Ao propor o debate sobre a redução da maioridade penal, a TV Globo deseduca sobre a função de governador do estado. Ao aceitá-lo, os candidatos revelam que não têm ideia das próprias obrigações se eleitos ou que se aproveitam muito bem daqueles que não sabem
por MURILO CLETO
Passou quase despercebido, mas o debate de ontem na TV Globo protagonizou uma das maiores aberrações da campanha para governador no estado de São Paulo. De acordo com as regras, cada candidato respondia a uma pergunta formulada por outro, mas com tema definido por sorteio entre diversos sugeridos pela própria emissora.
Gilberto Natalini, do Partido Verde, perguntou a Paulo Skaf: "Existe uma tese que para combater a criminalidade é preciso diminuir a idade de julgamento para adolescentes de 16 anos. Qual sua opinião sobre a redução a maioridade penal? O candidato do PMDB respondeu: "Eu defendo a redução para 16 anos, sim. Hoje ele pode votar, tem direitos, se tem direitos, deve-se ter deveres. Defendo a redução da cautela com critério diferente dos adultos. E também a um ambiente diferenciado dos adultos de prisão. E logico que não é só essa a questão da segurança pública. O governador gosta de culpar a lei. Nós temos que endurecer a lei, mas temos que cuidar da segurança, estimular a polícia, desburocratizar, fazer com que haja tecnologia, inovação, eu visitei uma delegacia e me senti em 1980".
Há pelo menos 3 considerações fundamentais sobre o episódio:
1) Por mais que as convicções dos candidatos a respeito da maioridade penal tenham muito a dizer sobre eles, esta não é uma competência do poder executivo, muito menos do estadual. Nem cabe aqui a discussão se a maioridade penal é ou não cláusula pétrea da Constituição Federal. Por terem somente aceitado discutir o tema num debate, repito, para governador do estado, os dois candidatos já deveriam ser eliminados por deficiência técnica, principalmente Skaf, que pleiteia a modificação da legislação.
2) Que baita desserviço promoveu a Globo com sugestão do tema. Os candidatos estão errados em ter debatido? Sim, mas antes disso esteve mais errado ainda quem sugeriu. É esse tipo de charlatanismo que mais contribui para a mais completa confusão sobre a atribuição de deveres dos cargos eletivos no Brasil.
3) Cada vez mais pipocam vídeos e depoimentos nas redes sociais de eleitores que se vangloriam por maltratar políticos em época de campanha. A onda é ofender aqueles que não fizeram nada pelo seu respectivo bairro e/ou município. "Aqui não tem hospital, nenhuma escola nova, nada". Sinto muito dizer, mas o seu deputado não tem nada a ver com isso. A função do legislativo é propôr e aprovar leis, além de fiscalizar o executivo, que deveria, mas não construiu hospitais ou escolas. Na prática, o deputado é visto como um governador em escala regional, uma espécie de sátrapa. É isso que contribui para a expressiva votação de candidatos que têm como único lema ser da região, e nada mais que isso.
A verdade é que esta confusão foi abraçada pelo legislativo de tal forma que a maioria não se vangloria de projetos de lei que proponham alguma transformação impactante na sociedade - em grande parte porque poucos têm -, mas pelo envio de emendas parlamentares para a viabilização de obras contratadas pelo executivo.
Por fim, a quem interessa essa panela de competências desencontradas? A todo mundo menos você.
Abraços,
Murilo
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