terça-feira, 8 de setembro de 2015

O teatro Wole Soyinka como meio de reflexão social

Como o autor nigeriano, através de suas peças teatrais, reflete sobre questões essenciais para a África pós colonial e para a nossa realidade 

por LUISA DE QUADROS COQUEMALA

BAROKA: (...) Eu não odeio o progresso, apenas sua natureza
Que leva todos os tetos e rostos a ficarem iguais.
E o desejo deste velho é que, ao menos aqui e ali,
[Avança progressivamente em direção a Sidi, até curvar-
se sobre ela, e a seguir senta-se na cama ao seu lado.]
Entre as pontes e essas estradas assassinas,
Abaixo dos beija-flores que formam cortinas
Diante da face de Xangô, dispensador
Do relâmpago com língua de serpente;
Que entre este momento e aquele em que chegar
A vassoura descuidada que seja manejada
Durante os anos vindouros, possamos deixar
Locais virgens de vida, a rica decomposição
E o cheiro do vapor que se ergue
Das pilhas aquecidas de adubo, permanecendo
Ser ser perturbados... Mas a pele do progresso
Mascara, sem se notar, o lobo malhado da igualdade...
A igualdade não revolta o seu ser, minha filha...?


Hoje vamos aos palcos de Wole Soyinka, primeiro Prêmio Nobel da história da África. Nascido na Nigéria, Soyinka tem uma atuação política importantíssima em seu país (como grande parte dos autores africanos, tenho notado com surpreendente alegria). 

O autor também luta contra o militarismo e o autoritarismo que assolaram o país após o período colonial. Wole Soyinka foi preso em 1967 ao ser acusado de conspiração juntamente com rebeldes. Ficou na cadeia por 22 meses, até ser solto em 1969.

Além disso, o nigeriano também é um grande pensador a respeito das questões da África pós colonialismo. E é justamente esse caráter que fica evidente na sua peça O Leão e a Joia

A edição que li (única disponível no Brasil) é a da editora Geração Editorial. A edição é belíssima, com notas explicativas e fotos da peça quando encenada. O trabalho é cuidadoso e me surpreendeu de uma maneira muito positiva.

O tema central, com humor leve e longe de ser ingênuo, é um triângulo amoroso composto por Sidi, a “joia” e beleza da aldeia da nação iorubá. A bela jovem se vê assediada por dois opostos, que querem casar com ela: Lakunle, professor progressista que cultua valores ocidentais e cujo objetivo é estabelecer costumes europeus contra as tradições ancestrais da tribo; por outro lado, temos a figura de Baroka, o chefe da aldeia, exaltador dos costumes tradicionais. Baroka, o “bale” (chefe), também quer, ao se casar com a jovem, manter seu prestígio e poder.

Soyinka, apesar do tema recorrente, mergulha sua história nos costumes nigerianos, dando uma pincelada colorida e interessante, com música, dança e linguagem popular. E nota-se, através do contraste dessas duas opções, uma representação essencial de uma questão muito importante para a África de uma maneira geral: após o período colonial e todas as mudanças acarretadas pelos europeus (e, depois, pelos ditadores africanos), é necessário repensar os rumos culturais e políticos de um continente que sofre até hoje com os resquícios de um passado violento e injusto.

No meio desse conflito (não apenas amoroso, mas também em relação aos destinos culturais da aldeia), está Sidi. A figura da jovem é essencial para a ação, uma espécie de mediadora que, ao mesmo tempo em que valoriza a tradição, não aceita a submissão. Apesar de ela estar em meio ao conflito ideológico dos dois pretendentes, nota-se que sua expressão é fraca – senão nula. 

Pensando num sentido mais amplo, tal representação não é importante apenas no âmbito africano, mas sim para o papel social da mulher em âmbito mundial. Como diria o professor Ubiratan Castro de Araújo, no excepcional prefácio que fez para a obra: “Voltando à história contemporânea africana, podemos ler esta belíssima fábula O Leão e a Joia como uma busca alternativa para as sociedades africanas do pós colonialismo. A mera substituição de brancos por negros nas mesmas estruturas de poder colonial fracassou. A simples manutenção das culturas tradicionais não responde mais aos desafios da África contemporânea. A escolha de Sidi pode ser a saída para a incorporação de novos personagens sociais (a mulher, por exemplo) em processos de modernização que respeitam as identidades tradicionais. Talvez este seja o verdadeiro sentido do ‘renascimento africano’.” 

O papel da mulher é negligenciado muitas vezes com uma frieza que espanta. As mulheres, no meio de conflitos sociais e culturais, podem apontar soluções, mas nem sempre sua representatividade é levada em conta. E isso não é uma grande surpresa em uma sociedade patriarcal como a nossa, onde a violência contra a mulher muitas vezes é voltada contra ela própria - e os receios e inseguranças pelos quais uma mulher passa durante sua vida são uma pequena prova desse comportamento opressivo.

Deveríamos, como Wole Soyinka, repensar o papel essencial da mulher na sociedade. E, com isso, analisarmos como podemos alterar não apenas o machismo nosso de todo o dia, mas também os valores que temos – principalmente quando a questão diz respeito ao gênero. Antes de aceitarmos a cultura do próximo, devemos melhorar a nossa própria estrutura social. Se não o fizermos, independentemente de nosso progressismo ou de nosso culto à tradição, não passaremos de tolos primitivos. 

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