segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Palácio blindado

Como Geraldo Alckmin sai ileso dos maiores problemas do estado de São Paulo e caminha a passos largos para mais uma reeleição no 1º turno

Naquela quarta-feira incomum de junho de 2013, Fernando Haddad e Geraldo Alckmin chamaram a imprensa às pressas para uma coletiva. Anunciavam juntos a redução das tarifas de ônibus e metrô, que voltariam a custar R$ 3 depois de pelo menos 6 atos contra o aumento de 20 centavos. Era tarde demais: nem o Movimento Passe Livre sabia, mas as manifestações já tinham ultrapassado as bandeiras do transporte e as fronteiras da capital.

Tão perto e tão longe dali, milhares de brasileiros tomaram as ruas pra exigir mais educação, mais saúde, menos corrupção e violência policial. Seu alvo principal, Brasília. Mas nem por isso centenas de prefeituras em todo país deixaram de ser invadidas, apedrejadas e tomadas por algumas horas pelos manifestantes enfurecidos. 

Durante a coletiva, Alckmin falou. Mas talvez nem precisasse. Sua capacidade de descolamento das crises encaradas no estado é de causar inveja pra políticos de qualquer lugar do mundo. Assiste de camarote a elas sem que seja ao menos citado por quem passa diariamente pelos problemas acumulados no estado e caminha triunfante para uma provável vitória ainda no primeiro turno.

Passados os protestos, a aprovação do governador voltou a ocupar a faixa de quase metade dos paulistas e Alckmin passou quase toda a campanha com metade das intenções de voto no estado. É a principal escolha dos jovens entre 16 e 24 – muitos dos que estiveram nas ruas em junho. 

De todas as reivindicações apontadas nos protestos em São Paulo, todas poderiam ter sido solucionadas ou melhoradas por ele ou seu partido, há nada menos que 20 anos no comando do Palácio dos Bandeirantes, a maior sequência em todo país desde a redemocratização.

Enquanto as redes municipais despontam como destaque no desenvolvimento da educação básica, a rede estadual está em queda livre: no dia 20 de agosto, o próprio governo anunciou o pior resultado obtido em 6 anos no Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo. Como se não bastasse, as universidades estaduais passam pela maior crise da história, a ponto de um novo espectro do neoliberalismo se reaproximar do ensino público superior, conforme indicação das principais lideranças intelectuais do PSDB. Ainda assim, o governo do estado permanece intocado diante do cenário desastroso.

Quando acirravam-se as tensões de uma Copa do Mundo repudiada por manifestantes em todo país e esperava-se que o exército nas ruas fosse o encarregado da repressão, a polícia militar que mais mata no mundo aproveitou a inversão da opinião pública sobre os protestos e manteve presos políticos por meses, além de protagonizar fiascos homéricos plantando provas em mochilas ou atirando na cara de vendedores ambulantes. Só no primeiro semestre de 2014, a PM de São Paulo matou 317 pessoas, 111,3% a mais do que no mesmo período do ano passado. Na capital, o aumento foi de 147% – isso de acordo com os registros oficiais. Nos debates ou planos de governo, nem sinal de qualquer iniciativa que minimize a letalidade da corporação. Isso tanto no discurso de Alckmin quanto no do único adversário possível para um segundo turno, Paulo Skaf. 70% dos brasileiros hoje não confiam na polícia militar, mas não o suficiente para apontar relação entre a gestão estadual e o comando da corporação em São Paulo.

No auge das campanhas anticorrupção pelo país, as manchetes dos jornais encaram como "Caso Alstom" o gigantesco esquema denunciado no ano passado em que a Siemens admite ter pago propina a autoridades de diferentes governos do PSDB em São Paulo e formado cartel com outras empresas, com anuência do estado. Em 2014, 56% de todos os recursos do partido para a reeleição de Alckmin vêm de doações de empresas investigadas no escândalo. No fim do ano passado, o PSDB conseguiu barrar as investigações do caso na Assembleia Legislativa.

Ontem o discreto título da Folha apontou para outro caso que facilmente estamparia a capa dos maiores periódicos do país fosse protagonizado pelo Partido dos Trabalhadores: a Tejofran, também investigada neste cartel entre 1998 e 2008, foi favorecida em licitação do Departamento de Águas e Energia Elétrica no ano passado, como atestam os e-mails trocados entre seus diretores, descobertos pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Mais do que isso, as conversam indicam cartel na Parceria Público Privada para construção e manutenção de piscinões com valor estimado em R$ 3,8 bilhões, negócio só não concluído graças à intervenção do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Se hoje 2,1 milhões de pessoas na região metropolitana são afetadas com a falta d'água constante nas torneiras, menos da metade dos paulistas aponta o governo do estado como responsável pelo racionamento, que, apesar de não reconhecido oficialmente, na prática atinge duas vezes mais os bairros mais pobres. No interior, os índices são ainda mais favoráveis ao governador: 63% dos paulistas sequer relacionam a gestão tucana com o problema. Em Itu, um dos reservatórios que abastece a cidade está com menos de 2% de água. O resultado do caos: a população se revoltou, mas invadiu e depredou... a Câmara Municipal de Vereadores. Na cobertura do caso pelo G1, o termo "governo do estado" não foi citado rigorosamente nenhuma vez. 

Quando a questão atingiu Itararé no fim do ano, pipocaram postagens na rede que apontavam a prefeita como culpada pela falta de distribuição no município. Assim como aqui, no estado todo foram as prefeituras quem mais sentiram na pele a deficiência de um serviço que, na verdade, permanece sob a responsabilidade do governo estadual de acordo com o pacto federativo. Se o estado entregou a Sabesp a acionistas e não tem mais o controle sobre a companhia, essa é outra conversa. Aliás, as ações de investigação sobre a atuação da empresa que se têm notícia hoje são movidas pelos poderes legislativos municipais ou o estadual. Do executivo, nada além de culpar São Pedro.

No fim de agosto, a relatora da ONU para a questão da água, Catarina Albuquerque, divulgou os resultados de sua investigação no final de 2013. A pesquisadora foi categórica: faltaram investimentos do governo do estado para impedir a seca nos reservatórios. Também choveu menos em diversos estados do país, mas em São Paulo a distribuição de água foi mais afetada do que em qualquer outro. Anteontem, dia 27, o Sistema Cantareira chegou ao nível mais baixo da história, 7,1%, mesmo com a captação do "volume morto". Agora a ideia é buscar água potável de cavas de mineração.

Ainda assim, na última sexta-feira o Datafolha anunciou: 51% dos paulistanos vão reeleger Geraldo Alckmin como governador do estado, custe o que custar.

Não é a toa que o candidato governista demonstre tanta irritação nos debates. 4 anos depois do início de mais um ciclo no poder, é pela primeira vez pública e diretamente questionado sobre a atuação de um governo distante dos problemas reais e blindado por uma imprensa conivente com as suas deficiências e contradições. Por mais imprevisíveis que possam ser as eleições, não é difícil supor que 5 de outubro vai trazer a confirmação do que já se espera desde sempre: são mais 4 anos de PSDB.

Abraços,
Murilo

Um comentário:

  1. PAULISTAS ADORAM CORRUPTOS ? OU BRASILEIROS TAMBÉM DE UM MODO GERAL?
    Maluf, Serra, Quércia, Fleury, Pitta, FHC, Paulo Preto, Juiz Lalau, Pinóquio de Chuchu...

    Pesquisa da Folha de São Paulo de quase 20 anos atrás, diz que 22% dos paulistas aceitam um politico corrupto. Tá explicado pq o estado mais rico do Brasil, Samparaguai, o estado máfia, é o mais corrupto...e agora da impune tucanalha, 20 anos no local do crime. Dia desses, um desembargador, comentando que iria finalmente votar contra a candidatura do Maluf, tinha brigado com a mulher que não queria que ele fizesse isso, já pensou? É a corrupção que bancou a ditadura, que financiou a tal "revolução" da canalha de 64 (bancada pelos paulistas), é a mesma corrupção que banca o cínico estado mínimo neoliberal (o neoescravismo das terceirização) do nosso capitalhordismo americanalhado made in sp. O estado mais rico do Brasil, o estado mais corrupto do Brasil. Isso quer dizer alguma coisa?... Aqui é um lugar seguro, é sim, pergunte ao PCC, ao crime organizado da 25 de Março à Av. paulista...
    https://fichacorrida.wordpress.com/category/ciclovias/

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