sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Educação Infantil: o gargalo da garrafa invertida da educação brasileira - um dilema além de Itararé

por JANAÍNA MAYRA DE OLIVEIRA WEBER


E por falar em direitos das crianças, uma questão fundamental ao desenvolvimento humano é a educação de crianças na primeira infância. Como já foi abordado em texto anterior, a noção de criança e infância é muito recente na História e surge justamente da percepção por parte de educadores de que as crianças aprendem e, a partir disto, nasce a preocupação sobre como elas aprendem.

O déficit educacional brasileiro é de pelo menos 4 séculos e meio (isso se levarmos em conta as iniciativas de pensadores brasileiros que acreditavam na formação de uma sistema educacional gratuito e popular e não na sua efetivação) e, neste cenário, a Educação Infantil é apenas um embrião.

O direito ao atendimento a crianças de 0 a 6 anos só foi reconhecido na Constituição de 1988, sendo ratificado pelo ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) e, até a promulgação da LDBN 9.394/96, as poucas creches que existiam se encarregavam de depositários de crianças para mães de baixa renda que precisavam trabalhar, tendo assim caráter puramente cuidativo e assistencial.

Mesmo já existindo as teorias piagetianas e toda uma metodologia sistemática para a aprendizagem de crianças bem pequenas de Maria Montessori, a ideia de educação nessa fase ainda não é muito clara para muitas pessoas. Por isso mesmo, ainda usamos muito o termo “creche” para nos referirmos às ESCOLAS de Educação Infantil, inclusive em documentos oficiais.

Ou seja, quando se deixava uma criança na “creche” até pouco tempo atrás, só se esperava que a mesma estivesse limpa e alimentada ao final do dia, substituindo cuidados parentais mais básicos.


Hoje as ESCOLAS de Educação Infantil têm toda uma sequência pedagógica para seguir, de forma que, pelo menos nos documentos oficiais que norteiam e organizam o trabalho pedagógico, entende-se essa faixa como a fase de formação das estruturas cognitivas necessárias à alfabetização e a outros processos complexos do pensamento, mas por ser uma visão e um processo relativamente novo, além da população conservar uma visão distorcida da educação pra essa fase, há também professores que ainda não se atentaram para isso e, por isso mesmo, acabam sim proporcionando várias atividades para as crianças, mas dentro de uma perspectiva e abordagem mais de caráter recreativo que formativo. 

A visão distorcida não começa nem termina nisso. É preciso lembrar que o Brasil criou sua primeira universidade sem um sistema de educação básica estabelecido e quando pais tem poucos recursos para investir na educação de seus filhos, os mantêm na escola pública e preferem pagar um curso pré-vestibular que funciona mais ou menos como pintar o telhado de uma casa em que os alicerces são mal feitos e possuem rachaduras. Sim, a lógica seria investir na educação de base do seu filho, pois com uma boa base (formação das estruturas cognitivas, alfabetização e letramento consistente) cada um tem condições de gerir melhor seu próprio processo de aprendizagem, sabendo selecionar o que é informação útil e necessária, descartando o supérfluo de acordo com a situação, além de como e onde buscar quando sente falta de informação. 

Com a reforma educacional empreendida a partir da LDBN 9.394/96, a Educação Infantil passa a tomar forma e consistência (assim como a Educação Especial), pelo menos nos debates acadêmicos e recomendações oficiais institucionais. 

A reforma trouxe também a municipalização do ensino e a educação infantil. A maior parte do que hoje chamamos de Ensino Fundamental dos Ciclos 1 e 2 (antes chamado de 1ª a 4ª série) passou a ser de responsabilidade dos municípios, e a questão do financiamento para isso foi provisoriamente sanada com o FUNDEF (depois reformulado para FUNDEB - Fundo de Financiamento da Educação Básica). 

A abrangência de faixa etária considerada Educação Básica (obrigatória) aumentou e o ensino fundamental passou a ter 9 anos, agregando a educação infantil. A Lei nº 12.796, sancionada no último ano pela presidente Dilma, determina que o ensino obrigatório comece aos 4 anos de idade e não mais 6 anos, ou seja, a “creche” não faz parte da faixa de ensino obrigatório por lei no Brasil. A partir de 2016, no entanto, o ensino será obrigatório para crianças e jovens entre 4 e 17 anos de idade. Hoje, a obrigatoriedade é de 6 a 17 anos. 

De acordo com o ultimo censo, enquanto a quantidade de crianças de 0 e 5 anos atendidas pelas escolas está chegando a 82,2% da população nessa faixa, hoje são atendidas apenas 23,5% das crianças de 0 a 3 anos de idade pelas escolas. Ou seja, mais de 70% de crianças nessa faixa ainda estão fora do sistema educacional e pelo menos 18% configuram a faixa de alunos fora do sistema educacional obrigatório.

Em todo o País, persistem filas de espera de vagas em muitas cidades, e a maioria dos gestores locais carece de um dimensionamento realista da demanda para planejar a ampliação da rede (ANUÁRIO BRASILEIRO DA EDUCAÇÃO BÁSICA, 2014) 

Entre 2012 e 2013, houve o aumento de 7,5% na quantidade de matrículas nessa fase do ensino e o total de crianças atendidas passou de 2,5 milhões para 2,7 milhões no ano passado. Desse número, 1,7 milhão  de vagas são municipais, 999 mil são privadas, 4,9 mil são estaduais e 1,2 mil são federais. 

A meta do Plano Nacional da Educação é que o sistema atenda a pelo menos 50% das crianças de 0 a 3 anos em dois anos, mas esse processo possui muitos obstáculos e um deles é a discussão sobre o papel da escola e da família na educação de crianças, pois receber um bebê em uma instituição de ensino assim como pode potencializar o desenvolvimento do mesmo, pode também agravar a tendência atual de transferimento de responsabilidades parentais à escola e seus agentes. 

Por outro lado, poderiam se assegurar condições favoráveis a um desenvolvimento infantil com estímulos, materiais e atividades planejadas e organizadas. 

De qualquer forma, em casa ou na escola, todos os principais pensadores que se dedicaram a estudar os processos de aprendizagem infantil (Jean Piaget, Celetin Freinet, Levy Vigotsky, Henry Wallon, Maria Montessori, Emília Ferreiro, John Dewey e outros) convergem na importância de se estabelecer um ambiente estimulante e afetivamente estável para a primeira e segunda infância, mesmo que tenham pontos de vista variáveis aos aspectos que compõem os processos educativos. 

Assim as escolas de Educação Infantil brasileiras vem se reestruturando e se reconfigurando para atender a demanda e edificar as bases da Educação Nacional. 

Em Itararé, há 12 Escolas de educação Infantil e 10 delas atendem crianças de 0 a 3 anos. A rede conta com pelo menos 810 alunos na Educação Infantil, atendendo a demanda de 4 a 5 anos (de forma que não há demanda reprimida ou lista de espera nessa faixa), ou seja, cumprindo com o que diz o ECA, a LDBN e a Constituição no que se refere ao ensino obrigatório. No entanto, pelo menos 400 crianças de 0 a 3 anos aguardam uma vaga na lista de espera. 

Pode-se dizer que Itararé já alcançou a meta dos 50% determinada pelo Plano Nacional de Educação, mas ainda assim, o déficit é muito preocupante. 

A participação da mulher no mercado de trabalho foi o principal percussor para a formulação da escolarização de crianças pequenas, e hoje essa atuação é massiva. No entanto, o sistema está organizado dentro de uma visão do atendimento como um direito da criança (qualquer criança, independente da mãe trabalhar ou não), e não um benefício para a mãe que trabalha. Esse fator gera muita animosidade e insatisfação, pois enquanto há mães que sofrem na fila de espera tendo que deixar filhos com estranhos e gastando o que não têm para isso, há aquelas mães que têm mais tempo e condições de cuidar do filho e fazem questão de os deixarem na creche no tempo integral, começando cedo a terceirização da educação de seus filhos. Hoje, as supervisoras escolares estudam possíveis dispositivos legais para se tentar equalizar isso de maneira justa e funcional. 

Há previsão do aumento de vagas, pois uma EMEI localizada entre os Jardim Sinhá/Fronteira e Alvorada se encontra em construção e, outra prevista para o Jardim São Paulo, em processo de de licitação, as quais irão proporcionar de imediato, ao término das construções, pelo menos 374 vagas se atenderem diferentes demandas ambos os turnos, levando em consideração o bom senso de pais e mães. No caso de atendimento integral esse numero cai pela metade. É válido dizer que nos últimos seis anos, não houve construções de creches, quando a grande maioria dos sistemas procurou ampliar o atendimento, aproveitando o aumento dos investimentos para esse segmento do ensino. Há cidades da região que reformaram e ampliaram TODAS as suas EMEIs e renovaram equipamentos, enquanto esse processo vem ocorrendo paulatinamente em Itararé. 

Hoje, além das construções das novas EMEIs, a escola Maria de Lurdes, localizada na Vila Novo Horizonte, passa por reformas, de maneira que recebeu a construção de seu refeitório e passa por adequações para ampliar o atendimento. 

A preocupação em garantir a alimentação de qualidade das crianças mostrou a necessidade de reformas emergenciais nas cozinhas de grande parte das escolas. Foi adquirido um caminhão baú refrigerado e o  departamento de suprimento escolar foi realocado para um lugar mais amplo e higiênico. 

Vagas emergenciais têm sido providenciadas à medida do possível, pois muitas mães têm procurado o Ministério Público, o qual tem acatado a solicitação destas e emitido várias liminares requerendo vagas, e a Secretaria de Educação tem procurado atender através de remanejamentos, reformas e readequações. 

Mas é preciso frisar que o ensino obrigatório é a partir dos 4 anos e só a partir dessa idade é que se pode considerar o não atendimento como infração ao ECA. Além disso, é preciso se atentar ao fato de que forçar a entrada das crianças na escola pode superlotá-las, o que além de precarizar o atendimento educacional pode por em risco a integridade física dos mesmos. Assim, é preciso que os órgãos ligados ao sistema de garantia dos direitos, os poderes executivo e judiciário, se unam na busca de soluções para essas e outras questões que envolvem os direitos da criança em relação à sua escolarização. 

Além disso é necessário também que se instale o debate na sociedade sobre os papéis sociais atribuídos às instituições de ensino para que se possa construir um consenso sobre a função da escola, analisando a escola que temos para sabermos qual escola queremos.


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