quarta-feira, 15 de julho de 2015

A intolerância nossa de cada dia

por SANDRO CHAVES ROSSI



"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VI - e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;


A liberdade religiosa está garantida na Constituição brasileira, porém nos últimos tempos ela vem sendo ameaçada pela ascensão do conservadorismo, que tem como alguns representantes líderes evangélicos fundamentalistas. A intolerância propagada por tais líderes gera inúmeras reações adversas na sociedade, que chegam a níveis extremos, como a violência física.

O fundamentalismo evangélico atrai cada vez mais devotos. Isso é resultado de um investimento midiático gigantesco. Pastores compram cada vez mais horários na televisão e no rádio, têm milhares de "curtidas" e "seguidores" nas redes sociais. Há vários meios para que eles sejam ouvidos.

Há alguns dias atrás, um vídeo se popularizou nas redes sociais. Um pastor evangélico conhecido como "Pastor Lucinho" estava realizando um culto, quando convocou seus fiéis para invadir uma festa candomblé, além de ter dito que já havia feito isso antes. No vídeo em questão, Lucinho diz coisas do tipo "festa do capeta", "centro de macumba" e “Vamos dar um busca e apreensão no preto velho”.

O Pastor Lucinho é bem conhecido por suas atitudes polêmicas. Viralizou na internet ao postar uma foto em que ele aparece cheirando a bíblia, fazendo alusão aos usuários de cocaína e, no intuito de promover o seu culto e atrair mais fiéis. Lucinho possui várias acusações de intolerância religiosa e apologia à violência. Quando questionado sobre as acusações, o Pastor diz: "Desrespeito é não ler a Bíblia. É não crer nela. Desrespeitar a Bíblia é se dizer cristão em época de eleição e não dar exemplo após ser eleito".


Dias antes da propagação do vídeo nas redes sociais, um caso chocou o Brasil: no Rio de Janeiro, uma menina de 11 anos foi atacada com uma pedrada na cabeça quando saía de um centro espiritualista. O grupo que atacou a menina era de evangélicos e cometeram tal ato porque ela estava com trajes do candomblé. Testemunhas disseram que o grupo dizia coisas do tipo "sai Satanás, queima! Você vai queimar no fogo do inferno".

O ferimento causado pela pedrada não foi muito grave, nada que alguns pontos e remédios não resolvessem. A maior ferida foi o medo que a situação causou na comunidade, principalmente na menina, que em depoimento disse: "Continuo na religião, nunca vou deixá-la. É a minha fé. Mas não saio mais de branco. Nem no portão eu vou. Estou muito, muito assustada. Tenho medo de morrer. Muito, muito medo”

Não é algo esporádico o ataque de alguns grupos evangélicos a religiões de origem africana. No começo do ano, também no Rio de Janeiro, um terreiro de umbanda foi atacado por um grupo de evangélicos fundamentalistas, que invadiram o local e quebraram todas as estátuas que haviam lá dentro. A dirigente do terreiro, Cristina Fernandes, disse que os ataques sempre foram frequentes, mas se limitavam a denuncias para polícia, como queixas de excesso de barulho, mesmo quando não havia culto. Cristina disse que procurará outro lugar para montar o terreiro, pois tem medo de novos ataques e que eles possam afetar a integridade física de algum dos devotos.

Talvez o que mais chame a atenção nisso tudo seja o fato dos líderes evangélicos dizerem que não tem nada a ver com tais fatos, sempre procurando uma desculpa para se isentarem da culpa. É o que aconteceu no caso citado anteriormente da menina de 11 anos que levou uma pedrada: o pastor Silas Malafaia foi rápido ao se pronunciar contra o ato, disse que os evangélicos não têm nada a ver com isso. O mesmo foi feito pelo pastor e deputado federal Marcos Feliciano (PSC-SP), que tentou, a todo custo, limpar a barra dos evangélicos fundamentalistas.

O empenho desse líderes é em vão, pois os mesmos veículos de mídia que amplificam suas vozes para a sociedade os denunciam: basta gastar menos de 5 minutos no YouTube para achar um discurso intolerante desses pastores ou de qualquer outro, inclusive padres. Eles montaram sua fama em cima desses discursos, é tarde demais para negá-los, mas não para consertá-los, pena que eles não têm empenho pra isso, ou talvez nem queiram.

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