quinta-feira, 18 de junho de 2015

Outros outubros virão

A Frente Popular Nacional como resposta viável aos avanços da agenda conservadora no Brasil

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR

Alguns dos idealizadores da formação da Frente Nacional Popular.


No último artigo publicado aqui falei sobre os 12 anos de gestão petista e o esgotamento do modelo desenvolvimentista implantado pelo ex-presidente Lula. Conclui com as palavras de Eliane Brum, entendendo que além do esgotamento do modelo econômico, o PT “perdeu a capacidade de representar um projeto de esquerda”. Tal constatação abre um novo debate: é possível formar uma frente de esquerda no país?

Capitaneada por intelectuais de esquerda, líderes de movimentos sociais e até empresários, a Frente de Esquerda começou a ser gestada logo após a reeleição de Dilma Rousseff. A disputa acirrada das eleições e o debate clivado pelas posições mais a esquerda e a direita entre Dilma e Aécio fizeram reascender a esperança de que a presidenta faria um governo no mínimo de centro-esquerda. Pautas progressistas foram colocadas em debate e defendidas pela presidenta Dilma. Porém, o que se viu após a sua posse foi no mínimo frustrante. A indicação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e a política de austeridade implantada por ele soterraram qualquer esperança de um governo progressista.

O movimento a direita de Dilma gerou críticas internas do próprio Partido dos Trabalhadores – PT. Dentre as principais figuras do PT, o ex-governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro tem assumido papel de protagonista na composição da possível frente em gestação. Tarso afirmou que “o PT precisa de um choque de sociedade cívil” e que “o sistema de coalizão não serve mais pra nada”. Diante disso, reuniões e mesas de debate como a ocorrida no Clube de Engenharia, no Rio de Janeiro em abril reascenderam o debate sobre a composição de uma frente de esquerda no Brasil, que seria nomeada de Frente Popular Nacional.

Abaixo elenco os motivos que me levam a defender a formação da Frente Popular Nacional:


1. AVANÇO DA AGENDA CONSERVADORA:


As eleições de outubro de 2014 representaram um golpe duro para a esquerda brasileira, que assistiu a vitórias dos partidos conservadores em várias frentes. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar – DIAP, foi eleito o Congresso mais conservador desde 1964. Cresceram as bancadas “da bala”, “religiosa” e “ruralista”. Neste ínterim, a eleição de Eduardo Cunha do PMDB para a presidência da Câmara dos Deputados possibilitou o fortalecimento da agenda conservadora. 


Eduardo Cunha e correligionários comemoram a sua vitória para a Presidência da Câmara dos Deputados. 

A terceirização foi aprovada em abril e atualmente a “Reforma Política” conservadora vem sendo aprovada em doses homeopáticas. Outras pautas conservadoras como a redução da maioridade penal serão levadas ao plenário em breve. Isso nos permite afirmar que existe uma composição de forças conservadoras que ameaça a democracia e os direitos conquistados no Brasil. Dessa forma, a frente pode representar uma coalização de forças progressistas para fazer frente a ascensão da direita conservadora.

2. CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE PAÍS

Há tempos percebe-se que o governo petista foi incapaz de construir um projeto de país que fosse além do desenvolvimentismo baseado no consumo e da tentativa de equalização das desigualdades por meio dos programas de transferência de renda. Tal constatação permite afirmar que é necessária e urgente a construção de um projeto de esquerda para o país, que permita a manutenção e ampliação dos direitos sociais obtidos. Porém, é fundamental que essa construção não seja exclusividade dos políticos e intelectuais de esquerda, mas sim dos trabalhadores e dos movimentos sociais. Um projeto de país que leve em consideração pautas como: o renda mínima, a taxação das grandes fortunas, os direitos a moradia e a terra, os direitos das minorias LGBTT, indígena e negra, a descriminalização do aborto, um novo modelo de segurança pública que leve a extinção da Polícia Militar, dentre outras. Todas pautas progressistas de diferentes partidos de esquerda que acabam isoladas no debate político partidário. A frente poderia ter um papel fundamental na articulação das pautas em defesa de um modelo socialista de país.

3. OS EXEMPLOS DE SUCESSO

Dentre os exemplos de sucesso das coalizações de esquerda, a Frente Ampla uruguaia parece o mais emblemático deles. Composta em 1971 por vários partidos políticos de esquerda e centro-esquerda, a FA foi posta na clandestinidade durante a Ditadura Militar. Em 1989, o partido elegeu Tabaré Vázquez para a prefeitura de Montevidéu. Em 2004, o mesmo Tabaré foi eleito presidente da República. Sucedido por Mujica, Tabaré Vázquez reassumiu a presidência em 2015 para concluir o ciclo de 15 anos de governo da FA no Uruguai. 

Pepe Mujica e Tabaré Vázquez na cerimonia de posse. 

Pepe Mujica, talvez o maior ícone da esquerda latinoamericana na atualidade, promoveu a aprovação de leis progressistas como a descriminalização do aborto, o casamento igualitário e a legalização da maconha. Os resultados dos governos socialistas da Frente Ampla são perceptíveis nos números. O Uruguai cresceu em média 6,4% por ano, um dos maiores crescimentos da América Latina. Além disso, o país tem o menor índice de percepção de corrupção da América Latina, segundo a ONG Transparência Internacional e o relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e é o mais seguro para viver com a taxa de analfabetismo próxima de zero. Tais mudanças foram possíveis a partir da aproximação de partidos distintos, porém com pautas que os uniam. O movimento de transmutação da esquerda tradicional para o progressismo pode servir de inspiração para a constituição da frente de esquerda brasileira. 

O projeto envolve muitos interesses conflituosos e o mais problemático, uma luta de egos que parece não ter fim quando se trata da esquerda brasileira. Apesar disso, o movimento de aproximação entre Tarso Genro – PT e Marcelo Freixo – PSOL parece um ponto de partida interessante pensando que o Rio de Janeiro é e sempre foi um grande palanque para as ideias progressistas. Genro pode representar o movimento de volta as origens do desgastado PT, enquanto Freixo representa um dos principais nomes da esquerda brasileira e do PSOL. Uma campanha popular de esquerda a prefeitura do Rio de Janeiro em 2016 pode servir de laboratório para a composição da Frente Popular Nacional com vistas a 2018. 

Nesta direção, discordo de Safatle quando afirma que o que falta para a esquerda não é direção, mas coragem. Falta sim direção para uma esquerda multifacetada que ao tornar beligerantes as diferenças não permite a construção de um projeto de esquerda para o país. Dessa forma, enquanto continuarmos a nos tratarmos como “inimigos” íntimos assistiremos ao fortalecimento da coalizão conservadora e ao ataque a democracia e aos direitos conquistados.

Abraços,
Osvaldo. 

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