por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR
No último dia 25 de junho, a presidente Dilma Rousseff sancionou sem vetos a Lei nº 13.005 que aprovou o Plano Nacional da Educação - PNE. Este plano, que prevê 20 metas e 200 estratégias para a Educação nos próximos 10 anos, foi colocado em discussão no final do governo Lula e aprovado com 4 anos de atraso. Debates entre especialistas da área indicam avanços e retrocessos do PNE colocando uma pergunta central: o PNE será capaz de democratizar as oportunidades?
No Brasil, a educação formal só se tornou pública com a independência e o advento do Império. Antes disso, durante o período colonial, a educação foi quase exclusividade dos jesuítas, desde a chegada da Companhia de Jesus em 1549 até a expulsão em 1776 por conta da Reforma Pombalina. Segundo Cynthia Veiga, esta educação tinha como principais objetivos a "alfabetização dos indígenas e escravos, o ensino da gramática latina para filhos de colonizadores e pretendentes ao clero". Além dos colégios confessionais, as preceptoras tiveram papel fundamental na educação das elites coloniais. Neste contexto, a coroa portuguesa pouco atuava em relação à educação.
Com a independência em 1822 teve início o projeto imperial de inserir o Brasil no rol de nações civilizadas. Nesta conjuntura, a instrução pública com o objetivo de formar uma elite letrada era um elemento fundamental para o acesso a esta “civilidade”. Circe Bittencourt aponta que desde 1823, durante os debates no entorno da Constituinte, a instrução pública e os materiais didáticos passaram a merecer a atenção dos responsáveis pelo Império. Em 1827 foram criadas as escolas de primeiras letras. No ano de 1834, com a descentralização do poder levada a cabo pelo Ato Adicional, as províncias passaram a ser responsáveis pela organização da instrução pública. Porém, apenas em 1837 foi fundado o primeiro colégio secundário do Brasil, o colégio D. Pedro II no Rio de Janeiro. Este colégio, por mais que fosse um projeto do governo imperial não era gratuito e, como pontua Dos Santos, era para poucos. Isso porque o colégio era pago e o objetivo era preparar a elite para o ingresso no ensino superior, geralmente cursado nas Universidades de Évora e Coimbra, em Portugal.
Com o advento da Proclamação da República em 1889, ocorreu a primeira reforma educacional brasileira, a Reforma Benjamim Constant. Esta reforma inaugurou o processo de laicização e tentativa de organização da instrução pública em três cursos: elementar (7-9 anos); médio (9-11 anos); superior (11-13 anos). Apesar da tentativa, permaneceu a lógica confessional e privada da instrução pública no Brasil.
Apenas durante a Era Vargas a organização da educação pública passou a ser uma política de Estado. Em 1931, a Reforma Francisco Campos centralizou os programas e instruções no recém criado Ministério da Educação e Saúde Pública, buscando diminuir os interesses e diferenças regionais. Neste sentido, Maria Auxiliadora Schmidt aponta que a Reforma promoveu a “coesão nacional”. Ainda no mesmo período ocorreu a valorização e expansão da escola secundária, o que não representou a democratização do acesso à educação, que permaneceu sendo um privilégio das elites.
Com a massificação da educação na década de 60, ou seja, a necessidade de abertura de vagas para as camadas médias e baixas da sociedade brasileira, a expansão da escola secundária continuou. Os governos militares (1964-1985) procuraram equacionar o problema da "democratização de oportunidades" com a “profissionalização técnica” instituída pelo decreto-lei nº. 5.692/71. Nesta, as camadas baixas e médias, sem acesso ao ensino superior, teriam a oportunidade de cursar contabilidade, magistério de 1º grau e secretariado. Tal pedagogia tecnicista acabou por aprofundar as desigualdades ao reservar para as camadas menos favorecidas o acesso ao ensino técnico e as mais favorecidas o ensino superior. Desta forma, a instrução ou educação pública religiosa ou laica permaneceu um privilégio das elites coloniais, imperiais ou republicanas no Brasil.
A realidade desigual apresentada aqui se deve a dois elementos fundamentais: a lógica do capital, resultado do sistema capitalista, que permitiu a expansão das instituições privadas de ensino em detrimento das públicas; e ao formato de "escola conservadora", segundo Bourdieu. Partindo de pesquisas no sistema de ensino francês nas décadas de 50 e 60, Pierre Bourdieu detectou a existência de uma escola reprodutora, ou seja, de uma escola que ao invés de oportunizar a mobilidade social, perpetua as desigualdades sociais por intermédio dos "herdeiros". Sendo assim, "tudo tende a mostrar que ele [o sistema escolar] é um dos fatores mais eficazes de conservação social".
Com a redemocratização e a necessidade de reforma da educação pública brasileira foi promulgada a lei Darcy Ribeiro nº 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Mais conhecida como Lei de Diretrizes e Bases, a LDB se configura como uma “lei pesada que envolve muitos interesses orçamentários e interfere em instituições públicas e privadas de grande relevância nacional como escolas e universidades” segundo Pedro Demo. Influenciada pelo ideário neoliberal do "estado mínimo" do governo Fernando Henrique Cardoso, esta lei descentralizou a organização e regulamentação da educação pública entre União, Estados e Municípios e aprofundou as diferenças entre os sistemas públicos e privados, abrindo espaço para o atrelamento da educação à lógica do capital. Ou seja, a educação, privilégio de poucos no Brasil, como atestam as produções acadêmicas na área de História da Educação, permaneceu desta forma quando transformada em mercadoria.
Durante os governos Lula e Dilma, políticas públicas de equalização das oportunidades educacionais como as cotas sócio-econômicas e raciais, o Programa Universidade para Todos - PROUNI - e o Financiamento Estudantil - FIES - têm apresentado resultados positivos. Porém, não são suficientes para alterar substancialmente a realidade de reprodução das desigualdades promovida pela educação no Brasil. Os números são alarmantes. De cada 100 alunos matriculados na 1ª série do Ensino Fundamental, apenas 59 concluem o 9º ano. Apenas 50,2% concluem o Ensino Médio até os 19 anos; 3,8 milhões de crianças e jovens estão fora das escolas; 8,6% da população com 15 anos ou mais, ou seja, 12,9 milhões de brasileiros são analfabetos. No Programa Internacional de Avaliação de Alunos - PISA -, o Brasil ocupa a 55ª posição em leitura, 58ª em Matemática e 59ª em Ciências.
Com o intuito de mudar este panorama, o Plano Nacional da Educação - PNE - tem como princípios fundamentais: universalização do ensino básico, alfabetização na idade certa, qualidade do ensino, valorização do professor e investimento em educação. O objetivo é atender todas as crianças de 4 e 5 anos (Educação Infantil) e os jovens de 15 a 17 anos (Ensino Médio) até 2016. No Ensino Fundamental de 6 a 14 anos, a universalização deve acontecer apenas em 2024, segundo o PNE. Todas as crianças deverão estar alfabetizadas até o final do 3º ano do Ensino Fundamental. Metas para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB - pretendem impulsionar a qualidade do ensino. O piso salarial do professor de R$ 1.697,22 deverá subir para R$ 3.652,00 e o investimento deverá crescer de 5,3% para 10% do PIB. As principais críticas ao PNE são: a demora para sua sanção, o problema envolvendo a distorção idade e série no que diz respeito à alfabetização das crianças até o 3º ano do Ensino Fundamental, a ausência do detalhamento das estratégias para a melhoria do ensino e a gestão de recursos extras.
Não obstante, para além da discussão meramente textual e técnica, o PNE não se propõe a discutir o principal problema enfrentado pela educação no Brasil: a dicotomia entre a educação pública e privada. Dentro deste panorama, assistimos a expansão da educação privada, que pode ser verificada mais claramente no ensino superior, como exemplo, cito o ano de 2011, no qual a educação no Brasil contava com 245 instituições públicas e 2.069 particulares. Sendo assim, políticas como o Programa Universidade para Todos - PROUNI - e o Financiamento Estudantil - FIES -, ao mesmo tempo em que promovem o acesso dos menos favorecidos ao ensino superior, injetam dinheiro público na iniciativa privada ao financiarem vagas nas instituições privadas, ou seja, representam medidas transitórias que ainda favorecem a lógica do capital.
Desta forma, para promover as mudanças pretendidas e a democratização das oportunidades, o PNE precisa vir acompanhado de mudanças estruturais que retirem a educação brasileira da rota do neoliberalismo e promovam o que István Meszáros nomeia de "educação para além do capital". Para isso, é fundamental a superação da "lógica desumanizadora do capital" baseada no individualismo, lucro e competição.
Abraços,
Osvaldo.
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