por SANDRO CHAVES ROSSI
O capital interfere na democracia. Isso não é uma opinião, mas sim uma realidade. Realidade que é discutida há muito tempo e que, por mais que pareça obsoleta nos dias de hoje, ainda é bastante pertinente. Nos últimos dias, vimos a Grécia dar um basta nas medidas de austeridades impostas pela Troika, medidas que aumentaram ainda mais a dívida pública grega e colocaram inúmeros gregos em condição de miséria.
Há alguns anos atrás, a Grécia começou a sofrer com déficits no fundo de pensão e aposentadoria: o número de nascimentos diminuiu e a expectativa de vida aumentou, ou seja, poucas pessoas para contribuir e muitas para receber. Ainda hoje esse é um problema que assombra vários países da Europa. O que intensificou o problema grego foi o fato de que, até o ano passado, a Grécia passou por sucessivos governos neoliberais que fizeram inúmeras políticas de privatizações, o Estado diminuiu o valor arrecadado e a dívida continuou a crescer cada vez mais. Os empréstimos feitos eram frequentes, alimentavam o mercado e não as pessoas.
Quando as campanhas para a última eleição começaram, a Europa e o mundo se atentaram à liderança do Syriza nas pesquisas, um partido considerado por muitos de extrema esquerda. O destaque do Syriza é um reflexo da insatisfação da sociedade sobre uma democracia obsoleta, que deixa a população a mercê do mercado financeiro. Vale lembrar que a ascensão dos partidos de esquerda na Europa é muito evidente, principalmente na Espanha, onde o Podemos mobilizou a população contra as medidas de austeridade do primeiro ministro Mariano Rajoy.
"Acreditamos saber que existe uma saída, mas não sabemos onde está. Não havendo ninguém do lado de fora que nos possa indicá-la, devemos procurá-la por nós mesmos. O que o labirinto ensina não é onde está a saída, mas quais são os caminhos que não levam a lugar algum."
- Norberto Bobbio
O que todos temiam era que o Syriza desse um "calote" na dívida que a Grécia tinha com os bancos. Foi o que aconteceu. Assim que foi eleito, Alex Tsipras, do Syriza, fez uma reunião para analisar com mais cautela a dívida grega. Diversas irregularidades foram achadas e a Troika e o FMI ficaram cada vez mais atentos a qualquer manobra feita por Alexis Tsipras e seu ministro das finanças, o economista Yanis Varoufakis.
Diversas reuniões foram feitas entre o governo grego e os mais diversos representantes da União Europeia, liderados pela primeira ministra alemã Ângela Merkel. Ambos os lados foram irredutíveis nas negociações: a Troika queria mais austeridade e a Grécia queria o contrário. Alexis Tsipras não titubeou e convocou um plebiscito popular para decidir se a Grécia devia ou não continuar pagando a interminável dívida à troika.
O período entre a convocação do plebiscito e a votação foi de aproximadamente uma semana, o que causou um fervor nos mercados financeiros e principalmente na Europa. A pergunta feita nas urnas era: a Grécia deve continuar com as medidas de austeridade? Tsipras foi claro ao dizer para a população que caso o "não" (oxi) não vencesse, a Grécia se afundaria cada vez mais na crise.
As principais lideranças da União Europeia e a mídia fizeram um terrorismo exacerbado em cima do plebiscito e deram previsões catastróficas sobre o futuro grego caso o "sim" (nae) não vencesse. Destaque para o ministro das finanças alemão, Wolfgang Schäuble, que disse que o governo Syriza era irresponsável e que, antes do partido assumir o governo, a Grécia estava perto de sair da crise, o que não é verdade, como os próprios números já mostravam.
Alguns economistas de renome saíram em defesa da Grécia. Entre eles podemos destacar Paul Krugman, que venceu o prêmio Nobel de Economia em 2008 e Thomas Piketty, autor do livro "O Capital do Século XXI". Ambos saíram em defesa da democracia e foram muito categóricos ao justificar suas escolhas.
Após a vitória do "não", Paul Krugman disse:
“Acabamos de ver a Grécia enfrentar uma campanha verdadeiramente vil de bullying e intimidação, uma tentativa de assustar o público grego, e não só para que aceitasse as exigências dos credores, mas também para que se livrasse do seu governo”
“Foi um momento vergonhoso na história da Europa moderna, e teria aberto um precedente realmente tenebroso se tivesse sido bem sucedido.”
“A verdade é que os auto-denominados tecnocratas europeus são como os médicos medievais que insistem em sangrar os seus paciente – e quando o seu tratamento degrada a saúde dos doentes, exigem ainda mais sangramento.”
"Em qualquer caso, a democracia é mais importante do que qualquer acordo cambial."
Krugman ainda reforça as opções que a Grécia tem depois do plebiscito, como a criação de uma moeda paralela ao Euro, caso os gregos não possam se manter na zona euro, é porque essa moeda comum não oferece qualquer alívio aos países em dificuldades.
Thomas Piketty fez uma análise mais histórica da situação grega e lembrou que a Alemanha nunca pagou uma dívida:
"A Grécia devia usar a mesma solução da Alemanha que não pagou sua dívida externa nem depois da Primeira nem depois da Segunda Guerra Mundial. Ou seja, o país deve fazer uma reestruturação, perdão, inflação e aumento de impostos e tributos. Com isso, a dívida da maior economia da zona do Euro conseguiu sair de 200% do PIB para 20% nos dez anos que seguiram à Segunda Guerra Mundial"
Talvez o que seja mais importante ressaltar disso tudo é que os calotes que os governos dão em dívidas exorbitantes não é nenhuma atitude absurda. O capital não deve ser posto à frente do bem-estar social. A democracia se consolida com mobilização popular, que nos últimos anos se rebelou contra um sistema financeiro altamente destrutivo, que tira pouco de muitos para dar muito para poucos. É bom frisar que a Grécia não é o primeiro país a dar calote no mercado financeiro e nem vai ser o último. Ainda bem.
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