segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O Último Samurai

Aos 42 minutos do segundo tempo de ontem, Alex deu adeus ao futebol. E o futebol deu adeus ao seu mais elegante representante em atividade. Camisa 10 como ele, nunca mais

por MURILO CLETO


Todo mundo grita o nome de alguém quando a bola vem ao encontro. É assim quando se tem 12 anos. Aprendi isso quando, em 1994, os moleques da rua bradavam "Taffarel!" ao mergulhar no asfalto desgastado das ruas na Vila Osório, em Itararé-SP. Com pouco talento pra ficar embaixo das traves, fui até onde a perna esquerda me levou: zagueiro, lateral, meia, ponta. É claro que não deu certo, mas isso nunca foi um problema: nas peladas do bairro, eu era o Alex.

Além de chutar com a perna esquerda, nunca tivemos nada em comum. E não foi por falta de tentar: imitei seu jeito de andar, de comemorar os gols, de me comunicar com os companheiros, de bater na bola. Enfiava um pedaço do pano do shorts na parte de dentro do elástico na região da virilha pra parecer com ele. Com 10 centímetros a mais, tudo o que eu consegui foi simular uma linguiça canhota. Mas também isso nunca foi problema: eu era o Alex.

Com a virada de ontem sobre o Bahia, Alexsandro de Souza deu adeus aos gramados como jogador profissional de futebol. Em quase 20 anos de carreira, foram 413 gols em 1011 jogos. Números impressionantes pra um meio-campo que sempre preferiu servir. Foi no mesmo Couto Pereira que o projetou no cenário nacional que Alex bateu pela última vez na bola, diante de 30 mil torcedores.

Com exceção das passagens apagadas por Flamengo e Parma, Alex foi irretocável. Sua perna esquerda exigiu ampliações na sala de troféus de Coritiba, Palmeiras, Cruzeiro e Fenerbahçe. Na primeira passagem por São Paulo, conquistou Copa do Brasil, Mercosul, Libertadores e fez de mim o menino mais feliz da vila. E não foi só pelos títulos.

Alex é o último representante daquela camisa 10. A da habilidade nos passes e da precisão nos chutes. A do batedor de escanteios, faltas e pênaltis. A do capitão. É o que explique talvez a imensa decepção com a ascensão meteórica de Paulo Henrique Ganso em 2009, interrompida por contusões e sabe-se lá mais o quê. No fundo, o que esperava-se do meia santista era que ele fosse um novo Alex. 

Não é pra menos. Alex é a regularidade espantadora na Turquia. É a partida inesquecível contra o River Plate na Libertadores de 1999. É a campanha absoluta do Cruzeiro no primeiro Brasileirão de pontos corridos em 2003. Alex é símbolo das injustiças da CBF com jogadores e torcedores: pela seleção brasileira, fez apenas 68 jogos, muito menos do que deveria e a gente merecia.

Torci como louco pela sua volta ao Palmeiras no ano passado. Apesar da escolha pela capital paranaense, não consegui criar ressentimento algum. No último jogo contra o ex-clube paulista, Alex foi dono da partida. Antes de vê-lo bater uma falta contra o gol defendido por Fernando Pras, admiti pra um amigo: é impossível torcer contra o Alex. Até contra a gente mesmo. 

Aos 42 minutos do segundo tempo de ontem, Alex deu adeus ao futebol. E o futebol deu adeus ao seu mais elegante representante em atividade. Camisa 10 como ele, nunca mais. Não tem problema: quase todo sábado eu ainda sou o Alex.

Abraços, 
Murilo

Nenhum comentário:

Postar um comentário