por LUIS FELIPE GENARO
De sábado a sábado o canal Futura tem transmitido uma série de documentários produzidos por inúmeros cinegrafistas em diversos lugares do mundo, todos marcados pelo timbre questionador “Why Poverty?” [Por que a pobreza?]. O último que assisti e recomendo aos leitores chama-se “Park Avenue: Money, Power and the American Dream” [Park Avenue: Dinheiro, Poder e o Sonho Americano]. Para uma discussão que englobe o desenvolvimento e as crises no sistema capitalista e as fendas sociais gigantescas por elas gestadas, o documentário não deixa a desejar. Talvez pelo cenário ser uma famosa avenida da cidade de Nova York, em Manhattan, dividida por uma ponte social e econômica pouco conhecida e quase nunca questionada.
De um lado, os edifícios e apartamentos mais sofisticados, luxuosos e opulentos que se têm notícia. De outro, guetos e comunidades paupérrimas compostas por negros de classe médio-baixa que lutam diariamente para conseguir um emprego, um abrigo e mais de uma refeição por dia. A série de documentários “Why Poverty?” talvez não responda por que existe pobreza de fato ou por quais razões ela não tenha um fim, mas mostra ao espectador a cruenta realidade global e o rastro de sangue e lágrimas que proporciona diariamente. O documentário nos dá a chance de responder e questionar todo um sistema de exploração desumano e selvagem. No Brasil, nós sabemos, as coisas não são diferentes.
Recentemente pipocou na internet a lista das famílias mais abastadas do país. Foi curtido e compartilhado, mas moderadamente analisado. O patrimônio dos clãs mais ricos do Brasil está acumulado em 64 bilhões de reais, ocupando o topo da lista – que novidade! – os donos das Organizações Globo. Samantha Maia, jornalista da Carta Capital, faz uma constatação intrigante ao concluir a notícia: quando se produziu a primeira lista de bilionários brasileiros, em 1987, havia apenas três. Entre parentes e agregados, hoje somam sessenta e cinco.
Não menos importante, rememoremos o estudo – assustador! – do economista Marcio Pochmann realizado em 2004 e atualizado recentemente. Constatou-se através do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que existem cinco mil famílias brasileiras que possuem um patrimônio equivalente a 40% do PIB nacional. Quando se ataca, por exemplo, programas de distribuição de renda como o Bolsa Família, desconhece que este patrimônio é dez vezes maior que a renda de quatorze milhões de famílias atendidas pelo programa.
Revoltar-se contra o fiel leitor da Veja ou a dondoca que nada faz a não ser consumir e maldizer a empregada doméstica não nos levará a lugar algum. Sabemos disso, pois a realidade nacional é tão clara quanto à luz do dia. Neste ínterim questiona-se porque a desigualdade brasileira está entre as dez maiores do mundo e o número de pessoas ricas só aumenta. Seria culpa do Estado? É sabido que os sucessivos governos pós-Regime Militar e toda estrutura política secular não conseguiram se desvencilhar do pacto histórico com as elites e oligarquias regionais, com as grandes corporações e empresas internacionais, a imprensa nativa e os inúmeros setores conservadores do país. Há todo momento as coisas permanecem mudando para que, no fundo, nada mude.
Ou impomos popularmente, através da sublevação das massas, projetos e programas que atendam não mais os ricos e poderosos, mas os oprimidos pelo sistema, subvertendo-o nos caminhos da verdadeira democracia, ou a lista de bilionários tende a crescer exponencialmente criando “pontes da desigualdade” como as de Park Avenue, em Nova York, ou como a de qualquer grande avenida brasileira. Estamos a um passo da completa banalização da pobreza.
Teremos uma distribuição de renda efetiva quando a esfera política deixar de estar prostrada ao mortífero poderio econômico nacional e estrangeiro. Quando a taxação de impostos a grandes fortunas for uma realidade, a Reforma Agrária for cumprida, entre tantas lutas incessantes, criminalizadas pela força policial e pela ideologia dominante, prosseguirem rumo à vitória – uma vida digna e justa para todos. A mudança virá quando finalmente deixarmos de aliciar a Casa-Grande, permitindo a existência e dando sobras à Senzala.
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