terça-feira, 30 de junho de 2015

Rulfo e a fragmentação da realidade mexicana em Pedro Páramo

por LUISA DE QUADROS COQUEMALA


“... Havia uma lua grande no meio do mundo. Eu perdia meus olhos olhando você. Os raios da lua filtrando-se sobre a sua cara. Não me cansava de ver essa aparição que era você. Suave, esfregada de lua; sua boca inchada e suave, umedecida, colorida de estrelas; seu corpo transparentando-se na água da noite. Susana, Susana San Juan.”



Em 1955, o escritor mexicano Juan Rulfo publicava o que seria seu primeiro e único romance: Pedro Páramo. A história, basicamente, gira em torno da busca que Juan Preciado faz por seu pai, Pedro Páramo – um pedido de sua mãe momentos antes de morrer. 

Assim, Juan Preciado parte para Comala, cidade de seu pai. Diante de tal configuração, logo vem à mente a estrutura típica desse tipo de enredo: ao fazer uma busca pelo outro, a personagem acaba por realizar uma reflexão e crescimentos interiores, consequência direta das relações que sua busca traz. Contudo, de cara já há uma quebra de expectativa porque o que mais esperamos que aconteça simplesmente não acontece.

Assim que chega a Comala, Juan Preciado tem vários encontros cobertos de conversas aparentemente desconexas e desaparecimentos misteriosos. Com o decorrer da história, descobrimos que estamos num local onde vida e morte, passado e presente confundem-se: Comala, outrora cheia de vida, agora é uma cidade fantasma! O livro não é composto de capítulos, mas de cenas desconexas, momentos que vão e voltam, intercalam-se na narrativa. 

E é justamente através do ligamento do desconexo que conseguimos construir uma imagem total. Quase como montar um quebra- cabeça. Logo entendemos que Pedro Páramo é uma espécie de coronel e, mais do que isso, percebemos que sua história vai sendo contada na medida em que Preciado dissolve-se cada vez mais na narrativa, dando lugar não somente à história de seu pai, como também a outras personagens extremamente interessantes e essenciais para a compreensão do enredo.

E o mais impressionante é que, apesar da estrutura fragmentada que seria um marco para a quebra do realismo Europeu à la século XIX na literatura latino-americana, o autor consegue compor quadros desconexos, mas pintados com grande beleza e sensibilidade. A própria fragmentação é bem pensada num nível de extrema maestria – e, no fim, o que temos é uma galeria que se apresenta de forma magistral. Quando menos esperamos, estamos imersos num universo de morte e encanto, em sintonia com Preciado, que caminha reflexivo diante de tudo que descobre: “Percorreu as ruas solitárias de Comala, espantando com seus passos os cães que fuçavam o lixo. Chegou até o rio e ali se entreteve olhando nos remansos o reflexo das estrelas que estavam caindo do céu. Levou várias horas lutando com seus pensamentos, jogando-os na água negra do rio”. 

Não sabe-se exatamente o momento exato em que a história de Pedro Páramo se passou e o momento em que a história de Juan Preciado se passa. Contudo, há indicações de que Páramo viveu em época da Revolução Mexicana. Há trechos, inclusive, em que o nome de Pancho Villa, grande personagem da Revolução, aparece. 

Num México que vivia em meio a degradações, explorações e abusos com a ditadura de Porfírio Días, e que iria lidar por muito tempo com assuntos como a questão agrária e a enorme injustiça social, acredito que Rulfo uniu magistralmente a forma ao conteúdo. Num México desfragmentado em si mesmo, a própria realidade passa a ser desconexa. 

Comala com seu coronel, sua população pobre e extremamente religiosa e a passagem de revolucionários, dá um retrato geral do que é ser mexicano. Preciado é apenas mais um filho de coronel. Em certo sentido, sua busca é também a busca de sua nação: a tentativa de explicar seu passado para então, quem sabe, conseguir seguir em frente, em busca de dias melhores e mais justos. 

Não é à toa que este pequeno romance serviu como principal inspiração para a obra Cem Anos de Solidão, do aclamado autor Gabriel García Márquez. Jual Rulfo, de cara, mostra-se um autor muito talentoso, despertando em nós uma sensação de totalidade e fazendo-nos recordar a bela passagem de Walter Benjamin: “Em consequência, o romance não é significativo por descrever pedagogicamente um destino alheio, mas porque esse destino alheio, graças à chama que o consome, pode dar-nos o calor que não podemos encontrar em nosso próprio destino. O que seduz o leitor no romance é a esperança de aquecer sua vida gelada com a morte descrita no livro”.


Ficha Técnica

Autor: Juan Rulfo
Nacionalidade: Mexicano
Livro: Pedro Páramo
Edições publicadas no Brasil: Paz e Terra (1998), Editora Record (2004) e BestBolso (2008)

Um comentário:

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