quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Aécio... Never!

Diante do atual cenário, a abstenção pode ser um caminho, mas que atende ao retrocesso



Quase 3 em cada 10 brasileiros escolheram não escolher ninguém neste último 5 de outubro. Na disputa pelo Planalto, foram 4,4 milhões de votos em branco e 6,6 milhões de votos nulos. E ainda, 27,6 milhões sequer compareceram às urnas, a maior taxa de abstenção desde 1998. Em São Paulo, o índice foi ainda maior: 36,6% dos eleitores lavaram as mãos, ou lavariam caso isso fosse possível no estado. Ao contrário do que se supõe, aqui o número elevado de votos nulos não serviu para trazer "um alerta" às lideranças políticas de que "tudo está errado". Serviu mesmo pra reeleger Geraldo Alckmin logo no primeiro turno, com 57,31% dos votos válidos. Somados, votos nulos, brancos e abstenções somam mais do que todos os outros candidatos juntos.

O segundo turno da disputa para a presidência da República trouxe à tona um dilema que circunda as esquerdas que já não apostam mais no Partido dos Trabalhadores as fichas para mudanças efetivas na sociedade. E elas não são poucas: PSOL, PSTU, PCO e PCB, pelo menos. E se por um lado o PT já não representa mais todas as esperanças pra esse futuro socialista, por outro a abstenção pode levar o país a um passado nem tão distante assim. Aliás, como se não bastante, o presente do PSDB também não inspira a menor confiança na permanência das conquistas consolidadas nos últimos 12 anos.

Apesar da fama de ser um partido técnico, o governo Fernando Henrique Cardoso foi capaz de quebrar o país 3 vezes, quando recorreu ao Fundo Monetário Internacional em 1998, 2001 - ultrapassando em 400% a cota do Brasil na instituição - e 2002, quando obteve mais U$ 30 bilhões em plena campanha eleitoral. Isso como parte da busca pela reeleição em 1998, quando FHC apelou para o "populismo cambial", que manteve de maneira artificial o câmbio fixo, e, mais tarde, com a soma de empréstimos do FMI, levou o país ao mais estratosférico aumento da dívida pública: de 38%, em 1994, a 78% do PIB, em 2002. Se a inflação está fora de controle em 2014 com pouco mais de 6%, o que dizer de 2001, quando o teto foi ultrapassado e chegou a 7,7%? Ou de 2002, quando a inflação foi de nada menos que 12,5%? Nestes anos, as metas eram de 4% e 3,5%, respectivamente - a margem de tolerância era de apenas dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Pra quem tanto fala sobre meritocracia e o aparelhamento do Estado nas gestões petistas, o governo Lula aumentou em 12,1% o número de funcionários públicos civis ativos e, apesar de a taxa de funcionários comissionados permanecer praticamente a mesma (0,1% menor), foi o próprio Lula quem decretou em 2005 que 75% dos cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores de níveis 1, 2 e 3 seriam ocupados por funcionários concursados e 50% dos de nível 4. E olha que o salário médio dos comissionados diminuiu: de R$ 6.155, em 2002, para R$ 4.296, em 2014Em 2002, FHC contratou apenas 30 funcionários mediante concurso.

Mais comparações entre os 12 anos de PT e os 8 de PSDB no Planalto podem ser conferidas aqui.

Ainda no campo da meritocracia, chamam muita atenção as contradições do PSDB em relação ao Bolsa Família. Primeiro, porque oficialmente o partido diz que pretende ampliar o programa e briga por assumir sua paternidade. Aliás, é de Aécio Neves o projeto de lei que pretende oficializar o Bolsa Família como um programa de estado. Pressionado, chegou a anunciar que vai destinar bolsas de estudo a jovens dos ensinos Fundamental e Médio que abandonaram os estudos - esqueceu apenas de dizer como. Mas segundo, porque suas lideranças não pouparam declarações agressivas sobre ele. Por exemplo, o senador Álvaro Dias, recentemente reeleito no Paraná, disse que o Bolsa Família estimula a preguiça

Durante o primeiro mandato de Lula, o PSDB se referiu ao programa como “esmola governamental”, “esmola eleitoreira”, como feito para “atingir as metas eleitorais do PT”, como “assistencialismo simplista que não apresenta benefícios concretos”. Em editorial intitulado “Bolsa Esmola” e publicado em 13 de setembro de 2004, o PSDB afirmou que o programa “reduziu-se a um projeto assistencialista” e "resignou-se a um populismo rasteiro". Nada muito distante das mais recentes propostas de "separação do Brasil em duas partes" e da onda anti-Nordeste que mais uma vez inunda as redes sociais e consultórios médicos por parte de muitos dos seus eleitores.

Aliás, elegância não tem sido o forte do vice-candidato de oposição à presidência nos últimos tempos. Perguntado por um blogueiro sobre o cartel do metrô em São Paulo, na gestão tucana, Aloysio Nunes respondeu: "Vai pra puta que o pariu. Eu vou comer o seu cu. Vou te dar um cacete". Em 2010, negou-se a conversar com um jornalista da Rede Brasil Atual e justificou gentilmente assim: "Não vou conversar com você, seu pelego filho da puta". Inclusive Nunes votou contra a Comissão da Verdade, sancionada em 2011 pela presidenta para a investigação de crimes cometidos pelo Estado também no período de ditadura e acobertados desde então.

Se o passado com Fernando Henrique e o presente das principais lideranças do PSDB não ajuda, com Aécio Neves fica ainda pior. Entre os 26 estados e o Distrito Federal, o candidato que tanto se orgulha da gestão em Minas Gerais era apenas o 24º em gastos com Educação. Durante seu governo, R$ 4,3 bilhões foram desviados da Saúde, segundo o Tribunal de Justiça do estado. O governo de Minas Gerais construiu um aeroporto de R$ 13,9 milhões na fazenda de propriedade particular de um tio-avô de Aécio, na cidade de Cláudio.  Apesar do chamado "choque de gestão" em Minas, entre dezembro de 2003, primeiro ano de Aécio no estado, e janeiro de 2014, último do sucessor, o número de contratados sem concurso público aumentou em 92%. O estado tem a segunda maior dívida pública do país.

E como é que então Aécio Neves foi reeleito em Minas Gerais logo no primeiro turno, em  2006? Talvez explique a nefasta relação entre sua imagem e os veículos de comunicação do estado, denunciada por meios alternativos, todos eles combatidos pelo ex-governador. É o caso do jornalista Marco Aurélio Carone, que teve a prisão preventiva decretada por "veicular informações inverídicas" - já pensou se a moda pega? Os advogados do réu ficaram dias sem ao menos ter acesso ao processo. Em junho deste ano, a jornalista Rebeca Mafra teve a casa invadida pela polícia graças a uma ação movida pelo senador - não é o PT que caminha pra implantação de uma ditadura soviéticaEste doc estrangeiro conta com detalhes a operação para transformar Aécio Neves num grande fenômeno midiático e como as articulações da irmã, Andrea, são fundamentais neste sentido.

Aécio atualmente processa 66 usuários do Twitter e exige que o site entregue dados pessoas e sigilosos de todos eles, incluindo o escritor e crítico de cinema Pablo Villaça, que denuncia o caso aqui. E olha que dele, por exemplo, nunca veio nenhuma declaração sobre boatos envolvendo a relação entre o senador e o consumo de drogas ou a violência doméstica, apesar Aécio ter tido a carteira de habilitação apreendida por dirigir embriagado - o bêbado não era o Lula?

Mas uma hora a vitrine ia quebrar, e quebrou. Além de não conseguir emplacar seu escolhido em Minas Gerais, que perdeu logo no primeiro turno para Pimenta da Veiga, do PT, e apesar de todas as teorias envolvendo a pobreza no Nordeste e o eleitorado petista, Aécio Neves teve quase 1,5 milhão de votos a menos que Dilma Rousseff no próprio estado em que governou por 8 anos e teve o sucessor por mais 4. 

***

Tudo bem, pode ser que o projeto petista de governo não tenha sido o mais espetacular de acordo com a sua preferência. Também o considero muito distante da perfeição. Mas a justaposição absoluta entre as candidaturas de Dilma Rousseff e Aécio Neves hoje beira à irresponsabilidade. Aliás, ela interessa muito pra quem insiste na ideia de "voto qualificado" dos "eleitores esclarecidos". Pode parecer que não, mas a abstenção também é uma escolha, que hoje pende para o retrocesso. Ao contrário do que se imagina, o voto no PT hoje não representa necessariamente a aposta inequívoca no seu legado ou mesmo a certeza de um futuro ainda melhor, mas pelo menos a convicção de que não o país não retorne a um passado detestável a partir das referências de um presente nada menos que tenebroso.

Além do mais, a luta por mais direitos está longe de se encerrar no próximo dia 26. Foi com Lula e Dilma que mais de 2/3 de todas as conferências públicas da história do país aconteceram. E é com elas que conquistas fundamentais surgiram e ganharam validação, como o Sistema Único de Saúde, o Sistema Único de Assistência Social e a Lei Orgânica de Assistência Social. Hoje nenhum convênio é celebrado pelo governo federal sem a existência de conselhos municipais e planos democraticamente elaborados e constituídos. 

A candidatura de Aécio sobrevive hoje graças a uma falácia cretina, que é a rejeição ao PT. Se 58% rejeitam Dilma, 66% não querem o PSDB de volta ao poder. Como já disse antes, o Brasil de Lula e Dilma ainda não é o melhor possível, mas o melhor que já se viu. E ele eu não entrego de mão beijada pra tucano algum, muito menos esse.  

Abraços, 
Murilo   

Um comentário:

  1. https://www.facebook.com/video.php?v=806241969420753&set=vb.741499079228376&type=2&theater

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