por SANDRO CHAVES ROSSI
Acredito que boa parte das pessoas já ouviu algumas frases do tipo "mulher não sabe jogar bola" ou "futebol é coisa de menino". Lembro perfeitamente que quando eu era criança as meninas eram excluídas dos jogos de futebol. Quando jogavam entre os meninos, não eram levadas a sério, por mais que se destacassem. Bem, depois de vários anos e nas suas devidas proporções, a situação não mudou muito.
A história explica bem a tardia emancipação do futebol feminino no Brasil. Nas décadas de 30 e 40, o futebol feminino era praticado apenas como lazer, não tinha um grande público e estava longe dos olhares da grande mídia. Em 1941, Getúlio Vargas proibiu que as mulheres praticassem alguns esportes, dentre eles o futebol. A proibição prosseguiu durante outros governos, tendo seu fim somente na década de 80. A Seleção Brasileira de Futebol Feminino teve sua estreia em 1986, quando enfrentou os Estados Unidos em um amistoso internacional e foi derrotada por 2 a 1.
Desde então, o futebol feminino nunca foi valorizado no Brasil e ainda está longe: sofre com a falta de apoio, investimento, visibilidade e desenvolvimento. Os grandes clubes não investem no futebol feminino com a justificativa de não haver retorno, patrocinadores não investem dinheiro alegando não haver visibilidade, o público não assiste as partidas porque não há exposição e, com isso, o esporte não cresce.
Voltando no tempo, lá na minha época de criança, que era boa parte da década de 90 até meados dos anos 2000, se houvesse algum questionamento (e pode ter certeza que havia) do por quê o futebol feminino não tem visibilidade, garanto que a maioria das respostas seria: o futebol feminino não é vitorioso como o masculino. Mas é aí que está o maior impasse de hoje em dia, o futebol masculino está em declínio há um bom tempo, enquanto o feminino, apesar dos pesares, continua sempre nos surpreendendo.
A Seleção Brasileira de Futebol Feminino sempre "bateu na trave" nas competições, amargou diversos vices-campeonatos e algumas medalhas de prata em Pan Americanos e Olimpíadas. Porém, esse ano no Pan Americano de Toronto, no Canadá, a história foi diferente: as meninas conquistaram seu primeiro ouro ao golear a Colômbia por 4 a 0, vitória que foi somada a um grande alívio por parte das jogadoras, que tiveram medo de levar mais um vice pra casa. No cenário futebolístico brasileiro, o fato causou uma surpresa muito grande, visto que há pouquíssimos investimentos na seleção feminina, ao contrário da masculina, que possui um elenco milionário e nos mostra ultimamente um futebol medíocre e desmotivador.
Apesar da pouca visibilidade aqui no Brasil, o futebol feminino brasileiro é muito prestigiado fora do país, principalmente nos EUA, onde há o maior campeonato de futebol feminino do mundo, e é pra lá que vai a grande maioria das nossas melhores jogadoras. O investimento dos EUA no futebol feminino trouxe muitos resultados, é a seleção que ocupa o primeiro lugar no ranking da FIFA, seguida pela Alemanha, que nos últimos anos também aumentou muito os investimentos na modalidade.
Além dos investimentos, qual a principal diferença entre essas seleções e a brasileira? A diferença está em algo que nós brasileiros conhecemos há muito tempo: somos naturalmente um país que cria muitos bons jogadores. Se você acha que existe diferença entre o futebol masculino e o feminino em relação a isso, está redondamente enganado. Temos dois grandes exemplos atualmente na Seleção Brasileira, que são Marta e Cristiane. Em 2004, Marta recebeu a Bola de Ouro pela Copa Sub-20; em 2006 recebeu pela primeira vez o prêmio de melhor jogadora do mundo pela FIFA; em 2007 recebeu mais três prêmios: a Bola de Ouro e a Chuteira de Ouro pela Copa do Mundo, e também o prêmio de melhor jogadora da FIFA, este último que se repetiu ainda em 2008 e 2009. Marta ainda recebeu seu último prêmio em 2010, mais uma vez com a Bola de Ouro. Já Cristiane é a maior artilheira das Olimpíadas, com 12 gols marcados, além que já ter conquistado a artilharia de duas Copas, a última conquistada esse ano, com 6 gols marcados.
Ainda há uma luz no fim do túnel. Após a última Copa do Mundo, a CBF ganhou uma verba da FIFA para investir no futebol feminino. A entidade máxima do futebol destinou 15% dos R$ 100 milhões que deixou como parte do "legado da Copa" à modalidade, que recebeu mais atenção neste ano. A presidente Dilma Rousseff disse, no início deste ano, que uma das "prioridades" seria a "massificação do futebol feminino". A CBF realizou um Seminário de Desenvolvimento do futebol feminino com parte desse dinheiro no mês passado e pediu apoio do governo federal para popularizar a modalidade.
Hoje o que impede a emancipação do futebol feminino talvez se restrinja somente à questão de gênero: o machismo é a maior barreira a ser ultrapassada. Isso não é uma opinião e sim uma realidade. Não é a toa que o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, pediu ajuda ao governo para que o futebol feminino comece a ser valorizado já nas escolas, como parte da educação dos jovens. Ele fez questão em enfatizar isso no Seminário: "O governo tem que nos ajudar. Temos que colocar o futebol feminino nas escolas, com as aulas de educação física. Temos que abrir oportunidades para as meninas que desejam jogar futebol"
Para conseguir jogar bola no Brasil, as mulheres tiveram que enfrentar não só a falta de investimentos das empresas e dos governos, tiveram que enfrentar a sociedade como um todo, onde o machismo era a palavra final. Hoje, em meio à crise institucional da CBF, do declínio do futebol milionário da seleção masculina e de machismo ainda pertinente, quem nos torna ainda dignos de ter o título de "país do futebol" são as mulheres. Driblar as dificuldades dentro e fora de campo é o maior atestado de que sim, mulher sabe jogar bola.
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