por SANDRO CHAVES ROSSI
“(...) o contra-ataque aos bandidos é o que chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite. E, aos defensores dos direitos humanos, que se apiedaram do marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido”
Essa fala é de Rachel Sheherazade, âncora do Jornal do SBT, ao tentar justificar a ação de um grupo de homens contra um menor que tentou assaltá-los. No ocorrido, os homens lincharam o menor de idade e o amarraram junto a um poste. Essa fato teve muita repercussão pelo país, o que se intensificou pelo comentário polêmico de Sheherazade. Dentre opiniões favoráveis e contrárias à jornalista, algo ficou mal explicado: o que são Direitos Humanos?
Boa parte dos setores mais conservadores da sociedade pregam que os direitos humanos só defendem bandidos ou que é coisa de "comunista" que está contra o "cidadão de bem". Há equívocos muito grandes proferidos por essas pessoas que, por ignorância ou mau-caratismo, acabam convencendo boa parte da população a ter essa noção errada sobre Direitos Humanos. Portanto, é bom ressaltar e relembrar algumas coisas para que esses equívocos não se repitam.
Os antecedentes históricos dos Direitos Humanos são intrínsecos ao Iluminismo europeu, movimento cultural e filosófico que aconteceu nos séculos XVII e XVIII. Nesta época, Jean Jacques Rousseau realizou estudos em sociedades primitivas e nelas redescobriu valores perdidos pela civilização ocidental, tais como liberdade, igualdade e fraternidade (Liberté, Egalité, Fraternité). Os ideais iluministas foram muito bem vistos na época, pois tratavam o Homem como o centro das preocupações e não mais o império do fanatismo e da fé religiosa, conceitos que eram dominantes no período medieval, mas sim o da razão e o da Ciência. É neste contexto que nascem os direitos humanos.
Ao contrário do que muitos dizem, os Direitos Humanos não são coisa de comunista. Os direitos humanos são uma referência mínima para garantia de um conceito bem ocidental de dignidade e nasceram no seio do liberalismo. A própria Declaração Universal das Nações Unidas, de 1948, sofreu resistência do bloco soviético na época por conta da presença da propriedade privada como direito humano e a ineficácia de diminuir as diferenças sócio-econômicas da população. Hoje, boa parte dos movimentos de esquerda adere à bandeira dos Direitos Humanos, mas isso não quer dizer que seja uma bandeira única da esquerda. Se você não vê quase ninguém da direita defendendo os Direitos Humanos, o problema não são os Direitos humanos e sim a direita.
Os Direitos Humanos não defendem só o bandido, como algumas pessoas gostam de dizer. Aliás, é bom ressaltar bem o que acontece nesse cenário. Direitos humanos são um conjunto de garantias fundamentais à disposição de todos os seres humanos. São uma maneira de assegurar a qualquer pessoa um razoável equilíbrio entre a impotência do cidadão diante da força do Estado, através dos seus agentes públicos, notadamente diante daqueles que utilizam armas e são imbuídos da repressão penal, mais propensos à exacerbação e extrapolação de suas finalidades. O poder do Estado, com todo o seu aparato, tende a invadir e subjugar o cidadão afetando-o e oprimindo-o em sua dignidade como pessoa humana.
O indivíduo, quando é preso como acusado de algum crime, não perde a condição de pessoa humana. Desta forma, deve ser submetido a um julgamento dentro das normas processuais, assegurando-lhe o direito de não ser submetido a tratamento desumano e cruel, como a prática de tortura para obtenção de confissão ou assumir autoria de crime que não cometeu. Caso não houvesse o mínimo de garantias, o poder do Estado seria ilimitado, fazendo-nos retroceder ao estágio de barbárie. Defender os direitos humanos não é defender um indivíduo isoladamente, é defender toda a sociedade.
Um bom exemplo que temos no Brasil sobre essa questão é com a atuação do Deputado Estadual do Rio de Janeiro Marcelo Freixo (PSOL). Freixo é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e ele sempre faz questão de expor que o Estado fornece auxílio às vítimas de algum homicídio, incluindo policiais, porém o que Marcelo Freixo sempre tenta mostrar é que o órgão da Polícia Militar não tem uma política de Direitos Humanos definida e quase sempre fica a mercê da boa vontade de seus superiores.
Não é difícil achar exemplos de famílias de policiais e de vítimas que receberam auxílio do Estado, porém ainda há uma enorme dificuldade do trabalho ser estendido a todos da corporação. Marcelo Freixo usa um exemplo que aconteceu em novembro do ano passado. O recruta Paulo Aparecido Lima, de 27 anos, morreu após uma sessão de treinamento no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cfap). Sua turma foi submetida a exercícios que mais pareceram uma sessão de tortura. Além da morte de Paulo, outros 33 alunos precisaram de atendimento médico devido a queimaduras. A Comissão de Direitos Humanos e Cidadania atuou no caso do recruta, acompanhou os depoimentos das vítimas e vistoriou as instalações do Cfap, porém tudo foi em vão. Essas foram as palavras de Marcelo Freixo sobre o caso:
"Em vez de bravatear, a principal preocupação de um chefe de Estado, responsável pela política de Segurança Pública, deveria ser a garantia das boas condições de trabalho e da segurança dos policiais militares, valorizando suas carreiras, pagando bons salários, dando uma formação adequada à defesa da cidadania e dos direitos humanos e garantindo mais democracia dentro da corporação. Por exemplo, os policiais brasileiros morrem três vezes mais fora do horário de serviço. Devido às precárias condições de trabalho, eles são obrigados a recorrer aos chamados bicos, cuja situação é ainda mais precária. É fundamental a valorização salarial para que trabalhadores e trabalhadoras não tenham que expor suas vidas em empregos extras que não lhes dão segurança. Precisamos superar o atual modelo de segurança, baseado na guerra, no militarismo e na eliminação do inimigo. Temos a polícia que mais mata e que mais morre. Não há vencedores nesta realidade insana. Por isso, a luta política é pedagógica, e este debate precisa ser feito pelo conjunto da sociedade de forma responsável. A defesa dos Direitos Humanos não pode ser algo alheio à vida dos policiais e à Segurança Pública, como se estivessem em lados opostos."
A bandeira dos direitos humanos está fundada no pressuposto moral de que todas as pessoas merecem igual respeito umas das outras, somente a partir do momento em que formos capazes de agir em relação ao outro da mesma forma que gostaríamos de que agissem em relação a nós é que estaremos conjugando essa bandeira corretamente. Portanto, quando nos deparamos com a violência das grandes cidades, não devemos culpar os Direitos Humanos, mas sim as políticas públicas que contribuem com a diminuição do impacto da violência, como uma educação pública de qualidade, incentivos a cultura e lazer e uma reforma no sistema de segurança pública, que mal preza pelo bem-estar de seus próprios funcionários.
E em relação aos mal intencionados que insistem em disseminar o ódio e a desinformação como panfletagem política, tudo bem que vivemos em um tempo que há uma imensa dificuldade em manter raciocínios saudáveis, mas achar que as cidades são desumanas por causa dos Direitos Humanos é até deficiência de interpretação do nosso idioma. O correto éramos entender o que criticamos, mas como eu sei que isso nunca irá acontecer, apenas peço que consultem o dicionário de tempos em tempos. O bom senso agradece.
Muito bom texto, gostei bastante. Eu que sou da direita vejo que estamos perdendo muito terreno pra esquerda por causa do conservadorismo. Gostar de Bolsonaro, Sheherazade, Reinaldo de Azevedo, Felipe Moura Brasil e entre tantos, é um tiro no pé da própria direita. A direita precisa resgatar o liberalismo, não só econômico, mas também o liberalismo social que defende todas as bandeiras da igualdade. Uma direita liberal cairia muito bem aqui no Brasil e não faria mal pra ninguém, muito pelo contrário, seria ótimo pra democracia, inclusive para forçar a esquerda a evoluir e se desligar dos movimentos pós-modernos que só prejudicam os movimentos sociais autênticos. Um direita no Brasil é necessária, mas com os valores liberais, não os conservadores. De conservadorismo o Brasil está empanturrado.
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