quinta-feira, 10 de julho de 2014

O espectro do neoliberalismo ronda a educação superior pública novamente

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR



Samuel de Abreu Pessoa, professor da Fundação Getúlio Vargas - FGV - e uma das "cabeças" por trás do programa econômico de Aécio Neves, publicou na Folha de São Paulo do último dia 29/06 o texto "Universidade paga". Neste, o economista defende a privatização das universidades públicas no Brasil. Segundo ele, "o ensino universitário deve ser pago. Note que este fato independente de a instituição de ensino superior ser legalmente pública ou privada". 

O professor é Membro do Instituto Millenium - IMIL, formado por intelectuais e empresários com sede no Rio de Janeiro. Este instituto "promove valores e princípios que garantem uma sociedade livre, como liberdade individual, direito de propriedade, economia de mercado, democracia representativa, Estado de Direito e limites institucionais à ação do governo". Em outras palavras, o instituto, criado em 2005, é um aglomerado de "intelectuais" defensores do neoliberalismo. Dentre eles, destacamos o próprio Samuel Pessoa (Doutor em Economia e professor da FGV), Armínio Fraga (presidente do Banco Central durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso), Rodrigo Constantino (colunista do "Valor Econômico", "O Globo" e da "Revista Veja") e até Pedro Bial (jornalista da "TV Globo" e âncora do reality show "Big Brother Brasil").

Crítico da política econômica do governo Dilma, por conta do que ele chama de "mão pesada do Estado" que “impede que o setor privado floresça”, Samuel Pessoa já havia criticado a qualidade da educação no Brasil em artigo publicado no site do IMIL em 2012. Seguindo a lógica neoliberal de "estado mínimo", Pessoa defende que a qualidade da educação está atrelada a sua transformação em mercadoria e consequentemente, ao pagamento por este direito constitucional. Independentemente de a instituição de ensino, na visão neoliberal, prestadora de serviços, ser pública ou privada. Para entendermos um pouco do pensamento de Pessoa, é fundamental uma comparação entre as políticas públicas para a Educação Superior nos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso e nos doze anos de governos Lula e Dilma. 

Já conhecido pelos ataques aos governos Lula e Dilma, Reinaldo Azevedo publicou um artigo na Revista Veja em que afirma ter desconstruído com números a "fabulosa farsa de Lula o maior criador de universidades do mundo". Neste artigo, o colunista parte de números de vagas e matrículas, evasão e número de professores para afirmar que Lula "mente" ao dizer que foi o presidente que mais criou universidades no Brasil. Segundo ele, os dados são do Ministério da Educação - MEC, porém nenhum link é referenciado para acesso. 

Em resposta a este artigo, Naomar de Almeida Filho escreveu "Educação Superior em Lula X FHC: a prova dos números" publicado na Carta Maior. Por meio deste, o autor acusa de mentiroso o artigo de Reinaldo Azevedo demonstrando a utilização de dados incorretos por "desconhecimento" ou "má-fé" e mesmo a inexistência de validade técnica ou metodológica na análise dos "dados" por parte do colunista. Contestando os "dados" apresentados, Naomar indica que durante o governo Lula o número total de matrículas no Ensino Superior cresceu 90,1%, desta forma, o aumento nas taxas de matrícula "não foi de 3,2% e sim de 11% ao ano". Comparando os períodos entre os segundos mandatos de FHC e Lula, o pesquisador indica que o governo Lula abriu 200% mais vagas em universidades federais do que FHC. Em relação a evasão, Naomar indica que Azevedo confunde evasão com ociosidade, e o acusa de ter criado os "dados" que apontam uma brutal evasão durante o governo Lula. Por fim, sobre a acusação de que Lula teria feito das universidades federais "cabide de empregos", o pesquisador e reitor da Universidade Federal da Bahia, indica que o colunista da Revista Veja omite a Reforma Universitária - REUNI de 2008 e os efeitos desta como: aumento de vagas e consequente necessidade de contratação de docentes e técnicos administrativos para suprir as demandas.

Recorrente também é a comparação entorno da criação de universidades federais. Segundo dados do Instituto Lula, entre 2003 e 2012 foram criadas 14 universidades federais, enquanto no governo FHC, entre 1994 e 2002, nenhuma universidade federal foi criada. Buscando dados em trabalhos acadêmicos, o Observatório Universitário de 2006 indica que foram criadas 3 universidades federais durante o governo FHC e 13 durante o governo Lula. Cabe ressaltar, que a criação não necessariamente significa o início das atividades acadêmicas. Porém, por se tratar de um trabalho de 2006, este observatório não leva em consideração as 5 universidades criadas após esta data. Assim, seguindo os dados existentes, nos oito anos de governo FHC foram criadas 3 universidades federais, enquanto nos 12 anos de governo Lula e Dilma foram criadas 18 universidades federais.

O argumento contrário a tese de que durante os governos Lula e Dilma foram criadas 18 universidades federais dão conta de que, apenas 6 universidades foram criadas, sendo que as outras 12 seriam ampliação de antigas faculdades e renomeação para Universidade, conforme o próprio Azevedo indica. Se seguirmos este parâmetro, duas universidades criadas por FHC também são anteriores ao mandato do presidente tucano. A Universidade Federal de Lavras foi criada como Escola Agrícola em 1908, enquanto a Universidade Federal de São Paulo foi criada como Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo em 1933. Além disso, a Universidade Federal do Tocantins, criada em 2000 só entrou em funcionamento no de 2003, ou seja, durante o primeiro mandato do presidente Lula. Portanto, se seguirmos este argumento, teríamos a conclusão de que FHC não criou nenhuma universidade federal em seus oito anos de mandato. 

Além da criação de universidades federais, chama a atenção a interiorização com a criação de campi universitários em várias localidades do Brasil. Até 2003 eram 148 campi universitários federais. Após os 12 anos de governos Lula e Dilma esse número subiu para 321 conforme dados do Ministério da Educação - MEC. Esta ampliação é melhor verificada no quadro abaixo (marcadores amarelos - campi anteriores a 2003 / marcadores verdes - campi criados durante os governos Lula e Dilma). 



Para entender melhor esta diferença é fundamental a compreensão de que o governo FHC assumiu uma política neoliberal de descentralização da Educação pública por meio da Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases - LDB -, ao mesmo tempo em que abriu espaço para a iniciativa privada ampliar a sua rede de instituições de ensino superior, conforme o próprio Observatório Universitário de 2006 indica. Tudo isso, relacionado a política econômica de subserviência ao Fundo Monetário Internacional - FMI -, que chegou em 2001, a sugerir o fim da educação superior gratuita no Brasil de acordo com manchete publicada no jornal Folha de São Paulo. Ou seja, a tese de privatizar a educação superior pública defendida por Samuel Pessoa, não é nova e está relacionada fundamentalmente a perspectiva de educação dos governos neoliberais. 


Outra questão levantada pelos analistas favoráveis a privatização da educação superior é a possibilidade de pagamento de mensalidade por parte da maioria dos alunos, por conta da elitização da educação superior pública. Infelizmente, a elitização da educação superior pública no Brasil é uma realidade a ser enfrentada. No entanto, tal evidência demonstra na verdade, a perversidade do sistema escolar brasileiro, no qual, membros das elites ou "os herdeiros" à moda de Bourdieu, cursam a educação básica privada e ascendem a educação superior pública por meio dos vestibulares. Contudo, essa reprodução das desigualdades não serve de argumento para a privatização da educação superior pública, o que dificultaria ainda mais o acesso de pessoas de baixa renda ao ensino superior público. 

Mais uma vez é momento de defender a educação pública, direito constitucional previsto, primeiramente, no rol dos direitos sociais elencados no artigo 6º da nossa Constituição Federal, que prevê: “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma dessa Constituição". Ademais, no capítulo III - Da Educação, da Cultura e do Desporto, na Seção I, encontramos um rol de artigos que legitimam este direito. No entanto, o significado de educação pública deve ir além do elencado em nossa Constituição, conforme Foot Hardman e Pecóra uma "educação pública, universal e de qualidade igualmente acessível para quem nasça pobre, seja preto, pardo, indígena ou branco. Sem barreiras. Sem alfândegas". 

Para isso, é necessário mais do que políticas públicas de acesso ao ensino superior, mas sim o rompimento com esta lógica perversa de reprodução das desigualdades iniciada na educação básica e legitimada pela educação superior no Brasil.

Abraços,
Osvaldo.

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