sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego... pt I

Como o Brasil tem lidado com repentinas perdas de presidentes, presidenciáveis e líderes políticos e quais seus impactos sobre os pleitos eleitorais

por DANIEL BARRETO*


Eduardo Campos, morto tragicamente no último dia 13, não foi o primeiro, tampouco o segundo presidenciável a nos deixar às vésperas ou num período posterior muito curto às eleições. O número de perdas, não somente de candidatos, mas de influentes nomes capazes de mudar o jogo eleitoral, é muito maior do que possa parecer. De moléstias do século e desastres aéreos a atentados e um suicídio. O drama da perda, seja do político populista ou do representante das elites retrógradas do país, acompanha a trajetória de nossa República desde os primeiros anos que se seguiram ao golpe militar de 1889. 

Faltando bem menos de dois meses para as eleições de outubro, o então presidenciável Eduardo Campos (PSB), eleito por dois mandatos consecutivos como governador de Pernambuco, e tido como figura promissora no cenário político pós “Geração de 1964”, é vítima de um acidente aéreo em um bairro residencial de Santos. O candidato voava do Rio de Janeiro com destino ao Guarujá, na companhia de quatro aliados de campanha e de dois pilotos. Eduardo participaria, no dia 13 (curiosamente, mesmo dia do falecimento de seu avô, Miguel Arraes, em 2005), de encontros de campanha. 

Na noite anterior (terça-feira) Eduardo havia sido sabatinado a duros golpes por Bonner e Poeta, no sempre conhecido “Padrão Globo de Qualidade”, quando a dupla de inquisidores “Plim-plim” interrompeu por seguidas vezes o entrevistado. Quis o destino que Eduardo tivesse tido nesta entrevista sua última chance de mostrar seus propósitos à nação. Menos de vinte e quatro horas depois de proferir nervosamente em uma entrevista tensa, o slogan “Não vamos desistir do Brasil” era repetido por todos: familiares, amigos, aliados partidários, aliados de fachada, opositores antes companheiros e opositores históricos; isto é, à esquerda ou à direita, o cerne dos problemas do Brasil pareceria ser resolvido se reproduzíssemos e acreditássemos nesta frase. 

Da Monarquia à República - Desde que o Brasil é República, muitos “Eduardos” se foram. Talvez esta seja uma diferença profunda entre os mártires tombados na Monarquia, sepultada em 15 de novembro de 1889, para a positivista República das Espadas inaugurada em seguida. Até 1889, o Imperador, amparado pela Constituição de 1824 – a primeira do Brasil enquanto nação independente – gozava da hereditariedade para assegurar o continuísmo da família real no poder. Neste sentido,com o triunfo da República Presidencialista, novos horizontes se abriram. Enfim, a “República dos Estados Unidos do Brasil” emergiu acompanhada de potenciais lideranças nacionais, antes abafadas pelas figuras do Imperador Pedro II, da Imperatriz Teresa Cristina, da herdeira Princesa Isabel, entre tantos nomes da realeza do Brasil. 

Não nego, em hipótese alguma, que enquanto o Brasil viveu sob o comando dos Imperadores, Pedro I (1822 – 1831) e seu filho, Pedro II (1831 – 1889), a jovem nação não tenha tido lideranças de oposição ou então tenha vivido sob uma oposição mais “branda”. Basta lembrarmos que após a abdicação de Pedro I, em 1831, em favor de seu filho Pedro II, então com pouco mais de cinco anos de idade, o Brasil passou pelo chamado Período Regencial (1831 – 1840). Sem poder, de fato, decidir o rumo do Império, por não ter alcançado a maioridade, o jovem Pedro II viu-se auxiliado com alto grau de comando por Regentes, que deveriam guiar o país até que Pedro completasse 18 anos, em 1843. 

Foi no Período Regencial, quando não possuíamos um comandante centralizador, que aconteceram as mais radicais e longas revoltas do Império. Durante anos, em diferentes regiões do país, escravos, comerciantes, artesãos, fazendeiros, militares, entre outros grupos rebelaram-se por diversas razões. Consequentemente, em virtude das várias insurgências e da incapacidade da Guarda Nacional em conter os revoltosos, Pedro II teve sua maioridade antecipada em 1840, vindo a ser coroado no jogo político que ficou conhecido como “Golpe da Maioridade”. 

O exemplo citado no último parágrafo serviu para que possamos relacionar a descentralização política vivida no Período Regencial ao surgimento de grupos insurgentes e de suas respectivas lideranças. Pois bem, passada esta crise, só observaríamos uma oposição drástica contra o Império na última década do governo de Pedro II. 

A aprovação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil em 1891 é, indiscutivelmente, um dos fatores primordiais para o fortalecimento de nomes políticos regionalizados. Se partirmos do que a Primeira Constituição Republicana apresenta logo no 2º, 4º e 5º Artigo, respectivamente,torna-se evidente a autonomia que passou a ser alcançada pelos territórios (antes províncias e, a partir de 1891, estados) que constituíam a jovem República: 

Art 2º - Cada uma das antigas Províncias formará um Estado [...] 
Art 4º - Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se, para se anexar a outros, ou formar novos Estados, mediante aquiescência das respectivas Assembléias Legislativas, em duas sessões anuais sucessivas, e aprovação do Congresso Nacional. 
Art 5º - Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, as necessidades de seu Governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar. 

Desse modo, é necessariamente a partir de 1894, quando foram realizadas as primeiras eleições diretas para Presidente do Brasil, vencidas por Prudente de Moraes, que se observa o fenômeno que procuro destacar, muito superficialmente, é óbvio, mas, de forma acessível ao leitor neste artigo: a que medida o falecimento de um presidenciável ou chefe político de respeito influi sobre o resultado de uma eleição e (ou) sobre o andamento dos acordos partidários? 

Punhaladas, enfermidades e acidentes: fatalidades do Brasil republicano 

“Se...” não existe na História. Mesmo que meus queridos alunos insistam em levantar os “achismos” comuns da curiosa adolescência nos debates surgidos em sala de aula, procuro interferir prontamente e “tentar” afastar a imaginação mirabolante e contraditória dos devaneios característicos da juventude. Não que os censure, longe disso, mas, de tantos “Se...”, acabamos cansando! 

Crises típicas de um professor à parte, esta situação é válida de trazer a discussão, pois foi exatamente quando abordava em sala acerca do atentado contra o presidente Prudente de Moraes, em 1897, logo após a vitória das tropas federais na Guerra de Canudos, que um insistente “se” me chamou mais a atenção: “Mas, professor, e SE o 'guarda' de Prudente de Moraes não tivesse pulado na frente dele. O presidente iria morrer, né?” O “guarda” citado pela simpática estudante do 9º ano corresponde a um tal de Carlos Machado Bittencourt que, assim como Eduardo Campos, “morreu atrapalhando o tráfego”...

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* Daniel Bonin Barreto é licenciado em História pelas Faculdades Integradas de Itararé e atua como professor de Ensino Fundamental e Médio na Escola Estadual Esther Carpinelli Ribas. No Desafinado, assinou o artigo "A Revolução Constitucionalista de 1932 em Itararé".

Um comentário:

  1. Gostei do final do texto, ficou um ar de crônica. Muito bom.

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