sexta-feira, 25 de julho de 2014

Redução da maioridade penal: como supostamente resolver um problema criando outro!

por JANAÍNA MAYRA DE OLIVEIRA WEBER


Na esteira do Aniversário do ECA, trazemos para a reflexão talvez o tema mais polêmico que envolve o estatuto na atualidade: a redução da maioridade penal. 

No ano passado, a Comissão de Justiça do Senado debateu por mais de seis meses o Projeto de Emenda Constitucional nº33/2012, de autoria do Senador Aluysio Nunes (PSDB) - também chamada PEC 33 -, a qual determina a redução da maioridade pena de 18 para 16 anos para quem comete crimes hediondos e inafiançáveis, bem como aqueles que forem reincidentes em crimes de lesão corporal. 

Ao final das discussões a comissão rejeitou o projeto e quando isso acontece, projeto não segue para votação em plenário no entanto, em Abril desse ano, o presidente do senado Renan Calheiros se comprometeu de colocar a matéria em pauta da mesma maneira. 

Os debates realizados procuraram manter o foco das discussões em três eixos: a eficácia da medida; a maturidade e o desenvolvimento mental do adolescente e a constitucionalidade da modificação legislativa. 

Dessa forma, antes de se discutir ou mesmo apoiar a redução da maioridade penal é preciso se atentar as seguintes questões fundamentais ligadas ao tema. 

1º quanto à eficácia da medida: 

Como é possível se debater sobre a redução da maioridade penal sem antes discutir (e reformular) o sistema carcerário brasileiro? 

Como reduzir a maioridade penal sem conhecer pelo menos um pouco da realidade dos presídios brasileiros, os números, as características gerais da população carcerária, seu modelo de gestão, e principalmente os números da reincidência ao crime? 

De acordo com o ministro do supremo Antonio Cezar Peluzo, o Brasil é um dos líderes mundiais em reincidência, o índice chega a 70%, ou seja, de cada dez presos, sete voltam a vida criminal. 

Na mesma linha ainda se faz necessário pensar as seguintes questões qual é, e qual deve ser seu papel social da prisão? Corrigir? Reeducar? Re- socializar? Ou apenas conter e segregar? Qual sua eficácia nos dias de hoje? 

A banalização da violência e os números da reincidência evidenciam que esse sistema carcerário não está dando certo nem para os adultos; Por que então deveríamos acreditar que ele daria para jovens? 



O filme "Carandirú" e o livro "Abusado: o dono do Morro D. Marta" mostram um recorte do lugar para onde queremos enviar nossos jovens e adolescentes nessa onda, e por mais que se diga que as coisas mudaram depois do massacre, que presídios melhoraram, a falta de perspectiva é a mesma e insistimos em fazer de conta que ela não é a mola propulsora das situações degradantes na cadeia e à volta a criminalidade. 

Reduzir a maioridade penal sem discutir e rever todo o sistema carcerário brasileiro, além de um discurso falacioso, maldoso e irresponsável, é o mesmo que querer curar um câncer (que seria a banalização da violência e a violência generalizada, cristalizada e naturalizada) usando um bandaid que já nem cola tem mais. 

2º a maturidade e o desenvolvimento mental do adolescente: 

A redação do ECA tipifica a crianças e o adolescentes como ser humano numa condição peculiar de desenvolvimento (ou formação), porque o ser humano deve se desenvolver a vida toda. Como condição peculiar de desenvolvimento pretende-se dizer que, ao menos para nossa sociedade, as experiências vivenciadas até a idade considerada sua maioridade são substancialmente constitutivas de sua personalidade e caráter, interferindo necessariamente no tipo de adulto que somos. Dessa forma, relações desequilibradas negativamente nessa fase podem interferir prejudicialmente a formação do individuo, como exemplo, as situações de vivência da violência, seja direta ou indireta, além de causar danos psicológicos e sofrimento a vítima, perpetua um ciclo nefasto de reprodução, muitas vezes reconfigurada ou mesmo, emaranhada nas definições e surgimento diário de novas patologias mentais e síndromes. 

Antes também de se considerar que o ECA está errado em sua tipificação e pronunciar as pérolas mais comuns no que tange esse assunto (“bandido é bandido desde pequeno”, “são facínoras travestidos de crianças”, “um adolescente sabe muito bem o que quer pois já pode votar” – essa é a pior) é preciso relembrar que não é a Lei quem diz que essa fase corresponde a condição peculiar de desenvolvimento é sim a ciência. 

Estudos sobre a infância podem até ser recentes, mas tem se mostrado inesgotáveis em todas as áreas de conhecimento e a grande constante em todos esse estudos é a influencia (em maior ou menor grau) da forma como se vive na infância, na forma de se viver, pensar e agir na fase adulta, seja negativamente ou positivamente. 

Antes de falar que o ECA protege bandidos porque o menor não é punido, é preciso ler e entender que a Lei já prevê punições para os adolescentes a partir dos 12 anos e o adolescente que comete ato infracional tem sanções previstas sim, passando a responder através das medidas sócio-educativas. Na Seção I do Capitulo V do ECA temos: 

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: 

I - advertência; 
II - obrigação de reparar o dano; 
III - prestação de serviços à comunidade; 
IV - liberdade assistida; 
V - inserção em regime de semi-liberdade; 
VI - internação em estabelecimento educacional; 
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. 

§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. 

Já na Seção I do capítulo II temos; 


Art. 90. As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e sócio-educativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de: 

I - orientação e apoio sócio-familiar; 
II - apoio sócio-educativo em meio aberto; 
III - colocação familiar; 
IV - abrigo; 
V - liberdade assistida; 
VI - semi-liberdade; 
VII - internação. 

Em ambos trechos é possível constatar que há sim sanções previstas aos adolescentes que cometem crimes, e que a internação, (longe de ser uma colônia de férias), tem seu papel e função muito bem demarcados e determinados nesse contexto, no entanto, é necessário discutir se os sistemas sócio-educativos hoje oferecidos, têm tido condições de cumprir com esse papel efetivamente ou se boa parte do que deveria ser, nunca saiu do papel, ou ainda, foi distorcido de sua idéia raiz, como vem acontecendo a outras instituições sócio-políticas, como a escola por exemplo. 

Como andam as medidas sócio-educativas em nosso município? Será que jovens que são pegos furtando, ou atos de vandalismo tem sido levados a reparar os danos? Será que os serviços prestados por eles tem tido o devido enfoque educacional? O que acontece depois que eles voltam da Fundação Casa? Que acontece lá na Fundação Casa? Será que lá dentro se tem a oportunidade de se ver outras possibilidades ńas frmas de viver em sociedade? Será que é ensinado lá dentro que trabalho pode compensar mais que o crime? 

Pra se falar de redução da maioridade penal, também é preciso discutir o conceito de violência. Se você fosse empreender uma pesquisa rápida sobre o conceito desta, por qual área de conhecimento começaria? Direito? Sociologia? Psicologia? História? ou Saúde? 

Pois o conceito mais explorado por grande parte das áreas de conhecimento partem da Organização Mundial da Saúde (OMS), isso sugere que a violência e a banalização dela é um problema mundial de saúde mental coletiva e não apenas decorrente do que muitos supõe como impunidade. É a patologia da humanidade como um todo ou, o principal sintoma de um estado de esquizofrenia coletiva que se instala paulatinamente, pois, provoca o seguinte paradoxo - na mesma medida em que eu temo a violência, eu a uso pra me defender – o maior exemplo (mais nefasto) disso é a onda de “justiçamentos” (linchamentos). 

De acordo com a OMS, violência é todo o uso de força física ou poder, desproporcionalmente, contra outra pessoa, grupo, comunidade e até mesmo contra si, que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação, seja exercida através de ameaça ou na prática. 

O fato de um país ou comunidade necessitar de uma Lei específica para proteger suas crianças já é um sintoma de uma humanidade doentia, quando cuidar das próprias crianças, deveria ser instintivo por parte de todos, primeiro por ser o mais frágil do grupo, sem condição de garantir sua própria sobrevivência por si, segundo, porque a sobrevivência da humanidade depende diretamente de como esta trata suas crianças. 

Comunidades consideradas primitivas costumam ter um olhar paternal/maternal coletivo pelas crianças, de forma, que todos são responsáveis por todas as crianças. 

Em nossa sociedade, “tão civilizada” não é possível visualizar isso, ninguém vê o menino todo sujo, pedindo uns trocados como se fosse seu próprio filho, pelo contrario, as reações variam entre indiferença e repulsa, e ambas violentas para quem está em formação. 

A exploração e abuso sexual infantil possuem números absurdos no Brasil, e só esse tema merece outro texto, isso é o escarro de tudo aquilo de mais vil que o ser humano pode ser, pois além de se aproveitar de uma relação de poder extremamente desequilibrada, provoca o sofrimento de alguém que não tem a menor condição de se defender, nem mesmo tem condição de saber se deve ou não se defender pois quem pratica é exatamente quem deveria proteger, por ser mais forte, mais experiente independente de grau de parentesco, a lógica da natureza é que entre a mesma espécie, o mais forte protege o mais fraco e a luta pela sobrevivência é travada contra as outras especies. 

Antes de reduzir a maioridade penal é preciso também se discutir o sistema que se mantem a custa da desigualdade social, a qual cristaliza e naturaliza a violência, pois hoje é muito difícil discernir o que é ato violento reativo por conta de vivencia prolongada em estado de privação e sofrimento, o que é reativo diante ao estímulo hiperbólico ao consumo (a qualquer custo, mesmo custando vidas) e o que já é psicopatia. 

A grande maioria dos jovens que cometem crimes e atos infracionais, vêm das classes mais baixas, são negros e tem envolvimento com tóxicos. Coloca-los nas cadeias muda o que no contexto de onde eles vêm? 

E pra quem gosta da máxima da Raquel Sheherazade “Tá com pena? Leva pra casa! – o filme “O contador de histórias” mostra a história real de alguém que levou e o resultado? Bem... vocês podem assistir o filme, já que não aprendemos com os números e com a História... 

Leia também: 

O mapa da violência - Jovens do Brasil 

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