quinta-feira, 26 de junho de 2014

A Paranoia "Anticomunista" Revisitada

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR





No dia 23 de maio, a presidente Dilma Rousseff assinou o Decreto nº 8243 que instituiu a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social - SNPS. Este decreto vem sendo duramente criticado pela "oposição" congressista e por setores conservadores da sociedade, dentre eles, a grande mídia que encampa uma campanha histérica contrária ao decreto presidencial. Porém, as explicações históricas para este debate, vão muito além do contexto contemporâneo. 

Desde a Revolução Russa de 1917 que derrubou o regime czarista e instaurou o comunismo na Rússia o discurso antipopular disfarçado de discurso anticomunista, tem dominado o embate entre setores conservadores e progressistas em momentos de tensão política na sociedade brasileira. Este discurso tem como objetivo a constituição de uma "paranoia anticomunista" que disfarça a resistência a participação popular nas esferas de poder. Alguns eventos históricos emblemáticos evidenciam isto. 

Em 1937, o capitão Olímpio Mourão Filho datilografava no Ministério da Guerra, um fictício plano de insurreição comunista que ficou conhecido como "Plano Cohen". O plano descrevia como seria o golpe comunista e como reagiriam os integralistas. Em resumo, a insurreição levaria ao "caos" que seria combatido pelos integralistas de viés fascista. Este foi o pretexto que Getúlio Vargas precisava para instaurar a ditadura do Estado Novo no Brasil. 

No mesmo ano a cúpula do exército se apropriou do "plano". No dia 30 de setembro, o plano foi transmitido pela "Hora do Brasil" e reproduzido em partes nos jornais do país. Com isso, os militares varguistas buscavam comprovar a impossibilidade de realização de eleições e a necessidade de manutenção e ampliação dos poderes de Vargas. No dia 10 de novembro de 1937, a polícia militar cercou o Congresso Nacional impedindo o trabalho dos congressistas. Na mesma noite Vargas divulgou a Carta Constitucional dando início ao Estado Novo. 

No ano de 1961, no "calor" da Guerra Fria, Jânio Quadros renunciou a presidência da República. Sob tentativas de golpe, João Goulart assumiu a presidência. Com o objetivo de modernizar o sistema capitalista, Goulart propôs as reformas de base, sendo estas utilizadas pelos golpistas na construção de um “imaginário anticomunista” ou mais uma vez, da "paranoia anticomunista". 

Segundo Bóris Fausto, "é fácil perceber que as reformas de base não se destinavam a implantar uma sociedade socialista. Era apenas uma tentativa de modernizar o capitalismo e reduzir as profundas desigualdades sociais do país, a partir da ação do Estado". 

No dia 31 de março de 1964 os militares, liderados pelo General Olímpio Mourão Filho, autor do Plano Cohen, marcharam de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro. No dia 1º de abril Jango voou para o Rio Grande do Sul. Com isso, os militares declararam vaga a presidência da República e instauraram a Ditadura Militar que durou 21 anos no país. 

Em ambos os contextos históricos, existia uma pressão política-popular por mudanças estruturais que tornassem a sociedade brasileira menos desigual. Em 1937, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) participando da Aliança Nacional Libertadora (ANL) promoveu o embate progressista na sociedade brasileira. Em 1964, Jango promoveu o mesmo embate de maneira mais incisiva com propostas concretas de mudanças estruturais na sociedade brasileira. Nos dois contextos, o discurso antipopular disfarçado de anticomunismo, ou seja, a "paranoia anticomunista" legitimou a implantação de regimes ditatoriais que interromperam as breves experiências democráticas do país. 

Mesmo com a queda do Muro de Berlim, no dia 09 de novembro de 1989, e o "fim" do Comunismo representado pelo "fim da História" propagandeado por intelectuais financiados pela direita liberal como Francis Fukuyama, a histeria antipopular travestida de discurso anticomunista permanece. Porém, desta vez, buscando disfarçar um pouco o discurso anacrônico, o anticomunismo ganhou uma nova nomenclatura, bolivarianismo. 

O bolivarianismo elaborado na década de 60 tem como princípios fundamentais as ideias expressas por Simon Bolívar, um dos líderes do processo de independência das nações latinoamericanas, expressas na Carta da Jamaica, no discurso de Angostura e no manifesto de Cartagéna. Estes princípios são: a necessidade de união para a Revolução, a independência plena e soberana e o combate ao expansionismo norteamericano. 

Segundo boa parte da grande mídia e dos congressistas de oposição, o Decreto nº 8243 é bolivariano e pretende instaurar no Brasil uma "ditadura" nos moldes da Venezuela e da Bolívia. Para Reinaldo Azevedo, porta-voz do pensamento conservador da "elite intelectual", telespectadora do Manhattan Conection e leitora de Olavo de Carvalho, o decreto promove a criação de conselhos populares intimamente ligados aos interesses político-partidários do governo federal, o que promoverá a "perigosa" participação dos movimentos sociais nas decisões legislativas e executivas dos nossos representantes. Ou seja, o Partido dos Trabalhadores (PT) está tentando criar no Brasil um "comissariado" a moda soviética ou os "sovietes petistas" como indica o historiador Marco Antônio Villa. 



Para que se entenda o tamanho do anacronismo e da "paranoia anticomunista" devemos compreender que os sovietes, criados pelos operários e camponeses russos ainda em 1905 e reabilitados com a Revolução Bolchevique de outubro de 1917, sob o lema "todo poder aos sovietes" tinham prerrogativas de decidir questões políticas e econômicas relacionadas ao regime comunista soviético. 

No ano passado o Brasil foi varrido por manifestações que surgiram do questionamento do aumento das passagens no transporte público em São Paulo. Dentre as várias demandas presentes nestas manifestações estava a necessidade de Reforma Política e o clamor popular por maior participação da população nas decisões político-administrativas do país. Pois bem, basicamente, o Decreto nº 8243 dá início a este processo de Reforma Política aprofundando diretrizes previstas na Constituição de 1988. 



No artigo 1º o texto constitucional afirma que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, pois é justamente isto o que prevê o Decreto. Inicialmente em seu artigo 1º o decreto estabelece que o objetivo é "fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil". Por sua vez, o texto afirma que por sociedade civil entende-se "o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações". Desta forma, desafio a indicarem em qual artigo, capítulo ou inciso o texto fala que a participação nos conselhos será exclusivamente para os petistas ou membros de partidos de "ultraesquerda" como indicou o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira. 

Indo adiante na leitura do Decreto, no artigo 4º, quando o texto trata dos objetivos indica-se que um deles é "aprimorar a relação do governo federal com a sociedade civil, respeitando a autonomia das partes". Desta forma, cai por terra o argumento de que os conselhos iriam ter o poder decisório dos "sovietes" de maneira a se sobrepor ao poder legislativo. Na verdade, o que o decreto preconiza, é a participação popular por meio dos conselhos para que se construa uma democracia, no sentido pleno da palavra. Não uma democracia "burguesa" na qual votamos e somos representados indiretamente pelos nossos candidatos, mas uma democracia na qual os cidadãos possam efetivamente dialogar com as instâncias de poder, respeitando a sua autonomia, propondo mudanças que estejam próximas a sua realidade. Indico ainda, a leitura do Manifesto de juristas e acadêmicos em favor da Política Nacional de Participação Social. 

Concluindo, assistimos a "paranoia anticomunista" revisitada pelos setores conservadores que continuam "resistentes a participação popular". 

Abraços, 
Osvaldo. 

Um comentário:

  1. Muito bem explicado, para os debilóides de Direita que ficam destilando bobagens acerca de Comunismo, sem entender nada, ao ponto de dizerem que o Nazismo era Comunista e de Esquerda!

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