terça-feira, 2 de setembro de 2014

Rebeldes sem causa? As revoltas de ontem e hoje

por LUIS FELIPE GENARO

Panfleto – o Maio de 1968 francês

No Brasil e no mundo, os jovens dos anos 1960 e 1970 representaram papéis principais em um cenário de estrondosa agitação política, social e cultural, questionando valores, tradições, costumes e modos de vida. Com o fim da Segunda Grande Guerra, o sistema de exploração capitalista tratou de mais uma vez reinventar-se, impulsionando uma transformação sem precedentes em sua trajetória. 

A chamada “revolução técnico-cientifica” começava a adentrar pequenas fábricas e grandes indústrias. A base dessa mesma indústria, aos poucos, deixou de ser eletromecânica e foi se tornando inteiramente eletrônica. Por sua vez, o reflexo nas sociedades modernas do hemisfério ocidental, cada vez mais robotizadas e consumistas, disciplinadoras e autoritárias, não foi nem um pouco benéfico. Futuros distópicos como os de Huxley e Orwell pareciam cada vez mais próximos e possíveis.

O Sistema como um todo começou a ser contestado em suas mais variadas frentes e nos mais diferentes lugares. A América Latina, assolada por regimes militares totalitários, reinventava sua música, sua literatura, o cinema e também o seu teatro. Nomes como Chico Buarque de Holanda, Glauber Rocha, Ruy Guerra, Mercedes Sosa, Victor Jara e Pablo Neruda, mesmo que hoje distantes e, na visão de muitos, sucateados pelo tempo e pela indústria cultural, ainda orientam gostos musicais, literários e cinematográficos. 

Se no dito “Terceiro Mundo” – conceito há certo tempo descartado – a miséria e a desigualdade social, juntamente com a crítica aos governos militares, eram os alvos da juventude e da intelectualidade, no Velho Continente a banda tocava uma outra melodia. No final dos anos 1960, universidades foram ocupadas, greves gerais foram deflagradas e as avenidas francesas, principalmente, tornavam-se verdadeiros cenários de guerra. O famoso Maio de 68 tratou de espalhar os ventos da Revolução para as mais variadas regiões da Europa, dos EUA e do continente americano. Entusiasmados com a Revolução Cubana, a Independência da Argélia e a Revolução Cultural chinesa, a juventude ocidental parecia predisposta a quebrar tabus, erigir barricadas e transformar o mundo. E de certa forma, o transformou. 


Nos Estados Unidos, berço dos movimentos de contracultura, a luta pelos direitos civis dos negros e pelo fim da Guerra no Vietnã ganhava força. Hippies, beatniks e hipsters, de maneiras diversas, abalavam o american way of life, atemorizando uma classe média branca, patriarcal e, não menos importante, imersas em um conformismo alienante. 

Se hoje nos deparamos com acusações vãs de que neste contexto a rebeldia juvenil não tinha causa(s), concluímos que pouco conhecem seus acusadores tanto do panorama geral como os pequenos acontecimentos de sua História recente. Segundo José Carandell em sua obra O Protesto Juvenil, “constituiu um motivo direto de rebelião a compreensão do sistema econômico, político e social dos países ocidentais, [...] a exploração dos países subdesenvolvidos, a segregação racial, a democracia mais formal que real, a especulação dos solos, o princípio da autoridade para além do principio da razão, a guerra pelo domínio de mercados e fontes de matérias-primas, o materialismo grosseiro das sociedades de consumo, etc.”

De fato, da década de 1970 para cá muita coisa mudou. Grupos minoritários e socialmente marginais que se fizeram visíveis na era da contracultura organizaram-se de forma efetiva. Hoje, os movimentos feminista, negro, operário, homossexual, sem-terra, sem-teto, indígena, no Brasil e no mundo, mostram-se relativamente fortalecidos. Contudo, em pleno 2014, século XXI, as lutas e conflitos parecem estar longe do fim. Ou teríamos nos esquecido que ainda vivemos sob o julgo brutal do sistema de exploração capitalista e de democracias “mais formais que reais”? Se para as gerações de 1960 e 1970, alguns tabus foram quebrados e modos de vida questionados, para onde foram os sonhos de um mundo melhor, mais justo e digno para todos? 

Na visão de diversos cientistas sociais estaríamos repetindo, de maneiras diferentes e mediante um processo mais longo, cheio de rupturas e continuidades, os movimentos de contestação que abalaram o mundo décadas atrás. Com novas roupagens, bandeiras e objetivos, o Sistema estaria novamente sendo colocado em xeque. Com as crises financeiras cada vez mais presentes e repetitivas e a maneira indiferente como a classe dirigente global tem orientado o porvir do mundo, ondas de insurgência têm assolado todo o hemisfério ocidental – e também oriental, notemos. 


Com os Indignados na Espanha, o Ocuppy Wall-Street nos Estados Unidos, as Jornadas de Junho no Brasil, entre tantos outros levantes, salvo suas respectivas características e especificidades regionais, políticas e culturais, temos assistido uma nova internacionalização da raiva e da rebeldia. Segundo Leonardo Sakamoto, “ver que muitos estão gritando a plenos pulmões sob o sol e a chuva traz uma lufada de esperança. Talvez esta nova geração, auxiliada pelas trocas e conexões possibilitadas pela tecnologia, faça a diferença de uma forma que os vieram antes não conseguiram”. 

As causas continuam as mesmas. Futuros distópicos ainda parecem possíveis. Basta olhar ao redor para perceber que a subserviência, o consumismo exacerbado e a truculência cotidiana não foram extintas. O sonho não morreu. Não pode de ter morrido! Caso o tenha, como muitos dizem por ai, será a nossa tarefa ressuscitá-lo, aqui e agora. 

Leituras:

Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas. (Diversos autores)
O Protesto Juvenil, por José Carandell.

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