quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Era ele um de nós?

Novas descobertas atestam: Jesus de Nazaré era casado (e tinha filhos)

por LUIS FELIPE GENARO



A virulência da institucionalidade do cristianismo no século IV, materializada nos preceitos, condutas e costumes dos círculos de cristãos residentes na cidade de Roma, apagou da História, ou ao menos tentou, vestígios de outras interpretações, escritos e memórias de outros círculos cristãos residentes em diferentes regiões, do Oriente ao Ocidente. 

A canonização de apenas alguns poucos escritos – evangelhos –, por exemplo, integra muito mais um cenário de ferrenhas disputas de poder que ações e escolhas sob santos e iluminados céus. Isso quem conclui é a historiadora de filosofia Maria Fiorillo, da USP. "Em meados do século IV já não havia tanto debate interno no cristianismo; a Igreja havia ou convertido ou se livrado dos descontentes. Outras tradições que não pertenciam à facção de Roma foram erradicadas, suas lideranças perseguidas, os bens confiscados e a literatura destruída". 

De fato, com a conversão do imperador romano Constantino e a institucionalização do cristianismo romano, outras interpretações daquilo que possivelmente havia feito, dito ou não dito Jesus de Nazaré e seus discípulos, eram varridas do tempo. Segundo Paul Veyne, "graças a Constantino, a lenta e completa cristianização do Império pôde começar; a Igreja, de "seita" proibida que tinha sido tornou-se mais do que uma seita lícita: estava instalada no Estado". O resto vocês já sabem. Aprenderam ou na catequese ou em grupos bíblicos aos sábados e domingos. O tempo, entretanto, é traiçoeiro. A História, como se constata, pode ser recontada, reescrita. 

Comprado de um negociante egípcio pelo Museu Britânico em 1847 e repassado para a Biblioteca Britânica 20 anos depois, um pergaminho escrito em aramaico e datado de 570 d.C., aproximadamente, revela uma vez mais, agora com maior ênfase que documentos anteriores, uma intrigante evidência histórica repudiada pela grande maioria de cristãos mundo afora: o matrimônio de Jesus de Nazaré e a constituição de seu núcleo familiar. Diversos portais online noticiaram a descoberta e a conclusão das pesquisas sobre a documentação. 

Segundo o portal IG, "durante os últimos 160 anos, o documento tem sido estudado por alguns estudiosos, mas havia sido considerado muito normal até Simcha Jacobovici, um cineasta israelense-canadense, e Barrie Wilson, um professor de estudos religiosos em Toronto, terem dado uma olhada no conteúdo. Depois de seis anos de estudos, eles estão convencidos de que descobriram um quinto evangelho desaparecido". 

Outro fragmento agitou as comunidades acadêmica e cristã há dois anos – só este ano suas análises foram concluídas. Debruçaram-se em um delicado pedaço de papiro incansáveis pesquisadores da Universidade de Harvard, indicando que o fragmento era mais antigo que se imaginava, sendo datado do II ao IV século. Nele, uma frase se destacava de todas as outras: "E disse Jesus a eles, eis minha esposa". O mais semelhantemente intrigante a respeito destes dois documentos é sua possível origem.

Em uma caverna no Alto Egito na década de 1940 descobriram-se 52 livros correspondentes ao cristianismo primitivo, encontrados dentro de uma ânfora de barro de um metro de altura. Intitulada posteriormente Biblioteca de Nag Hammadi, os livros escaparam de um destino cruel: a destruição pela recém-institucionalizada Igreja Romana. Ironia ou evidência, a origem de ambos os documentos acima citados é também do Alto Egito.

Na literatura fictícia e nas telas de cinema, a relação de Jesus de Nazaré com Maria Madalena, por exemplo, vem sendo há décadas retratada. No mundo acadêmico essa relação não parece assim tão fantasiosa. Igrejas e cristãos em geral, no entanto, minimizam todas as evidências históricas até hoje descobertas. Como se sabe, através dos livros de Nag Hammadi inúmeros pesquisadores já comprovaram que Madalena foi um elemento indispensável para o cristianismo primitivo. Foi a discípula "mais amada". 

Apagar vestígios "heréticos", assim como "femininos", da história cristã não são estratégias recentes. Essa não é uma luta contemporânea. Para o teólogo Juan Arias, "a luta começou quando se delineou a autoridade da herança cristã entre as diferentes correntes do cristianismo primitivo e se foi creditando como única variante verdadeira a que defendia a ala hierárquica de Pedro e outros apóstolos varões". 

Até quando catequeses refutarão sérias pesquisas coletivas de décadas, bom, prefiro nem comentar...

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