por LUIS FELIPE MACHADO DE GENARO
Exploração, subordinação e violência estrutural a níveis jamais observados. Reprisadas catástrofes ambientais, repressão policial, superpopulação e o fim das democracias.
Neste novo tempo do mundo, paradigma cunhado pelo filósofo brasileiro Paulo Eduardo Arantes, a emergência e a exceção, muitas vezes impercebíveis pela maioria, parecem desmembrar o sujeito globalizado, atordoa-lo e enlouquecê-lo.
Perceptível, o real e o virtual mesclaram-se. Mesmo enraizadas no solo dos séculos, conceitos, ideologias e valores perderam seus mais intrínsecos significados, assim como as instituições tradicionais que as resguardavam.
Com o vertiginoso crescimento das grandes metrópoles, a população triplica a cada instante, e entre mansões e casebres o foço cresce sem cessar. Neste mesmo horizonte, torres do progresso escurecem os ares urbanos e destroem, dia a dia, o verde que parece nos restar.
Perante uma crise generalizada sem fim determinado caminhamos sobre uma corda bamba prestes a rebentar. Engolimos mentiras, assistimos a escândalos e aceitamos estatísticas inexistentes.
Os novos senhores do mundo, outro arquétipo dos poderosos de nossa época, como bem forjou o jornalista australiano John Pilger, erguem-se, intocáveis e resolutos.
Dia após dia nos deparamos com discursos vazios, programas falhos e privilégios gozados por uma minoria impetuosa e onipresente.
Permanecemos submissos perante uma plutocracia global, onde os que lucram orientam o porvir do mundo. Suas vitrines anunciam novos preços e promoções imperdíveis, e a cada minuto novos produtos inundam os grandes templos do consumo, alastrando-se rapidamente por um mercado afluente, veloz e invisível.
Em grande parte, uma tecnologia cada vez mais obsoleta guia o compasso das mentes. Somos levados a consumir o que não podemos, o que não queremos e o que não precisamos. Sustentamos nossa própria destruição.
Enquanto no Ocidente mantêm-se Estados de vigilância travestidos de democracias liberais, prostradas ao grande capital e às instituições financeiras, indústrias orientais transformam-se em sanguinárias abadias da escravidão.
Compramos e utilizamos produtos que vertem suor e lágrimas de escravos modernos. Entre hemisférios, e não apenas do lado de lá, vive-se um vice-versa mercadológico angustiante.
A riqueza, o poder e o lucro sucumbiram à justiça, igualdade e à utopia. Não há projetos, planos e cartilhas. Partidos políticos e sindicatos vêm perdendo, pouco a pouco, sua força motriz: a representação das massas.
Como refletiu o filósofo pós-moderno Zigmount Bauman, as relações tornaram-se líquidas e instáveis. Incerto, tudo se dissolve rapidamente.
Em maior ou menor grau estamos cientes do novo tempo do mundo. O relógio atropela a realidade, assim como o calendário e o labor empurram as classes oprimidas à exaustão eterna.
Nas fábricas e lavouras, permanências brutais. Nos escritórios e empresas, impérios do senso comum, instabilidade e uma doentia paixão dos dominados por aqueles que os dominam.
Não determinamos – e nunca o fizemos! – quem e como se controlam as riquezas produzidas pelo homem comum. Confundem-se as esferas pública e privada e em tempos de recrudescimento de oligopólios e baronatos da imprensa, nada conhecemos com certeza.
Somos levados a acreditar que a riqueza produzida é distribuída entre todos; que não há miséria; que jornais são imparciais; que a Educação e a Saúde são prioridades; e que guerras e mesmo a fome são males de um passado distante. Rapidamente, dependendo da conjuntura e do contexto, de forma lenta e gradual, altera-se a opinião pública.
Ironias à parte, quando é a indústria bélica o norte das peças principais de um tabuleiro global movediço, regido por um deus-mercado perverso e assentado na sanguinolência, no conflito desigual de forças, na tortura e na hierarquização das relações sociais, espera-se a paz, terrena e celestial. Como o gado antecede o abate, espera-se um além-fim quando já vivemos um eterno apocalipse.
Obedecemos a demandas e regras instituídas, ditas e não ditas, simplesmente porque precisamos. Ou não nos resta alternativa ou estamos convencidos que há de se obedecer.
“Progresso” e “Desenvolvimento” já não passam de palavras vazias – meras ilusões de um projeto destrutivo. Um projeto doente. Se estiverem cheias, como almejam uns e outros, atropelam tudo e a todos como trens descarrilhados.
Talvez, o angelus novus de Walter Benjamin finalmente esteja a bater suas asas e o clímax do que intitula a grande tempestade, esteja se aproximando.
Neste novo tempo, a segregação e a exclusão de minorias permanecem condutas invioláveis. Assim como os donos do poder, os donos da verdade e da razão almejam espraiar seus ideais para todos os espaços e comunidades possíveis.
A importância não reside no conhecimento do “outro”, mas no soterrar do pensamento alheio. A verdade, então única e universal, arrasta àqueles que não compactuam com ela para a amarga zona do estigma e da aniquilação, tornando-se sujeitos e grupos sociais indignos de viver em coletivo.
De tempos em tempos, muralhas são construídas, guetos formados e novos campos de concentração, sem a contestação histórica merecida, são erigidos com lamentável rapidez.
O que, enfim, nos resta?
Se a liberdade foi convertida em dólar, focos de resistência parecem brotar nos lugares mais improváveis deste novo século.
Se findaram as ideologias e representações – certezas ainda não decretadas –, o novo tempo em que temos vivido parece anunciar um período urdido no que chamamos “revolução global”. Para que tenhamos sucesso o único caminho restante é uma pesada violência contra-estrutural, contrassistêmica. Só assim o peso da História, de seus escombros e estilhaços, será finalmente sentido por aqueles que o merecem.
Mediante esforços regionais e nacionais, virtuais e concretos, começa-se a usar as ferramentas da globalização contra ela mesma, fiando-se a cada minuto, como bem notou o sociólogo espanhol Manuel Castells, redes de indignação e esperança.
Mas há esperança?
A tomada de consciência deverá ser global. Se não nos sublevarmos violentamente caminharemos rumo às distopias de Orwell e Huxley. Os traços mais obscuros dos cenários redigidos por ambos os profetas do último século parecem emergir com assustadora virulência: aceitação, manipulação, ignorância, caos e decadência. Um tempo sem direitos, mas deveres e imposições.
A violência legalizada, instituída e impulsionada cotidianamente pelas tradicionais estruturas de poder (pelos “de cima“), principal sintoma deste novo tempo, deverá ser questionada enfaticamente e de uma vez por todas. Uma mudança nos principais pilares que sustentam o sistema econômico e politico deverá ser imposta à força.
Se avenidas e praças não forem ocupadas e o sangue dos plutocratas derramado, em um futuro não muito distante nossa existência física, jurídica e mesmo moral serão meras estatísticas. Meros pontos no meio do nada. Alvos fáceis à beira da extinção.
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