Por que o Presidente do Supremo Tribunal Federal tornou-se o queridinho da onda reacionária no país
Joaquim Barbosa nasceu em Paracatu, no interior de Minas Gerais. Filho de pedreiro, estudou em Colégio Estadual enquanto ajudava o pai a fazer tijolos e entregar lenha no caminhão da família. Com menos de 20 anos, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Uma década depois, já era procurador do Ministério Público Federal. Assumiu a chefia da consultoria do Ministério da Saúde em 1985. Voltou à Procuradoria em 1988. No limiar do século XX, lecionou na Universidade da Califórnia até que, enfim, foi nomeado pelo ex-presidente Lula para o Supremo Tribunal Federal, de onde não saiu mais desde então.
Nas cadeiras do Supremo, já nos primeiros anos de exercício, Barbosa bateu boca diversas vezes com os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Eros Grau. No ano passado, disse que no Brasil os partidos políticos são de mentirinha e que, no fundo, o Congresso está nas mãos do governo. Em 2006, foi ele o escolhido relator do maior julgamento político da história do país, o Mensalão. No ano seguinte, o inquérito virou ação e o ministro adentrou o seleto universo das - isso mesmo - celebridades.
Na quinta-feira passada, o Mensalão voltou às manchetes das principais redações e redes sociais não apenas por causa do resultado de mais um julgamento, mas pela reação de Barbosa aos votos dos seus colegas de STF. O vídeo do seu "desabafo" correu rapidamente o país e ele reforçou a posição de herói nacional, assumida desde pelo menos 2011, quando já não podia mais esconder a sede pela condenação dos envolvidos no esquema protagonizado pela alta cúpula do PT, dirigentes de bancos e parlamentares.
Tudo começou em 2011 mesmo, quando Lewandowski esteve na capa da Folha de S. Paulo pra dizer que as penas do mensalão prescreveriam.
Réus do mensalão terão as penas prescritas antes que o julgamento esteja concluído. O escândalo é de 2005 e não há ainda prazo para finalizar o processo no Supremo Tribunal Federal, diz o ministro Ricardo Lewandowski. O mensalão tem 38 réus e está à espera do voto do ministro-relator, Joaquim Barbosa. Em seguida, Lewandowski terá incumbência de revisar o processo. Só então poderá ser marcado um julgamento pelo plenário do STF.
‘Terei que fazer um voto paralelo ao voto do ministro Joaquim. São mais de 130 volumes. São mais de 600 páginas de depoimentos. Quando eu receber o processo eu vou começar do zero. Tenho que ler volume por volume porque não posso condenar um cidadão sem ler as provas’, disse Lewandowski em entrevista à Folha e ao UOL (…)
Quando um réu é primário, a pena imputada pode ser menor em relação a um criminoso com ficha suja. Entre os crimes que podem caducar, disse Lewandowski, está o de formação de quadrilha (…)
Como o caso está em curso, não é possível saber quais os crimes imputados que irão prescrever. É necessário primeiro saber se serão condenados e a extensão das penas.
Se os que são acusados por formação de quadrilha receberem penas de apenas dois anos de reclusão, essa punição já estaria prescrita agora.
É que a prescrição é calculada de acordo com as regras do Código de Processo Penal. No atual estágio do processo do mensalão, toma-se como base a data do recebimento da denúncia, ocorrida no final de agosto de 2007.
Antes disso, Barbosa também desabafou. Estava indignado com a insuficiência das provas contra José Dirceu. Nas palavras do ministro, o procurador-geral da República e coletor das evidências Roberto Gurgel tinha feito um trabalho deficiente. Como calculava que a pena por formação de quadrilha seria de 2 anos, o crime de formação de quadrilha, denunciado em 2007, já estaria prescrito quando julgado.
Em 2012, a Ação Penal 470 foi finalmente julgada e os principais envolvidos condenados. Mas uma coisa chamou atenção: a ausência de recurso. Como o julgamento foi feito pelo órgão máximo da justiça no país, não cabia qualquer medida de recurso ou revisão de julgamento para os réus.
Ano passado, quando o gigante estava acordado, a população foi à loucura com os tais embargos infringentes, até hoje mal compreendidos. Os embargos infringentes são, sem dúvida, um recurso no mínimo estranho. Parte do princípio de que deve-se repensar qualquer decisão não unânime ou, pelo menos, folgada entre os ministros. Quando o Supremo votou pelo acato dos embargos infringentes, Joaquim Barbosa ficou indignado, ainda que o recurso tivesse sido usado em diversas ocasiões pelo órgão, inclusive pelo próprio ministro.
Na quinta-feira passada, Luís Roberto Barroso - que ainda não ocupava cadeira no Supremo em 2012 - votou pela inocência dos acusados pelo crime de "formação de quadrilha". Para ele, os autos apontam para a hipótese de coautoria, e não formação de quadrilha. "Para caracterizar esse crime é preciso estar presente o dolo, a estabilidade e a unidade de desígnios", o que, segundo ele, não estaria provado nos autos. Durante o julgamento, em 2012, o prof. Túlio Vianna escreveu sobre o excesso de barulho pra pouca prova.
Em 2007, o mesmo Supremo Tribunal Federal havia inocentado do crime de formação de quadrilha o senador Ivo Cassol (PP-RO) e mais dois réus por fraude em licitações entre 1998 e 2002, na cidade de Rolim de Moura, em Rondônia. A decisão acompanha o raciocínio de que nem toda associação criminosa precisa ser, necessariamente, uma quadrilha. O código penal é claro em distinguir "formação de quadrilha" de "sofisticada organização criminosa" e "associação criminosa". Para ser "quadrilha", o grupo precisa estar frequentemente associado para práticas criminosas, o que não aconteceu. Tanto Genoíno quanto Dirceu e Delúbio já ocupavam seus respectivos cargos quando estiveram envolvidos com as instituições financeiras e os parlamentares no esquema de compra de votos.
Com todo o cuidado, Barroso sugeriu que Barbosa havia agravado desproporcionalmente, em até 75%, as penas dos condenados, o que lhe chamava muita atenção. E mais, que havia um motivo muito claro pra isso: a intenção de Barbosa em evitar a prescrição do crime de formação de quadrilha e a mudança do regime aberto para o semi-aberto, de acordo com as novas sentenças. Pra surpresa de todos, Barbosa não titubeou e respondeu, na lata: "foi feito pra isso sim!"
Ano passado, quando o gigante estava acordado, a população foi à loucura com os tais embargos infringentes, até hoje mal compreendidos. Os embargos infringentes são, sem dúvida, um recurso no mínimo estranho. Parte do princípio de que deve-se repensar qualquer decisão não unânime ou, pelo menos, folgada entre os ministros. Quando o Supremo votou pelo acato dos embargos infringentes, Joaquim Barbosa ficou indignado, ainda que o recurso tivesse sido usado em diversas ocasiões pelo órgão, inclusive pelo próprio ministro.
Na quinta-feira passada, Luís Roberto Barroso - que ainda não ocupava cadeira no Supremo em 2012 - votou pela inocência dos acusados pelo crime de "formação de quadrilha". Para ele, os autos apontam para a hipótese de coautoria, e não formação de quadrilha. "Para caracterizar esse crime é preciso estar presente o dolo, a estabilidade e a unidade de desígnios", o que, segundo ele, não estaria provado nos autos. Durante o julgamento, em 2012, o prof. Túlio Vianna escreveu sobre o excesso de barulho pra pouca prova.
Em 2007, o mesmo Supremo Tribunal Federal havia inocentado do crime de formação de quadrilha o senador Ivo Cassol (PP-RO) e mais dois réus por fraude em licitações entre 1998 e 2002, na cidade de Rolim de Moura, em Rondônia. A decisão acompanha o raciocínio de que nem toda associação criminosa precisa ser, necessariamente, uma quadrilha. O código penal é claro em distinguir "formação de quadrilha" de "sofisticada organização criminosa" e "associação criminosa". Para ser "quadrilha", o grupo precisa estar frequentemente associado para práticas criminosas, o que não aconteceu. Tanto Genoíno quanto Dirceu e Delúbio já ocupavam seus respectivos cargos quando estiveram envolvidos com as instituições financeiras e os parlamentares no esquema de compra de votos.
Com todo o cuidado, Barroso sugeriu que Barbosa havia agravado desproporcionalmente, em até 75%, as penas dos condenados, o que lhe chamava muita atenção. E mais, que havia um motivo muito claro pra isso: a intenção de Barbosa em evitar a prescrição do crime de formação de quadrilha e a mudança do regime aberto para o semi-aberto, de acordo com as novas sentenças. Pra surpresa de todos, Barbosa não titubeou e respondeu, na lata: "foi feito pra isso sim!"
Joaquim Barbosa assumiu publicamente fraudar o próprio sistema judiciário para alimentar a vontade de manter em regime fechado José Dirceu, Genoíno e Delúbio Soares, entre os 8 réus julgados por formação de quadrilha.
Mas aqui no mundo real isso não faz a menor diferença. Quem acompanhou as consequências do descontrole de Barbosa depois do voto de Teori Zavascki sabe que não faz. Primeiro que, aparentemente, já se esqueceu que os condenados continuam condenados e, inclusive, presos. Aqui no mundo real ninguém quer saber o que realmente são os embargos infringentes. No mundo real, Barbosa virou ídolo. Tem sido objeto do fascínio pela vingança, e não pela justiça.
Talvez por isso Barbosa tenha se transformado no queridinho da direita. O STF, que deveria ser guardião da Constituição, com Barbosa, virou da moral. Se a morosidade dos processos é um problema que livra a barra de políticos corruptos que se beneficiam do sistema, está na hora de reformá-lo, e não de fraudá-lo. Afinal de contas é isso que distingue justiça de justiçamento. Mas aqui isso também não importa mais.
Talvez por isso Barbosa tenha se transformado no queridinho da direita. O STF, que deveria ser guardião da Constituição, com Barbosa, virou da moral. Se a morosidade dos processos é um problema que livra a barra de políticos corruptos que se beneficiam do sistema, está na hora de reformá-lo, e não de fraudá-lo. Afinal de contas é isso que distingue justiça de justiçamento. Mas aqui isso também não importa mais.
Joaquim Barbosa hoje percorre as redes com uma brutalidade implacável daqueles que organizam nova edição da Marcha da Família com Deus pela Liberdade e defendem que a presidência do país seja comandada por ele junto ao exército, que extinguiria os partidos políticos e o Congresso.
Talvez a imagem que melhor defina Barbosa seja a reproduzida pela revista Veja, em novembro do ano passado. Caminha de costas para o espectador, com a toga reluzente de um justiceiro como o de Gotham City.
Abraços,
Murilo
Abraços,
Murilo
Gosto muito de ler seus artigos. Assuntos atuais, inteligentes e acessíveis ao meu entendimento! rs
ResponderExcluirObrigado, Luciane! Seja sempre bem-vinda.
Excluir