhada no item a seguir.

a. Apresentações

Inicialmente, foi realizada uma apresentação do grupo de estudos, juntamente com uma breve explicação sobre mobilidade urbana e sobre a Lei Nº 12.587/2012. Foram abordados os aspectos e conceitos básicos para que as oficinas pudessem ocorrer de forma mais proveitosa.

Figura 2 – Apresentação Inicial (Fonte: Prefeitura de Itararé)


Após a apresentação, os presentes foram convidados a se dividir em três grupos para o início das oficinas. Porém, com a chegada de mais pessoas, foi formado um quarto grupo.

Cada grupo foi acompanhado durante toda a realização da oficina por pelo menos um membro do APÉ - Estudos em Mobilidade, que deveria conduzir as atividades e fomentar as discussões com questionamentos, críticas, sugestões e explicações, fazendo o papel de coordenador.

Em cada um dos grupos, os participantes foram convidados a se apresentar, o que permitiu ao coordenador identificar melhor as características do grupo.

b. Oficinas

As atividades propostas foram divididas em três partes: 1) levantamento de problemas; 2) classificação dos problemas; e 3) apontamento de causas e consequências.

I) Levantamento de Problemas

Nessa parte, os participantes foram instigados a apontar os problemas relacionados à mobilidade urbana aos quais estão expostos no dia-a-dia do município de Itararé. À medida que os problemas eram citados, os coordenadores fomentavam discussões entre os participantes acerca dos problemas, de forma a questionar e debater os comentários e apontamentos dos participantes.

Dessa forma, foi composto um quadro contendo os principais problemas de acordo com aquele grupo de cidadãos. Os problemas foram escritos pelo coordenador durante as discussões em cartolinas brancas previamente fixadas na parede. E em alguns grupos, os próprios participantes foram convidados a escrever os problemas, conforme pode ser visto na figura a seguir.

Figura 3 – Apontamento de Problemas (Fonte: Arquivo do APĒ - estudos em mobilidade)


II) Classificação dos Problemas

Com o quadro completo, a segunda fase tratou de estabelecer uma classificação para esses problemas, ou seja, descobrir qual seria o principal problema de acordo com aquele grupo de participantes. Os outros problemas levantados foram deixados em segundo plano apenas durante a oficina. Entretanto, eles constituem elementos fundamentais para a execução do diagnóstico preliminar de mobilidade urbana.

Para isso, foi pedido para cada integrante do grupo votar em dois dos problemas previamente listados que considerasse os mais graves. É importante lembrar que durante a fase anterior os problemas foram discutidos, debatidos e questionados entre todos a partir das intervenções e provocações dos coordenadores.

Assim, os votos foram sendo anotados no próprio quadro de problemas e, com o fim das votações, o principal problema de cada grupo selecionado.

III) Causas e Consequências

Para a terceira parte da oficina foi previamente preparado, para cada grupo, um painel colorido fixado ao lado do quadro de problemas. A partir da eleição da etapa anterior, cada coordenador escreveu o problema principal no centro do painel colorido e retomou as discussões sobre o problema, indagando os participantes sobre os motivos que levaram aquele problema a ser escolhido como o principal.

Após as discussões, foram distribuídos Post-its de duas cores para os participantes. Uma cor foi definida para as causas e a outra, para as consequências. Em cada grupo, os integrantes foram instigados a escrever nesses papéis possíveis causas e possíveis consequências para o problema definido como principal.

Figura 4 - Participantes Escrevendo Causas e Consequências nos Post-its Coloridos (Fonte: Arquivo APĒ - estudos em mobilidade)

À medida que os participantes foram escrevendo e entregando os Post-its, os coordenadores liam cada um em voz alta e fomentava a discussão acerca de cada sugestão, de forma a, juntamente com o grupo, definir se aquela causa ou consequência era direta ou indireta do problema escolhido. Caso fosse direta, deveria ser colada próxima do problema e caso fosse indireta, afastada.

A composição final dos painéis pode ser observada na figura a seguir.

Figura 5 - Painéis da Oficina (Fonte: Arquivo do APĒ - estudos em mobilidade)


Após a composição do painel de causas e consequências e com o fim das discussões sugeridas pelos coordenadores, os participantes foram convidados a um lanche que foi servido no hall da Câmara Municipal. Enquanto isso, os painéis ficaram expostos para que os participantes pudessem observar os resultados das outras oficinas. Os coordenadores continuaram disponíveis para conversas, dúvidas e sugestões.

Os painéis foram arquivados para que pudessem ser analisados pelo grupo de estudos posteriormente.

O quarto grupo, que iniciou a oficina tardiamente, não teve tempo hábil para classificar as causas e consequências. Entretanto, os Post-its foram recolhidos e arquivados juntamente com o painel.

IV) Análise dos Dados

Os dados obtidos durante a realização das oficinas na Câmara Municipal de Itararé serão analisados inicialmente de forma isolada e, na conlusão, de forma integrada. A análise de cada oficina incluirá incluindo as percepções de cada coordenador. Em seguida, todos os dados serão agrupados de forma a gerar uma análise geral de toda a Audiência Pública.

c. Resultados

I) Oficina 1

O Grupo 1 foi composto por professores, funcionários públicos, trabalhadores, estudantes universitários e outros cidadãos interessados na questão da mobilidade urbana. Todos mostraram-se dispostos a participar integralmente das atividades propostas e curiosos em relação às possíveis soluções para os problemas do Município de Itararé.

As discussões foram intensas, todos os participantes indicaram problemas que vivem no seu cotidiano e que observam pela cidade. A partir de cada problema apresentado foi feita uma breve discussão com certo aprofundamento no problema.

Os problemas levantados pelos cidadãos durante a realização da oficina estão elencados abaixo na Tabela 1. Ao lado de cada problema é mostrada a porcentagem de votos recebidos por cada um durante a escolha do problema principal.

Tabela 1: Problemas Levantados Pelo Grupo 1 Durante a Oficina (Fonte: Arquivo do APĒ - estudos em mobilidade)


O principal problema apontado foi a Acessibilidade Universal, ou seja, a falta de condições e infraestrutura que permitam o acesso aos serviços do Município e o trânsito entre eles. Vale ressaltar que a Acessibilidade Universal é muitas vezes simplificada à instalação de rampas, elevadores e outras infraestruturas que permitem o acesso de pessoas com deficiências. Porém, durante as oficinas, os cidadãos ressaltaram a palavra Universal, ou seja, trata-se da necessidade de garantir condições que permitam o deslocamento de todos os cidadãos nos mais variados modos, como ruas e calçadas bem pavimentadas e bem sinalizadas e serviço de transporte público eficiente e confortável, além de adaptações necessárias. A acessibilidade universal inclui vários dos outros problemas citados: falta de qualidade/padronização das calçadas; falta/má qualidade de pavimentação das ruas; iluminação pública; e, falta de sistema de transporte público eficiente.

Na Tabela 1, percebe-se também uma grande preocupação dos participantes com a necessidade de programas de educação para motoristas, ciclistas e pedestres para que possa haver uma melhor convivência entre eles. Essa convivência, aliás, foi objeto de uma pequena discussão entre alguns participantes, onde ficaram claras a agressividade e a intolerância geradas pelo convívio entre os carros e as bicicletas. A necessidade de um sistema de sinalização mais eficiente, também destacada na tabela, pode ajudar a melhorar esse quadro.

Outros problemas que se destacaram foram: falta de política/gerenciamento de estacionamentos; excesso de veículos; e a questão da iluminação pública.

Na segunda parte da Oficina, os participantes sugeriram causas e consequências para o macroproblema eleito, a falta de acessibilidade universal. Na Figura 6 a seguir, está esquematizada uma compilação dessas causas e consequências.


Figura 6: Esquematização das Causas e Consequências Apresentadas pelo Grupo 1 (Fonte: Arquivo do APĒ - estudos em mobilidade)



No fluxograma, percebe-se que a causa principal indicada para o problema da falta de acessibilidade universal foi a falta de um planejamento urbano eficiente e, obviamente, a colocação desse planejamento em prática. Os participantes também apontaram causas secundárias, ou seja, causas para a falta de um planejamento urbano: o despreparo da administração do Município; a carência de recursos financeiros; a falta de participação popular; a inobservância da legislação; a falta de capacitação técnica; e os eventuais problemas culturais da população.

A partir do macroproblema, analisou-se as consequências desse para a Cidade. Vários problemas consequentes foram indicados, como os transtornos gerados para as pessoas com deficiências físicas, o perigo de acidentes, e as dificuldades de acesso e de locomoção. Alguns problemas estruturais também foram colocados: a inadequação das calçadas e a falta de faixas de pedestres.

É interessante observar que entre as consequências apontadas foram a diminuição da qualidade de vida, a injustiça social e a perda do direito de ir e vir. Essas três considerações demonstram a preocupação dos participantes com a construção existência de uma cidade para as pessoas onde todos tenham iguais direitos e condições de acesso aos serviços e atividades que o ambiente urbano propicia.

II) Oficina 2

A tabela abaixo apresenta os problemas apontados durante a realização da oficina pelos integrantes do Grupo 2, juntamente com a porcentagem de cada um deles.

Tabela 2: Problemas Levantados Pelo Grupo 2 Durante a Oficina (Fonte: Arquivo do APĒ - estudos em mobilidade)

Segundo os cidadãos participantes dessa oficina, o principal problema enfrentado pelo Município de Itararé é a má qualidade e a falta de calçadas, ou seja, condições insuficientes para os pedestres. Trata-se de um problema de suma relevância, afinal, boa parte dos deslocamentos são essencialmente a pé. As calçadas constituem vias de acesso e passagem utilizadas por todos os cidadãos em todos os momentos. Até mesmo os motoristas mais dependentes dos meios motorizados utilizam as calçadas para chegar até seus veículos. Portanto, calçadas com boa pavimentação, sem desníveis e buracos, com rampas de acesso e sem obstruções foram a necessidade mais destacada nessa oficina.

Na Tabela 2, a questão da falta de espaços de lazer é outro problema que se destacou bastante. Além da falta de sinalização nas ruas, falta de faixas de pedestres e desrespeito entre carros, pedestres, bicicletas e cavalos.

No segundo momento da Oficina, os participantes indicaram as causas e consequências do macroproblema escolhido. Na Figura 7 há uma esquematização do resultado dessas indicações, com um fluxograma a partir das sugestões registradas.


Figura 7: Esquematização das Causas e Consequências Apontadas pelo Grupo 2 (Fonte: Arquivo do APĒ - estudos em mobilidade)

Na parte superior do esquema acima estão relacionadas as causas apontadas. Percebe-se que a questão financeira foi apresentada em duas causas: a falta de recursos financeiros; e a falta de investimentos. Foram citadas também questões administrativas como a inobservância do Código de Obras associada à falta de fiscalização, padronização e manutenção, gerando problemas como as construções em avanço e os espaços limitados.

Uma causa que merece destaque é a visão “umbilical”, egoísta, ou seja, a preocupação com aquilo que é privado e a desconsideração em relação ao que é público. O espaço urbano provém da convivência e união das pessoas em sociedade. A elucidação, nessa causa, de um confronto entre público e privado enseja uma leitura de mobilidade urbana em outro nível: a causa da má qualidade de calçadas pode extrapolar os próprios limites do espaço físico, entrando no campo de entendimentos pessoais e interpessoais acerca do ambiente.

Vale destacar também que a inexistência ou a má qualidade das calçadas surge a partir de uma falta de consideração das pessoas com deficiências físicas e dos idosos, que necessitam de condições mais específicas de locomoção e dificilmente conseguem lidar com os problemas existentes sem correr sérios riscos.

Ainda na Figura 7, na parte inferior, estão esquematizadas as consequências do problema. Como citado acima, os problemas enfrentados pelos portadores de necessidades especiais ganharam destaque. Mas as consequências não estão restritas a pessoas com mobilidade reduzida. Todos os cidadãos estão sujeitos a acidentes com quedas e riscos de danos à saúde.

Também foi abordada a existência de obstáculos nas calçadas que obstruem a passagem impossibilitando o trânsito dos pedestres. E também, a questão estática, afinal, o conforto visual está diretamente associado com a sensação de bem-estar e melhoria da qualidade de vida.

III) Oficina 3

Durante a realização da oficina, o Grupo 3 apontou os problemas que estão listados na Tabela 3 abaixo. Ao lado dos problemas, estão indicadas as porcentagens de votos que cada um deles. O macroproblema escolhido está destacado.

Tabela 3: Problemas Apontados pelo Grupo 3 Durante a Oficina (Fonte: Arquivo do APĒ - estudos em mobilidade)


Nesse grupo, os integrantes mostraram-se bastante divididos durante a escolha do problema principal indicando a relevância de cada um dos problemas apresentados.

O problema escolhido como principal foi a questão da educação no trânsito. Esse macroproblema traz à tona, por exemplo, a necessidade de políticas públicas com vistas à criação de programas educacionais que estimulem uma melhor convivência entre pedestres, ciclistas, motoristas e os mais diversos tipos de transporte.

Os problemas “irregularidade das calçadas” e “pavimentação irregular, de ruas e calçadas”, também se destacaram durante a escolha, juntamente com os problemas de “falta de estacionamentos” e de “falta de acessibilidade”. Outra questão que ganhou destaque foi a falta de espaços públicos para prática esportiva.

Na etapa seguinte da Oficina, os participantes sugeriram as causas e consequências para a, macroproblema escolhido anteriormente. Esses apontamentos foram esquematizados na Figura 8 a seguir, de forma a permitir uma melhor visualização.


Figura 8: Esquematização das Causas e Consequências Apresentados pelo Grupo 3 (Fonte: Arquivo do APĒ - estudos em mobilidade)

Dentre as causas apresentadas, destacam-se a falta de projetos escolares que poderiam ser feitos juntamente aos estudantes de todos os níveis de ensino, tanto no ensino público quanto privado, e a falta de campanhas educacionais direcionadas à população do Município, pelos meios de comunicação como as rádios, as mídias impressas e as redes sociais. A partir desses projetos e campanhas poderiam ser minimizadas outras causas apontadas como os problemas culturais, egoísmo e comodidade.

Duas causas que merecem destaque são a falta de punição e as propinas relatadas pelos integrantes como recorrentes nas Auto Escolas de Itararé. A Auto Escola é de extrema importância na formação e capacitação dos motoristas e deve ser valorizada pelos cidadãos como etapa essencial para se dirigir um veículo em condições seguras.

Na parte inferior da Figura 8, estão as consequências da falta de educação no trânsito: desavenças, acidentes, desrespeito mútuo, estresse, desrespeito à vida e indução ao vício. Esse último, pode ser entendido como a persistência no erro, ou seja, a popularização de práticas inseguras e, até mesmo, ilegais.

IV) Oficina 4

O quarto grupo de oficina foi bastante peculiar em comparação com os outros três. Os participantes deste grupo eram todos estudantes universitários, com exceção da professora, e não participaram da primeira parte da oficina que consistiu em apresentar o grupo e conceitos gerais do que é mobilidade urbana e todos os aspectos que envolvem esse tema. 

Os problemas de mobilidade apontados por esse grupo estão fortemente associados à faixa etária, por exemplo, falta de segurança a noite e falta de ciclovias. Foram levantadas outras problemáticas não diretamente relacionadas à mobilidade urbana, provavelmente isso ocorreu justamente porque eles ainda não haviam sido introduzidos ao tema, ao contrário dos participantes das demais equipes.

O último grupo formado para a realização da oficina apresentou os problemas que estão relacionados na Tabela 4 abaixo. Também estão na tabela as porcentagens de votos obtidos por cada problema durante a escolha do problema principal.


Tabela 4: Problemas Apontados Durante a Oficina pelo Grupo 4 (Fonte: Arquivo do APĒ - estudos em mobilidade)


O problema eleito principal foi a “falta de áreas de lazer” em Itararé. Assim, percebe-se uma carência de espaços públicos onde os cidadãos possam praticar atividades de lazer, como esportes, passeios ou até mesmo um encontro com os amigos. O espaço urbano baseia-se no convívio social entre as pessoas, dessa maneira, espaços para que essas interações ocorram de maneira saudável e confortável são essenciais para a manutenção do bem-estar dos moradores de Itararé. A falta de espaços culturais, bastante relacionada com o problema principal, também apareceu entre os problemas votados.

Na Tabela 4 percebe-se um destaque por parte de integrantes para a falta de infraestrutura para pessoas com deficiência motora/visual, o que demonstra uma preocupação dos cidadãos com a questão da universalidade de acessos. Destacou-se também o problema da segurança durante a noite, o excesso de veículos e a falta de estacionamentos.

Na segunda etapa da Oficina, os papéis de causas e consequências foram preenchidos, mas não foram colados no cartaz e hierarquizados por falta de tempo. Esse grupo iniciou a oficina muito depois dos demais. Entretanto, houve muita dificuldade por parte dos participantes em pensar as possíveis causas e consequências para o macroproblema levantado, falta de áreas de lazer, e também de diferenciar o que eram as causas e o que eram as consequências. Mesmo assim, foi possível construir o esquema apresentado na Figura 9 a seguir, onde estão representas as causas e consequências propostas pelos estudantes.


Figura 9: Esquematização das Causas e Consequências Apontadas pelo Grupo 4 (Fonte: Arquivo do APĒ - estudos em mobilidade)

Como causas para a falta de lazer, os estudantes foram contundentes em dizer que não há uma consideração política a respeito da real importância desses espaços para o bem estar da Cidade. Assim, há uma grande falta de iniciativas, de projetos e de incentivos políticos. Percebe-se que esse não reconhecimento da importância pode ter sido gerado pelo medo da violência nesses locais e da preocupação com os custos de manutenção envolvidos.

Por fim, na parte inferior da Figura 9, estão as consequências da falta de áreas de lazer. Nota-se a preocupação dos jovens com o sedentarismo e pouca prática de atividades físicas. Com a falta de espaços públicos de lazer as pessoas ficam mais restritas aos espaços particulares, ficam mais em casa e desempenham mais atividades virtuais do que reais. Essa falta de lazer pode deixar a população estressada e, até mesmo, aumentar o número de usuários de drogas.

d. Compilação dos Dados

Em uma última análise dos dados, foi realizado um agrupamento dos problemas levantados por todas as oficinas, na tentativa de encontrar uma relação de importância de acordo com as porcentagens obtidas na escolha dos problemas principais de cada oficina. Para isso, as porcentagens foram convertidas em pontos, que foram somados e convertidos em novas porcentagens. A Tabela 5 apresenta uma compilação dos problemas que foram votados em cada uma das oficinas, os pontos atribuídos a eles e as porcentagens calculadas a partir da soma desses pontos.

Tabela 5: Compilação dos Dados de Todos os Grupos de Oficinas (Fonte: Arquivo do APĒ - estudos em mobilidade)

Dessa forma, tem-se uma visão geral da opinião dos participantes da audiência pública como um todo. Percebe-se que alguns problemas foram citados em apenas uma das oficinas, enquanto outros apareceram em várias e foram bem votados. Essas novas porcentagens calculadas podem ser utilizadas para estabelecer uma classificação entre todos esses problemas apontados pela participação popular.

Para concluir, foram elencados na Tabela 6 abaixo os doze problemas apontados durante as oficinas que apresentaram maior destaque durante as discussões e considerações dos participantes.

Tabela 6: Classificação Final dos Principais Problemas Indicados Durante a Realização das Oficinas (Fonte: Arquivo do APĒ - estudos em mobilidade)

É importante ressaltar que não se trata de uma graduação de importância relativa entre os problemas, e sim uma representação do grau de insatisfação popular com os aspectos relacionados.

Esses problemas identificados a partir das oficinas serão considerados e discutidos durante a elaboração do Diagnóstico proposto pelo grupo APĒ em relação à mobilidade urbana em Itararé.

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Os trechos 1 e 2 do diagnóstico podem ser consultados aqui e aqui.