Aqueles que viram vitória de Armínio Fraga no debate com Guido Mantega assistiram a outro programa. Perguntado sobre o que fazer pra retomar o crescimento e controlar a inflação, disse que era preciso mudar. Só esqueceu de explicar como e, ainda, qual o verdadeiro legado de FHC na economia
por MURILO CLETO
Ao contrário do que se previu, o debate entre Guido Mantega e Armínio Fraga na GloboNews não trouxe uma acachapante vitória do ministro da Fazenda escolhido por Aécio Neves caso seja eleito presidente da República no próximo dia 26. Pelo contrário: significou a oportunidade de Mantega explicar o atual cenário econômico nacional do país e relembrar passagens grotescas dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso à frente do Palácio do Planalto.
Para economistas da bagagem dos dois, ir ao ar num programa de TV de grande alcance, ainda que na grade dum canal fechado, não deve ser tarefa das mais fáceis. Mantega é ministro da Fazenda desde o último ano do primeiro mandato de Lula, mas antes disso já estava em Brasília desde 2003 como ministro Planejamento, Orçamento e Gestão. Fraga foi presidente do Banco Central do Brasil entre 1999 e 2002 e em 2007 chegou a ser indicado para o Banco Mundial. Diante de Miriam Leitão, a missão dos dois era discutir o baixo crescimento e os índices de inflação no Brasil.
Para Fraga, o desafio era razoavelmente confortável: atacar o governo pela incapacidade de controlar a inflação, sempre no teto, e pela incompetência em promover o crescimento. Não poupou esforços em apresentar os números atualizados: até a semana passada, a estimativa de crescimento do Produto Interno Bruno brasileiro pelo Fundo Monetário Internacional era de apenas 1,3%.
Na última terça-feira, a previsão foi recuada para 0,3%, enquanto o crescimento da economia mundial deve ser de 3,3%. Associada a isso, a inflação deve beirar o limite e fechar o ano em 6,3%. No final de agosto, o IBGE anunciou a retração da economia pelo segundo trimestre seguido, levando o país ao estado de recessão técnica.
Então qual a explicação pro caso? 5 anos depois do auge da maior crise econômica mundial desde 1929, os desdobramentos da quebradeira generalizada que atingiu maiores e menores economias a partir de 2007 já não convencem a oposição e boa parte daqueles que lidam com os gráficos. Mas é justamente na crise que reside a raiz do problema.
Até 2008, o crédito de bancos privados permaneceu mais alto que o concedido pelos públicos, chegando a 15 pontos percentuais de diferença – 35% a 20%. Com o agravamento da crise nos EUA, foram os estatais que expandiram suas operações, que em 2010 chegaram a 40%, enquanto os bancos privados reduziram os empréstimos a 10%. Passadas as eleições, os bancos oficiais voltaram a operar em cerca de 20%, mais uma vez próximos dos privados.
Essa foi apenas uma das medidas tomadas por Mantega para salvar o país da crise, que desempregou 62 milhões de pessoas no mundo. Nos Estados Unidos, a taxa de desemprego foi a maior desde 1974! No Brasil, 10 milhões de novos postos de trabalho foram gerados. Isso também como resultado da política de gastos públicos e redução de arrecadação para estimular o consumo, através, por exemplo, da renúncia do IPI.
Causou indignação a fala de Lula no final de 2008, quando aconselhou as famílias brasileiras a não economizar. “Comprem”, disse numa entrevista em São Paulo, que reproduzo parcialmente aqui:
“Se a sociedade brasileira resolve entender que não pode comprar as coisas por medo de perder o emprego, é preciso entender que ela pode perder o emprego porque não comprou. Por isso eu digo a vocês: comprem. Isso se não estiverem endividados, porque se estiverem endividados, paguem as contas primeiro. Mas se não estiverem devendo, comprem as coisas que tiverem que comprar.”
O presidente estava certo. O consumo impediu o desemprego generalizado. Por menos nobre que tenha sido o estímulo à compra de carros novos com a redução do imposto, foi ele que impediu a demissão de milhões de metalúrgicos pelo país. É possível que todo mundo se lembre das constantes ameaças feitas pelas montadoras quando as notícias sobre o restante do mundo eram completamente desanimadoras.
Onde o ministro errou? Na insistência da fórmula, que funcionou pra livrar o país da crise, mas que já não se sustenta mais. O mercado internacional não se reaqueceu como o previsto e as economias têm se recuperado com discretos avanços. Ora, a receita de Mantega não é eterna e nunca teve a pretensão de ser. Sem ela, no entanto, o país teria mergulhado na mesma desgraça daqueles que enxugaram os gastos públicos e caíram num abismo, do qual muitos até hoje não saíram: Grécia, Irlanda, Espanha, pra citar só alguns.
No debate, Mantega trouxe à tona uma memória ignorada pela campanha do PSDB, já oposição há 12 anos: somente no primeiro mandato de FHC, o número de desempregados no país cresceu 38%. Segundo a medição do IBGE em 2000, a taxa de desemprego mais que dobrou em relação a 1994. Eram 11,5 milhões de pessoas sem oportunidade de trabalho. O governo Fernando Henrique conseguiu a façanha de desempregar, em média, 1 milhão de pessoas por ano. Isso tudo num período de boom econômico, sobretudo da Europa.
Aqueles que viram vitória de Armínio Fraga no debate com Mantega assistiram a outro programa. O economista tucano divagou sobre Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida. Todas as vezes que perguntado sobre o que fazer pra retomar o crescimento e controlar a inflação, disse que era preciso mudar; que a receita falhou; que esse modelo não dá mais. Esqueceu apenas de dizer como, talvez por conta da corrida eleitoral. Se me permitem, tenho um palpite: arrocho. Há quem pague pra ver. Eu não.
Abraços,
Murilo
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