100 anos depois, o conflito que desenhou o mundo no século XX e que serviu de legado para a civilização
por MURILO CLETO
Há 100 anos, em 4 de agosto de 1914, o governo belga viu ignorada sua negativa diante do pedido alemão de passagem para a França, depois da declaração de guerra anunciada no dia anterior. Mesmo com a resistência do rei Alberto I, a Alemanha passou como um rolo compressor pelo pequeno país rumo ao combate que poderia devolver territórios perdidos para o rival na guerra de 1871. Com a violação da neutralidade da Bélgica, a Grã-Bretanha entrou em ação e declarou guerra à Alemanha. Em pouco mais de uma semana, o estranhamento entre apenas dois países deu lugar ao maior conflito bélico já conhecido até então.
Antes, no dia 28 de junho, o arquiduque Francisco Ferdinando, sucessor imediato do Império Austro-Húngaro, passeava com a mulher numa carruagem pelas ruas de Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, quando foi atingido por um ataque fulminante do grupo Mão Negra. Um mês depois, o império declarou guerra à Sérvia, responsabilizada pelo ataque. Mas as raízes do que se chamou, anos depois, de "Primeira Guerra Mundial", são muito mais profundas.
Irmã univitelina do progresso, a Grande Guerra começou a ser tecnicamente desenhada a partir dos acordos costurados na segunda metade do século XIX, paralelos à Belle Époque, auge da efervescência intelecto-boêmia na Europa, que não via um conflito de grandes proporções desde a guerra franco-prussiana. Só o mais ingênuo dos homens em 1914 diria que foi surpreendido pelas primeiras granadas despejadas. Desde a formação da Tríplice Aliança, em 1882, a guerra era apenas uma questão de tempo.
Se, por um lado, a agenda do Iluminismo incluiu o progresso como norte do esclarecimento filosófico, por outro alijou o ser humano de suas liberdades mais íntimas. Parafusada na ideia de evolução, a disciplina militar serviu como uma luva nos discursos de ordem alimentados durante a formação dos estados pós-Revolução Francesa.
No século XIX, o casamento explosivo entre nacionalismo e capitalismo gerou o maior tensão possível entre os países industrializados ou em processo de industrialização. A competição por novos mercados consumidores, entre eles as porções de terra na África e na Ásia, foi fundamental para que um clima de tensão pairasse no ar e desencadeasse a saturação do racionalismo imperante desde o século das luzes.
No fim das contas, a Grande Guerra foi a oportunidade de ouro para que a violência fosse premiada com medalhas e honrarias. A polidez da razão deu 4 anos de espaço para a loucura do front. 100 anos depois do conflito, ainda há muito do que se refletir a respeito da Primeira Guerra Mundial. Os combates significaram a ascensão do maior império econômico do mundo, os EUA; a precipitação da revolução bolchevique na Rússia; a reação nazi-fascista que desencadeou um segundo conflito de escala global; e o desmantelamento dos últimos impérios tradicionais.
Mas talvez o maior legado construído entre 1914 e 1918 tenha sido o alerta de uma civilização tão frágil quanto a neutralidade bélgica trucidada pela Alemanha naquele mesmo 4 de agosto. Cada vez mais, parece que a suspensão provisória da razão tem se tornado estado permanente de loucura. É só olhar ao redor.
Abraços,
Murilo
Antes, no dia 28 de junho, o arquiduque Francisco Ferdinando, sucessor imediato do Império Austro-Húngaro, passeava com a mulher numa carruagem pelas ruas de Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, quando foi atingido por um ataque fulminante do grupo Mão Negra. Um mês depois, o império declarou guerra à Sérvia, responsabilizada pelo ataque. Mas as raízes do que se chamou, anos depois, de "Primeira Guerra Mundial", são muito mais profundas.
Irmã univitelina do progresso, a Grande Guerra começou a ser tecnicamente desenhada a partir dos acordos costurados na segunda metade do século XIX, paralelos à Belle Époque, auge da efervescência intelecto-boêmia na Europa, que não via um conflito de grandes proporções desde a guerra franco-prussiana. Só o mais ingênuo dos homens em 1914 diria que foi surpreendido pelas primeiras granadas despejadas. Desde a formação da Tríplice Aliança, em 1882, a guerra era apenas uma questão de tempo.
Se, por um lado, a agenda do Iluminismo incluiu o progresso como norte do esclarecimento filosófico, por outro alijou o ser humano de suas liberdades mais íntimas. Parafusada na ideia de evolução, a disciplina militar serviu como uma luva nos discursos de ordem alimentados durante a formação dos estados pós-Revolução Francesa.
No século XIX, o casamento explosivo entre nacionalismo e capitalismo gerou o maior tensão possível entre os países industrializados ou em processo de industrialização. A competição por novos mercados consumidores, entre eles as porções de terra na África e na Ásia, foi fundamental para que um clima de tensão pairasse no ar e desencadeasse a saturação do racionalismo imperante desde o século das luzes.
No fim das contas, a Grande Guerra foi a oportunidade de ouro para que a violência fosse premiada com medalhas e honrarias. A polidez da razão deu 4 anos de espaço para a loucura do front. 100 anos depois do conflito, ainda há muito do que se refletir a respeito da Primeira Guerra Mundial. Os combates significaram a ascensão do maior império econômico do mundo, os EUA; a precipitação da revolução bolchevique na Rússia; a reação nazi-fascista que desencadeou um segundo conflito de escala global; e o desmantelamento dos últimos impérios tradicionais.
Mas talvez o maior legado construído entre 1914 e 1918 tenha sido o alerta de uma civilização tão frágil quanto a neutralidade bélgica trucidada pela Alemanha naquele mesmo 4 de agosto. Cada vez mais, parece que a suspensão provisória da razão tem se tornado estado permanente de loucura. É só olhar ao redor.
Abraços,
Murilo
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