terça-feira, 16 de junho de 2015

Conheça Jesus, o Revolucionário

Pacifista? Moderado? Messias? Não, pelo contrário 

por LUIS FELIPE MACHADO DE GENARO

Há poucos meses o mundo acadêmico (e também midiático) foi chacoalhado por uma polêmica obra redigida pelo jovem professor Reza Aslan. Desconhecido pela maioria, Aslan é um proeminente pesquisador das religiões formado em Harvard e especializado na Universidade da Califórnia. 

"Jesus chama São Mateus" (Caravaggio)

 Após anos de pesquisas, traduções e análises do Velho e Novo Testamento, juntamente com uma vasta documentação de cronistas da época, Aslan resgatou um delicado debate sobre a natureza histórica de um dos personagens mais controversos de todos os tempos. Entre épocas, um personagem que regressa com tamanha virulência que, neste artigo, resgatarmos um pouco de sua história mostra-se, no mínimo, necessário. 

Intitulada Zelota – A Vida e Época de Jesus de Nazaré, o livro abalou os pilares contemporâneos da doutrina cristã, novamente fomentando discussões entre teólogos, historiadores e cientistas da religião. 

Pregado – e deturpado – diariamente nos púlpitos e altares, Jesus é pintado como pacifista entre bárbaros, moderado entre as lideranças de sua época e messias para seus seguidores. Entretanto, Reza Aslan resgata em seu livro uma das faces mais eclipsadas do mestre. 

O enfoque da obra é dado ao conturbado contexto em que ele nasceu e viveu. Contexto politicamente efervescente, onde a disparidade entre ricos e pobres era gritante; onde o messianismo difundia-se; e indivíduos até então desconhecidos levantavam armas contra as principais autoridades da época: a casta sacerdotal judaica e os governantes romanos. 

Conhecido como aquele que deu a segunda face, Jesus pode não ter sido tão ponderado como pastores e padres afirmam e anseiam. Ao leitor leigo, a epígrafe do livro dá início a uma jornada de desconstrução de dois mil anos de História: “Não pense que eu vim trazer paz sobre a terra. Eu não vim trazer paz, mas a espada” (Mateus, 10:34). 

"A captura de Cristo" (Caravaggio)

Definitivamente, a paz não reinava no tempo em que Jesus nasceu. Militar e politicamente dominada, a Palestina encontrava-se sob o jugo do Império Romano, e a terra de Deus, de seus imperadores. Não obstante, a casta sacerdotal judaica, conivente com as sanguinolências da aristocracia romana, vivia em meio ao luxo e a ostentação do Templo. Mediadores entre o céu e a terra, davam em sacrifícios a Jeová o pouco que o restante miserável tinha a oferecer – e miseráveis, no período, era o que não faltava. 

Foi neste contexto que inúmeros judeus subversivos orquestraram insurreições “nacionalistas” contra o Templo, rebelando-se contra Roma. Neste ínterim, uma espécie de “partido”, ou agrupamento com ideias contrárias à ocupação estrangeira e aos luxos dos sacerdotes e escribas havia sido constituído. 

Segundo Aslan, “havia um termo bem-definido para esse tipo de crença, um termo que todos os judeus piedosos, independente da posição política, teriam reconhecido e orgulhosamente reivindicado para si: o zelo”. 

Os zelotas eram “nacionalistas” extremados, que se necessário faziam uso da violência e pregavam o fim de uma ordem vigente baseada nos ditames estrangeiros. Eram inimigos dos que indignamente ocupavam e zombavam da “Terra de Deus”. 

Nacionalismo, como se sabe, é um conceito moderno. Não havia entre os zelotas uma “paixão” ou “dedicação” pela “pátria”, mas pela localidade geográfica, considerada sagrada. Uma crítica à obra Zelota pode ser feita neste sentido. Aslan usa e abusa do conceito, mas não o historiciza. Por isso, aqui, as aspas são necessárias. 

"Jesus em armas" (Grafite na Venezuela)

Outra coisa: longe do autor afirmar com absoluta certeza que Jesus de Nazaré, camponês semianalfabeto vivendo até a idade adulta como artesão nas cidades de Séforis e Galileia, era um membro zelota. Contudo, o ímpeto de Jesus frente às autoridades de seu tempo mostra no pregador itinerante, misterioso, irrequieto, um sentimento zeloso que jamais havia sido notado. 

Historiadores e analistas bíblicos sabem das discrepâncias e dos bastidores conflituosos de escrita e canonização dos evangelhos. Afirmar certezas é sempre um grande risco. Porém, uma análise acurada de seus textos revelam resquícios interessantes do outro lado do nazareno. Vejamos dois fatos presentes nos evangelhos que podem ser rememorados. 

Dias antes de ser crucificado pelo crime de sedição, ou traição ao Império – pena dada aos desordeiros, terroristas e revoltosos da época, assim como outros “messias” de seu tempo o foram – Jesus entra no Templo derrubando mesas, quebrando cadeiras, libertando animais e empurrando quem estivesse em seu caminho. Esbaforido, ele grita: “Tirai essas coisas daqui!”. Depois continua: “Está escrito: a minha casa será chamada casa de oração para todas as nações. Mas vós fizestes dela um covil de ladrões”. 

Segundo Reza Aslan, “um ataque aos negócios do Templo é semelhante a um ataque à nobreza sacerdotal, o que, considerando-se a relação emaranhada do Templo com Roma, equivalia a um ataque direto à própria Roma”. 

Havia também o caso da tributação ao centro imperial. Para os zelotas, tal ato era uma afronta impiedosa. Quem não se lembra da máxima de Jesus após o indagarem se era lícito pagar tributo a César? “Mostrai-me um denário”, disse Jesus, referindo-se à moeda romana usada para pagar tributo. “De quem é esta imagem e esta inscrição?”. “É de César”, as autoridades responderam. “Bem, então devolvei a César a propriedade que pertence a César, e devolvei a Deus a propriedade que pertence a Deus”. 

Para Reza Aslan, “é surpreendente que séculos de estudos bíblicos tenham deturpado essas palavras como um apelo de Jesus para pôr de lado as coisas deste mundo – impostos, tributos e conflitos políticos – e concentrar o coração, em vez disso, nas únicas coisas que importam: a adoração, orações e a obediência”. Contudo, não apenas isso foi deturpado. 

"O flagelo de Cristo" (Caravaggio)

Após a morte de Jesus e a queda de Jerusalém, em 70, a seita nazarena alastrou-se rapidamente pela Palestina. Inúmeras comunidades cristãs se estabeleceram nos grandes centros urbanos, onde os evangelhos começavam a ser escritos por indivíduos dotados de erudita bagagem literária – e não pelos discípulos, como se imagina. Como um grande telefone sem fio, a mensagem do messias soprou como um vento forte pelos desertos, transformando-se e alterando-se com o passar das décadas. 

Com o nascimento da Igreja Católica e seu desenvolvimento através dos séculos, no epicentro de antigas revoltas, os registros do judeu subversivo, politicamente consciente e que havia confrontado a ordem estabelecida empunhado armas contra um dos maiores Impérios da Antiguidade, transformava-se, deturpava-se: do revolto para o pacifista. “Se tu não tens uma espada, vai vender teu manto e compra uma”, ordenou Jesus aos discípulos horas antes de ser capturado por uma legião romana. 

No ano de 425, durante o Concílio de Nicéia, um fato estava consumado: a Igreja Cristã subia ao lado do trono imperial. No cume da glória, subversão seria uma palavra incômoda. Desordem, um estigma. Com urgência, o nazareno revolto tinha de ser soterrado. 

Indagações permanecem. Como separar o fato da crença? Como compreender séculos de distorção histórica e encontrar a verdade original? Há uma verdade? Questões à parte, em tempos obscuros como os de hoje – cheio de fanáticos, reacionários, conservadores e ainda assentado na desigualdade social –, pelas vias do impossível e os obstáculos da História, Reza Aslan tentou uma façanha mais que urgente: recuperar Jesus antes do cristianismo. 

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