quinta-feira, 17 de setembro de 2015

O que Gilmar Mendes não disse

por SANDRO CHAVES ROSSI



No último dia 16, o Supremo Tribunal Federal voltou a julgar a permissão para doações de campanha por parte de pessoas jurídicas. O julgamento foi retomado após Gilmar Mendes ter liberado, na semana passada, após um ano e cinco meses depois, seu voto sobre o assunto, permitindo que o caso seja retomado pelo plenário. A ação judicial proposta pela OAB sobre a doação eleitoral por empresas foi a julgamento em 2013 no STF, mas em abril do ano passado foi interrompida por Gilmar Mendes. Quando o julgamento estava 6 a 1 pelo fim das doações, ele pediu vista - que nada mais é do que um tempo para que o juiz possa analisar melhor o processo para não ter dúvidas sobre o seu voto -, e então a sessão foi suspensa.

A questão é que na volta do julgamento, Gilmar Mendes foi um sofista do nível mais baixo até então visto no STF, não se limitando apenas a argumentos, mas também a acusações rasas e atitudes que mancham o debate político em uma das esferas mais incisivas da sociedade. Mendes começou seu discurso, que demorou 4 horas, com os seguintes argumentos:

Quer dizer, voltamos ao status pré-Collor, em que se tinha doação só de pessoas privadas. O Brasil sempre teve isso. É um amontoado de caixa dois. Que essa era a realidade.
Nós temos dificuldades na situação atual às vezes de fiscalizar 20 empresas – doadoras, etc e tal. Agora imagine o número de doadores pessoas físicas com esse potencial: sindicatos, igrejas, organizações sociais, todas elas, podendo ter dinheiro que vai ser distribuído por CPF.

Logo após isso, Mendes armou uma ofensiva contra todos que o questionaram, principalmente em cima da OAB e do PT. Ao questionar a decisão da OAB em proibir a doação de empresas para campanhas políticas, Gilmar Mendes disse que "ação da OAB contra doação empresarial teve como objetivo envolver STF em trama, em conspirata pró-PT". Além do mais, Gilmar explica "conspiração": OAB fez evento com participação do hoje ministro Barroso e propôs ação no STF para depois mudar sistema eleitoral. Ele ainda enfatiza que "essas ideias coincidiam por inspiração divina com os propósitos do PT e do governo". Basicamente, o que Gilmar Mendes fez foi acusar OAB e PT de conspiração com participação de Barroso e ainda dizer, sem prova nenhuma, que o partido tem dinheiro oculto.

Por fim, Gilmar Mendes teve uma atitude inesperada, ele deixou o plenário depois que Lewandowski permitiu que um advogado fizesse a defesa da OAB de suas acusações. Gilmar Mendes diz que o advogado não poderia falar, Lewandowski interveio e disse que Mendes falou por horas e que devia dar espaço para que o advogado também falasse, ao que Gilmar Mendes responde: "mas eu sou ministro e ele é advogado!". Então se levantou e abandonou a sessão.

Poderíamos discutir a influência dos mercados na democracia, a sua importância e as suas implicações, porém deixaremos isso para depois - fica como ideia para um próximo texto, talvez. O que nós temos que lidar é com a realidade que vivemos hoje no nosso sistema político que sempre sofreu influência do capital privado dos mercados e as consequências que eles trouxeram para a democracia até hoje. Empresas que têm por instinto natural visar o lucro, dificilmente se importam com as implicações que tais atos causam na democracia brasileira, é claro que não devemos generalizar, mas há sim um grande interesse de boa parte desses empresários em usar o aparato estatal para garantir seus ganhos.

A Lava Jato evidencia isso cada vez mais. É preocupante que não se veja problema algum quando alvos da Lava Jato doaram cerca de R$ 109 milhões só para Dilma e Aécio nas últimas eleições de 2014. Esse valor foi destinado a candidatos e não partidos. Quando o assunto é partidário, temos um dado ainda mais preocupante: empreiteiras da Lava Jato doaram R$ 277 milhões para 28 dos 32 partidos Oito empresas investigadas pela PF financiaram quase todas as siglas do país em 2014, sem distinção entre governistas e oposicionistas.

Há influência do capital dos mercados não pára por aí, a cada eleição cresce o número de empresários que compõem as bancadas do legislativo federal, hoje cerca de 280 deputados são empresários, maior número até então, isso sem contar outros políticos que se elegeram com dinheiro de empresários para proteger os interesses dos mesmos, é o caso do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Cunha teve uma das campanhas mais caras para o legislativo no ano de 2014, declarou no TSE ter recebido R$ 6,8 milhões de doações de empresas, dentre elas estão empresas do ramo de exploração de minérios, bebidas, planos de saúde e telecomunicações.

Há quem ache tudo uma grande coincidência, mas as pautas defendidas por Eduardo Cunha nesse ano foram todas visando o favorecimento dos empresários, como a terceirização do trabalho, que permite a empresa contratar um empregado sem seguir a CLT; a PEC 451 que visa diminuir os recursos federais repassados ao SUS e a aprovação na doação de empresas para campanhas eleitorais, esta última votada duas vezes através de uma manobra irregular, mas que parece não ter relevância para Eduardo Cunha. Além dessas pautas, Cunha também disse que a regulamentação da mídia, algo que é de suma importância para a democracia brasileira, só será votada "por cima do seu cadáver". O que Gilmar Mendes não disse nessa última quarta-feira, está sendo dito por Eduardo Cunha desde o começo do ano: empresa não faz doação, faz investimento.

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