por LUCAS SANTOS
A crise econômica de 1929 ocasionou em seu processo inúmeras divergências, não apenas econômicas, mas também sociais. Todo esse saldo negativo fez com que algumas classes julgassem necessárias medidas extremas para manutenção da ordem social, apelando, assim, para o autoritarismo.
No Brasil o cenário foi o mesmo e o resultado foram 20 anos de ditadura, que aparentemente atenderam os anseios do povo com o conhecido e muito citado, pelos saudosistas, “Milagre Econômico”.
O rombo gerado pelo “milagre”, porém, não foi sanado por seus geradores, o que criou grandes abismos econômico-sociais que deveriam ser tapados pelos agentes da redemocratização.
As manobras utilizadas por estes, porém, geraram descontentamento, culminando nas mais diversas manifestações de insatisfação do povo que, agora, não tinha negado o seu direito de liberdade.
Milagre Econômico: antecedentes e saldo
O Plano de Metas estabelecido por Juscelino Kubitschek, então presidente, no início de década de 1960, ocasionou certo alívio econômico no cenário brasileiro, que vinha sofrendo, ainda, com os rastros da crise de 1929.
Este alívio, porém, se rompeu em pouco tempo, pois, já em 62, afinal
os níveis de investimentos e de crescimento industrial apontavam para a recessão no ano seguinte. Era um momento conturbado tanto do ponto de vista político, quanto econômico. A inflação chegava a taxas recordes, em torno de 51%, no setor externo, sucessivos déficits no balanço de pagamentos e a dívida externa acumulava-se.1
Foi apresentado para a atenuação deste cenário, então, o plano trienal, que previa o corte ou redução de gastos públicos, política contracionista. Para alguns economistas
devido o contexto político e econômico, não havia outra saída senão a aplicação de medidas ortodoxas (e) [...] A tentativa de estabilização fracassou e em 63 a economia cresceu míseros 0,6% e com taxa de inflação anual superior a 83%. Com a desestabilização política interna e externa do governo democraticamente eleito, impediu a implementação de qualquer política de gestão econômica articulada. O resultado, infelizmente, todos nós sabemos: golpe militar.2
Neste período, então, foi desenvolvido o PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo), que previa a estabilização do cenário econômico como uma das justificativas para o golpe, através de medidas como a correção monetária e a criação do Banco Central, institucionalizando, assim, as manobras que envolviam tanto o capital interno quanto o externo.
Estas manobras prepararam o país, econômica e politicamente, para o Milagre Econômico, porém aprofundaram “as características de um modelo econômico dependente e associado ao capital estrangeiro mantendo a matriz industrial implementada com o Plano de Metas.”3 Notamos aqui que mesmo apontando o desenvolvimento econômico proposto pelo regime democrático como falho o regime autoritário estava trilhando pelo mesmo caminho.
O milagre econômico, entre 1968 e 1973, apresentou taxas de crescimento acima de 10% ao ano, e isso se deveu à reorganização e ao desenvolvimento da economia mundial, bem como a abertura para o mercado externo e a influência do mercado estadunidense, tanto econômica quanto política.
O crescimento citado, porém, está relacionado ao aumento na concentração de renda, ou seja, foi sentido positivamente apenas pelos setores públicos e privados ligados à indústria, o que “aprofundou as contradições estruturais e aprofundou e os problemas decorrentes de sua enorme dependência em relação ao capital internacional.”4
Em meados da década de 1970, já com as manifestações de insatisfação tanto políticas quanto sociais, surge outro fator que desestabilizaria a economia e desmoralizaria o milagre: o aumento das taxas de juros em relação ao capital financeiro e a queda do preço do petróleo, ambos vindos do próprio financiador das manobras do golpe, os E.U.A.5
Após a perpetuação deste novo cenário, já na década de 1980, ainda dentro do regime ditatorial, o país passou pelo período conhecido como crise da dívida, relativo às dívidas externas ocasionadas pela tentativa de elevação da economia industrial através de investimento estrangeiro.
Manobras da Democracia
Durante o período de redemocratização, ainda em seu primeiro ano (1986), o governo do então presidente José Sarney, com o intuito de eliminar a hiperinflação, implantou o Plano Cruzado, que, entre outras mudanças, implicou na implantação do Cruzado enquanto moeda corrente em detrimento do Cruzeiro, utilizado no regime militar.
O plano, no entanto, foi além desta medida simbólica de ruptura com o regime deposto, pois previa medidas diretas de reajuste econômico, como o congelamento de preços de bens e serviços e o congelamento da taxa de câmbio por um ano, com o dólar valendo Cz$ 13, 84.6
Para combater a inflação, o Plano Cruzado previa a desindexação da economia. Com isso, a correção de dívidas anteriores ao anúncio do pacote passou a ser realizada mediante uma tabela de conversão criada pelo governo. Mas a espinha dorsal do plano foi o congelamento de preços. E também o seu ponto fraco. Os preços corrigidos sazonalmente e em prazos amplos (30, 60 e 90 dias, por exemplo) não foram ajustados monetariamente segundo os novos valores referência. Com isso, tiveram reajustes incompatíveis com a nova realidade inflacionária, aumentando mais de 17%. Isso provocou um desequilíbrio de preços e gerou desabastecimento em vários setores.7
Percebemos, então, que a tentativa de se sobrepor a crise, por parte do governo, não foi tão bem sucedida quanto o esperado, e que, apesar da aceitação das medidas por alguns setores, com por exemplo os trabalhadores urbanos que agiram, inclusive, como fiscais para a manutenção do plano, outros foram prejudicados, sendo alguns dos mais atingidos os produtores rurais, que dependiam dos balanços realizados belo Banco Central para traçarem suas metas de produção e para a aprovação de financiamentos, estes fundamentais, devido à ausência de capital primitivo nos setores agropecuários.
O dia em que a produção parou
O município de Itararé tinha sua economia no contexto movimentada pela agricultura e pela pecuária, visto que a extração de madeira (pinnus e eucalipto), que hoje, ao lado do comércio, consiste na principal atividade desenvolvida, estava engatinhando.
Os agricultores, então, sentindo as dificuldades impostas pelo novo plano de ação político-econômico, participaram, representados pela Comissão de Agricultores de Itararé, de um encontro regional na cidade de Itaí, no ano de 1987, onde foi definido o “Dia Nacional do Protesto”, a ser realizado a 10 de março do mesmo ano.8
O protesto de fato ocorreu, tendo suas mobilizações iniciadas de madrugada, pois os agricultores agiram na zona urbana, então, devido à vagarosidade de seus meios de transporte, que consistiam em tratores e máquinas agrícolas, necessitavam de um tempo vasto para realizar o caminho.
Chegando ao perímetro urbano, os agricultores se dirigiram às agências bancárias com o intuito de impedir as suas atividades, visto que tinham nestas instituições a representação das sanções do governo em relação aos financiamentos de produção.
É notável, ao se analisar o jornal, que além dos próprios agricultores, que sentiam diretamente a intervenção do plano em sua atividade, alguns outros setores, como o comércio, apoiaram a manifestação, o que é expressamente notável com a afirmação “a lavoura depende do comércio e este da lavoura”9, feita sob assistência de Eurico Lopes, então, presidente da Associação Comercial de Itararé.
É necessário ressaltar também o engajamento político da causa agrícola, visto que detinham o apoio de Eurico Lopes, então presidente da Associação Comercial, e este, possuindo representatividade na Câmara Municipal, solicitou a abertura de uma Comissão de Assuntos Especiais, que daria cabo de elaborar, junto aos agentes da Casa da Agricultura e aos chefes de Carteiras Agrícolas dos bancos locais, o relatório da condição da produção agrícola para ser anexado à pasta de assuntos a serem debatidos na esfera Federal.10
Analisando algumas outras documentações e produções do contexto não foi possível detectar nenhum outro tipo de manifestação referente ao plano ou alguma medida tomada pelos órgãos institucionais responsáveis dentro do município. No âmbito nacional, porém, inúmeras outras ações são comentadas pelos órgãos de imprensa.
Em linhas gerias podemos apontar o fracasso na implantação do plano e a abertura deste em detrimento de algumas medidas paliativas para beneficio dos que se mobilizaram e sentiram as dificuldades do congelamento do mercado.
* Lucas Santos é acadêmico de Licenciatura em História pelas Faculdades Integradas de Itararé. Atua como estagiário na Assessoria de Imprensa da Prefeitura Municipal de Itararé. No Desafinado, assinou os artigos 'Bagunça ou organização?', 'Gayzismo ou saúde pública?', 'A capoeira e os empecilhos da valorização cultural no Brasil' e "Implicações do desenvolvimento ao território amazônico".
Referências Bibliográficas
DANIEL, Paulo. A economia na ditadura. Carta Capital, 2012. Disponível em: < http://www.cartacapital.com.br/economia/a-economia-na-ditadura >. Acessado em: 20 de maio de 2014.
MOURA, Antônio. Plano Cruzado: da euforia ao fiasco. O Globo Digital. Disponível em: < http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/plano-cruzado-da-euforia-ao-fiasco-9248088 >. Acessado em: 20 de maio de 2014
Tribuna de Itararé, ano 38, nº 1.833. “Agricultores Realizam Dia Nacional de Protesto”.
Notas
1 DANIEL, Paulo. A economia na ditadura. Carta Capital, 2012. Disponível em: < http://www.cartacapital.com.br/economia/a-economia-na-ditadura >. Acessado em: 20 de maio de 2014.
2 Idem.
3 Idem.
4 Idem.
5 Idem.
6 MOURA, Antônio. Plano Cruzado: da euforia ao fiasco. O Globo Digital. Disponível em: < http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/plano-cruzado-da-euforia-ao-fiasco-9248088 >. Acessado em: 20 de maio de 2014
7 Idem.
8 Tribuna de Itararé, ano 38, nº 1.833. “Agricultores Realizam Dia Nacional de Protesto”.
9 Idem.
10 Idem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário