por LUISA DE QUADROS COQUEMALA
Fazer um curso de humanas no Brasil é complicado. Tirando aqueles que fazem cursos mais “mais promissores” (direito, relações internacionais), as pessoas que se dedicam às humanidades no Brasil muito provavelmente já tiveram que se deparar com as mais esquisitas perguntas: “Mas o que você vai fazer depois que terminar a faculdade?”, “pra que serve isso?”, “como é que você vai se sustentar?”. Diante de tanta descrença e incompreensão, um curso de quatro anos vira quase uma missão e um treino constante para tentar conservar a auto-estima – e esse tipo de repressão ingênua talvez seja o motivo pelas não poucas desistências nos respectivos cursos.
Para aqueles que estão no mesmo barco que eu, uma coisa fica clara: o problema não está no curso de humanas, o problema não está em estudar letras, história, ciências sociais, artes visuais etc. Não, você não é um alienígena por fazer o que faz. O problema, na verdade, é que o brasileiro esqueceu a importância dessas matérias para a formação de um indivíduo. E, no meio do olvido crescente, o que se vê é um preconceitozinho generalizado e infundado.
Na pressão para fazer algo “útil de verdade”, o universitário brasileiro acaba escolhendo mal, errando feio. Afinal, quem não tem um amigo que estuda engenharia ou direito e que nunca reclamou que o curso é um verdadeiro pé no saco? Ou quem não tem um conhecido que desejava fazer outra coisa que não medicina – mas que acabou cedendo à pressão dos pais? Na corrida para impressionar a todos, acabamos nos esquecemos de nós mesmos.
Realmente, é difícil encontrar por aí alguém que faz algo de que realmente gosta. E, quando você é de humanas, mesmo que o faça por amor e tenha orgulho disso, tem que escutar as mais absurdas barbaridades. O que resta é respirar com paciência. Eu mesma, antes de sequer entrar na faculdade, já contava com todos os tipos de pessimismo. Mesmo assim, tomei coragem, prestei o vestibular e passei. Se eu disser que nunca mais escutei palavras de descrença e incompreensão, mesmo estando no terceiro ano da faculdade, estarei mentindo.
E a verdade é que quanto mais eu aprendo dentro e fora da faculdade, mais eu percebo que o brasileiro deixou de dar valor para a música, arte, literatura, história, cinema (só para citar algumas poucas áreas) – e que dessa negligência surgem gostos e opiniões mais do que toscos. Existe um mundo de aprendizado para além da engenharia, há sapiência para além da medicina ou do direito. Uma prova simples é pensar em quantos livros um brasileiro lê por ano. O número quase nulo retrata uma ignorância que, apesar de fruto de uma educação precária, assusta. Desvalorizar tudo que não está no âmbito do que se julga “útil” é ignorar todo um campo de estudo que nos ajuda a entender a nossa sociedade, como e porque somos o que somos hoje. E, se não entendemos isso, não entendemos nós mesmos e os outros. Acredito que Pound resume bem o que tem acontecido conosco: “Uma nação que negligencia a percepção de seus artistas entra em declínio. Depois de um certo tempo ela cessa de agir e apenas sobrevive.”
Sinto que até mesmo entre os membros das humanidades não percebem que acabam por se transformar em empregados colonizados epistemológicos. Longe de pessoas que usufruem de sua própria intelectualidade e isso não precisa de faculdade, caímos numa roupagem que, de tanto usar e citar, parece que nossos acadêmicos são seus livros de cabeceira. Tem gente que até pinta o cabelo, usa o formato do óculos, camiseta do país da escola teórica ou bancam os outsiders no meio da cidade, incompreendidos leitores. Reclamam do cinismo da população, claro, a universidade no Brasil sempre foi uma ilha, o público que era de poucos, não é tão à toa o cinismo por parte da população, uma resistência ao douto que, digamos, era o principal foco das humananidades, criar uma intelectualidade de elite, não um espaço que o restante da população pudesse usufruir e exercer sua intelectualidade. Pra quem tá na corrente da sobrevivência essa pergunta existe mesmo e também não é da maior futilidade, se por um lado tem a entrada na universidade outra é sua permanência e, por outro, é entender que humanidades, por mais que sejam os mais fáceis no vestibular, são os cursos mais elitizados e que, se não o são por dimensões unicamente materiais, exigem do espírito e da construção de si mesmo, pois há nele a necessidade maior do uso do ócio, que pessoas que trabalham para estudar e sem perspectiva de sair reconhecido no ramo terão que ter uma força impar, maior que qualquer um que detêm condições mínimas para usufruir deste ócio necessário, mas que só esforço e superação individual não contam, isso é para quem tem condições mínimas dadas. Assim, quem está preso na cadeia da sobrevivência é claro que indagará ao filho de que maneira sobreviverá, pois são quatro anos e a vida como parte de uma classe, que talvez não se reconheça, mais o fato que sua posição na largada da corrida é incerta se não já determinada com sua cor de pele, sobrenome, renda familiar, se já tem alguém de renome na família e sem contar a formação escolar. Após tudo isso é ver que, por mais que sentirá orgulho de certas correntes teóricas, elas não são garantias, pois as escolhas partem de um risco e este, mesmo no seu ardor de defesa, poderá custar uma bolsa, a presença num mestrado, que, salvo quando não passará pela sabatina de exercer as mais diferentes profissões, muitos já tem este destino fadado em não entrar e ficar com o trabalho escravo de professor nas escolas públicas, pois as elites estão migrando para o particular, salvo aqueles com longa história no público mas como elites intelectuais já dadas como certas,como se o exercício intelectual fosse algo hereditário, recebendo tratamento distinto no mar de alunos numa universidade, aos quais brigam por puxar a cadeira um do outro como numa empresa capitalista, mas há cadeiras que não podem ser removidas, são certas e estabelecidas. (professor responde suas dúvidas como um doce de pessoa, o senhor não é ignorante apenas se esqueceu de seus conhecimentos hoje, fruto do calor dos trópicos).
ResponderExcluirÉ fácil reclamar do todo que não lê, claro, vivemos num país que só nos nossos últimos anos que a miséria foi combatida, mas o risco da pobreza passa próximo de qualquer um, nisto não há tempo e espaço para desconstruções de valores, o imediato da pobreza e insegurança é maior que qualquer susto filosófico. As queixas sobre pobres entrando na faculdade mostra a presença desse abismo até os dias de hoje, e o não desejo dessa superação, a não possibilidade de humanizar-se nas humanidades até mesmo nas escolas, lugar que as humanidades também são parte da coisificação com a precariedade do ensino e suas condições. Enquanto isso o popular respondia com cinismo ao douto ou com ironia quando fazia sua arte enquanto detinha e construía sua razão, seus valores, pois tem que saber usar sua sapiência na sobrevivência e, quem sabe, sobra um tempo, entre os limites das condições materiais, para ler um livro, um objeto portador de materialidade, mesmo em tempos de internet tardia, é absurdamente caro comparado a renda mínima, as bibliotecas públicas são horríveis, e, além disso tudo, o tempo para refletir sobre algo maior é competido com o tempo imediato das estratégias necessárias para a vida, não só do tempo, mas do corpo em contato com este mundo que exige cada vez mais especialistas mas em rápidas transformações, quando instrução é também sinônimo de sobrevivência e não necessariamente de ócio e, assim, ter sua permanência em constante risco, como também de seus precários projetos, facilmente colocados no lixo e assim, talvez, após tudo, meditar e quem sabe tomar consciência de si para si no meio de uma relação de poder, não menos perigosa num humanizar-se incerto e precário, seja material ou humanamente falando. Outros ficam perdidos no meio, entre uma massa que busca sua sobrevivência e a elite, parasitas do público, aristocratas decadentes, como passaram pela sobrevivência imediata reclamam das dores de não ter no mundo sua imagem refletida e reconhecida até perceberem que a água também está batendo em suas bundas. Sartre, mesmo filósofo, quando indagado sobre o que pensou quando avistará as águas no naufrágio ao qual fazia parte, respondeu de imediato, sem citações, notas de rodapé, sabedorias milenares ou livros de cabeceira, não pensei em nada além de minha sobrevivência e o que poderia fazer para concretizá-la. Infelizmente muitos ainda estão presos neste barco.
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