segunda-feira, 15 de setembro de 2014

De novo

Enquanto o posicionamento político sobre as questões LGBT é tratado como estratégia de campanha, mais gente morre sem que se faça rigorosamente nada

por MURILO CLETO


Aconteceu de novo. João Antônio Donati foi encontrado morto na manhã da última quarta-feira, 10 de setembro, com uma sacola plástica enfiada na boca. Ao contrário do que se noticiou nas primeiras horas, nenhum bilhete foi deixado como sinalização para o crime de ódio. 

Mas nem precisava. João Antônio não morreu por causa de uma discussão, de um desentendimento, de uma reação passional ou da consequência de um roubo. Foi brutalmente assassinado porque era gay, e nada além disso. Morreu inclusive porque seu algoz não queria que ninguém mais soubesse da breve relação entre ele e a vítima e o classificassem como homossexual.

Quinta-feira foi a vez do Centro de Tradição Gaúcha de Santana de Livramento, no Rio Grande do Sul, ser incendiado depois de ameaças graças à realização do casamento entre duas mulheres, Solange Rodrigues e Sabriny Benites. 

Só em 2013, a homofobia matou 310 no Brasil. Isso significa que, depois de João Antônio e do atentado em Santana de Livramento, pelo menos outros quatro já foram assassinados até a conclusão deste artigo.

No final de agosto, Marina Silva causou indignação da comunidade LGBT e de boa parte de seus apoiadores ao substituir um trecho de seu programa de governo, que anunciava o compromisso da coligação em “apoiar propostas em defesa do casamento civil igualitário, com vistas à aprovação dos projetos de lei e da emenda constitucional em tramitação, que garantem o direito ao casamento igualitário na Constituição e no Código Civil”. 

Horas depois da série de ameaças do pastor Silas Malafaia pelo Twitter, a nova versão apresentava a seguinte proposta: “garantir os direitos oriundos da união civil entre pessoas do mesmo sexo”, o que basicamente o Supremo Tribunal Federal já banca sozinho desde 2011. Além disso, excluiu por definitivo a defesa do PLC 122, que criminaliza a homofobia e tramita já desde 2006 no Congresso, fortemente combatido pela bancada e parte da comunidade evangélica no país.

O PSB veio a público com a justificativa de que houve uma “falha processual na editoração” da versão do programa que foi para a internet um dia antes e chamou o episódio de um “contratempo indesejável”. Entre o vazamento do programa de governo original, as ameaças de Malafaia e o lançamento oficial das propostas – um intervalo de pouco mais de um dia –, pelo menos mais um homossexual foi assassinado, de acordo com as projeções estatísticas mais recentes.

Em reação imediata, Dilma Rousseff anunciou seu compromisso em criminalizar a homofobia, mas poucos dias depois indicou que a pauta não será incluída no programa de governo, até agora não apresentado pelo Partido dos Trabalhadores. “Meu querido, está aqui na minha boca”, respondeu a um jornalista. Ideli Salvatti, hoje na Secretaria de Direitos Humanos da presidência da república, foi declarada inimiga da comunidade LGBT pelo Grupo Gay da Bahia por intervir pela contenção momentânea do PLC 122, quando ministra de Relações Institucionais, com medo do “desgaste” que sua evolução traria às vésperas das eleições.

Criminalização da homofobia ou casamento igualitário nem são pautas do executivo. Deveriam estar presentes nas propostas dos candidatos ao Congresso, que, com raras exceções, passam longe do tema graças aos holofotes direcionados ao Planalto, o que explica, em grande parte, a morosidade na aprovação discussão e aprovação de avanços neste sentido. Com as pressões populares – contra e a favor – longe dali, o legislativo brinca de executivo destinando de vez em quando emendas parlamentares para municípios aqui e acolá e com propostas cada vez genéricas como “saúde”, “educação”, “estradas”, deixando de lado suas verdadeiras funções.

E aí está o lado mais nefasto de toda repercussão a respeito da morte de João Antônio, do incêndio criminoso no Centro de Tradição Gaúcha e dos programas de governo às vésperas das eleições de outubro. Enquanto o posicionamento político sobre todas as questões LGBT é tratado como estratégia de campanha de acordo com as tendências, mais gente morre sem que se faça rigorosamente nada. E Silas Malafaia assiste de longe, satisfeito, com a certeza de mais uma missão cumprida.

Abraços, 
Murilo

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