quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Império, volver!

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR


Na semana passada, o jornal "Gazeta do Povo" de Curitiba informou que a Associação Comercial e Industrial de Ponta Grossa - ACIPG - publicou o documento Proposta da Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Ponta Grossa para os Candidatos Locais à Câmara dos Deputados e Assembleia Legislativa do Paraná, defendendo que os beneficiários de programas de transferência de renda governamentais, dentre eles os beneficiários do Programa Bolsa-Família, percam seu direito ao voto temporariamente. 


Tal documento foi apresentado aos candidatos dos Campos Gerais, região de Ponta Grossa, e, segundo o presidente Nilton Fiori a proposta foi bem recebida pelos candidatos da região. Fiori ainda afirmou que, mesmo sabendo da inconstitucionalidade da proposta, a Associação tem a intenção de levantar o debate. Esta medida, teria como objetivo garantir a "lisura" do processo eleitoral. Ainda, segundo o jornal "O Estado de São Paulo", a proposta "já tinha aparecido em redes sociais e até em cartazes nas manifestações de rua de 2013". Além disso, atingiria diretamente a candidata à reeleição Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores - PT -, que tem 54% da preferência entre os beneficiários do Bolsa-Família, e 37% no conjunto de eleitores do país. 

Parte da "onda" conservadora que vem assolando o Brasil, a proposta expressa, de um lado, uma reação à redução da pobreza extrema e da desigualdade social nos últimos 12 anos, e de outro o pensamento "aristocrático" das elites brasileiras de defesa dos privilégios "a qualquer custo". Apesar disso, a proposta é inconstitucional, pois a Constituição de 1988 determina no capítulo IV - Dos direitos políticos -, que o voto é universal e independe da condição social, porém nem sempre foi assim. 



No Brasil o voto surgiu em 1532, na Vila de São Vicente, convocado pelo donatário Martim Afonso de Souza para escolher o conselho administrativo da Vila. Contudo, naquele contexto só tinham direito ao voto os membros das "famílias poderosas", definidos por aspectos financeiros e pela participação na burocracia militar e civil. Esses eleitores eram intitulados "homens bons", sendo que, segundo Olivieri (2007), ''a expressão homens bons (como eram classificados), posteriormente passou a designar os vereadores eleitos das casas de Câmara dos municípios, até cair em desuso". 

O sufrágio ou direito ao voto deixou de ser um privilégio com a inserção, na Constituição Francesa de 1793, do sufrágio universal. No entanto, somente em 1821 o Brasil teve uma "eleição nos moldes modernos" com a escolha dos representantes brasileiros para as cortes gerais, extraordinárias e constituintes da nação portuguesa, que ocorreu após a Revolução do Porto e o retorno do rei Dom João VI a Portugal em 1820. É claro que o direito ao voto foi restrito aos cidadãos "influentes" da época. 

Com a Independência em 1822, fazia-se necessária uma nova configuração jurídica e política. Com isso Pedro de Alcântara convocou a Assembleia Constituinte em 1823, com o objetivo de redigir a primeira constituição do Império do "Brazil". Outorgada pelo Imperador em 25 de março de 1824, esta constituição determinava no capítulo 6 – “Das eleições” - que não podiam votar "os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou emprego" e "os Libertos”. Segundo Bonavides (2010), neste caso adotava-se o sufrágio censitário (a riqueza), o que significa dizer que os pobres não tinham direito ao voto. Mesmo com a Lei Saraiva de 1881, que introduziu o voto direto, manteve-se o caráter censitário, ou seja, até o fim do Império apenas 1,5% da população brasileira tinha direito ao voto. 

A conquista do sufrágio universal, pilar básico da democracia, foi resultado de um processo árduo de lutas sociais. Com a Proclamação da República, em 1889, foi promulgada uma nova constituição em 1891. Influenciada pelo positivismo, a constituição previa que "todos são iguais perante a lei". Entretanto, em relação ao direito ao voto, essa máxima não se confirmou. Isso porque no artigo 70 determinava-se que eram eleitores os cidadãos maiores de 21 anos, excetuando-se, dentre outros, os analfabetos e mendigos; ou seja, manteve-se o sufrágio censitário. Na primeira eleição direta para a Presidência da República, Prudente de Morais chegou ao poder com 270 mil votos, que representavam 2% da população brasileira da época. 

O voto feminino, por exemplo, foi resultado da solicitação de uma eleitora de Mossoró, no Rio Grande do Norte, no ano de 1927. Em 1932, com a aprovação do Código Eleitoral, o direito ao voto foi estendido às mulheres em todo o território nacional. Durante o governo Vargas foi promulgada a Constituição de 1934, que restringiu o voto feminino apenas para as mulheres que exercessem função pública remunerada. Ademais, a constituição manteve o veto aos mendigos e analfabetos. Em 1937, ano em que foi outorgada a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, começou a ditadura do Estado Novo, que durou até 1945. Neste período, os brasileiros foram privados do voto e Vargas governou soberano. 



Em 1946, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra, foi promulgada a Constituição de 1946, que promoveu o respiro democrático por 18 anos, até o golpe civil-militar de 1964. Esta constituição permitiu o sufrágio universal feminino, e manteve o veto aos analfabetos. No ano de 1964 começou a Ditadura Civil-Militar, período de 25 anos em que os brasileiros foram novamente privados do voto, dentre outros direitos fundamentais. As ditaduras de Vargas e dos militares privaram os brasileiros de votarem por 9 vezes, sendo que em quase 125 anos de República, dos 36 presidentes, somente 18 foram eleitos por voto direto. 

Na segunda metade da década de 70, com o enfraquecimento da Ditadura Civil-Militar e a "abertura lenta, gradual e segura" promovida pelos governos Geisel e, mais efetivamente, Figueiredo, surgiu o movimento "Diretas Já!", que reivindicava o direito dos brasileiros de escolherem o seu presidente. Tal movimento levou às ruas milhares de pessoas e terminou frustrado com a não aprovação da emenda “Dante de Oliveira” e a eleição de Tancredo Neves pelo colégio eleitoral em 1985. Contudo, Tancredo faleceu vítima de diverticulite e José Sarney assumiu a presidência da República. No seu governo foi promulgada, a sétima e atual constituição de 1988, que finalmente instituiu o sufrágio universal irrestrito para toda a população brasileira acima dos 16 anos. 

Ignorando toda essa história de lutas pelo sufrágio universal, e os diversos dados que demonstram a eficácia do programa Bolsa Família, como, por exemplo, o relatório sobre Erradicação da Pobreza do Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, para o Conselho Econômico Social - ECOSOC - ou mesmo os dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que indicam que muitas famílias têm se "emancipado" economicamente através do programa, a associação pontagrossense sugere o retorno ao sufrágio censitário e a exclusão dos menos favorecidos do processo democrático de escolha dos seus representantes. Além de uma afronta à democracia construída a duras penas e a custo de muito sangue no Brasil esta proposta sugere juridicamente que voltemos ao Império. 


Frente a isso, sugiro que para atingirmos uma sociedade com a "lisura" proposta pelos comerciantes e industriais de Ponta Grossa, primeiro punamos os sonegadores, tipificados pelo Código Criminal brasileiro como criminosos, que representaram uma perda de R$ 106 bilhões para os cofres públicos apenas este ano. Tais dados colocam o Brasil em 2º lugar, atrás apenas da Rússia, no hall de sonegadores, sendo que o valor sonegado representa 25 vezes a corrupção nos países em desenvolvimento. Inclusive, uma das associadas da ACIPG, a Rede Paranaense de Comunicação - RPC -, que recebeu o mérito empresarial em 2013, é afiliada da Rede Globo, que curiosamente está sendo investigada por sonegar nada menos que R$ 180 milhões de reais. Acredito ser desnecessário citar que a sonegação, é prática comum as elites brasileiras, seja por meio das cotidianas fraudes no imposto de renda ou até mesmo dos desvios de recursos para paraísos fiscais. 

Ainda em busca da "lisura" sonhada, poderíamos sugerir a perda do direito ao voto de todos os comerciantes, industriais e grandes grupos que sobrevivem dos suntuosos empréstimos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. Assim, proprietários das concessionárias de obras rodoviárias, de varejistas como as Lojas Americanas e a B2W e, até pouco tempo atrás o guru do empresariado capitalista brasileiro, Eike Batista, teriam seu direito temporariamente suspenso. Desta forma, igualaríamos o critério de exclusão por "benefício" financeiro público. Ou então, deixemos as elites escolherem um novo monarca, que infelizmente não vai ser português, visto que a antiga metrópole é um país republicano desde 1906, e voltemos ao Império. 

Abraços, 
Osvaldo.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

A questão latifundiária no Brasil: sangue, preconceito e revolução

por LUIS FELIPE GENARO

A mídia independente Resistência Camponesa, longe dos holofotes da velha imprensa, noticiou na última segunda-feira (08/09) um fato que, de tão recorrente, vem beirando a banalidade. Há semanas, pistoleiros e jagunços de um latifúndio em Rondônia, município de Chupinguaia, vem sequestrando camponeses do acampamento Gilson Gonçalves. Daniel e Paulo, ambos desaparecidos, eram membros da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental (LCP). A luta pela terra, no entanto, continua.


Notam-se na História brasileira muitas permanências e poucas rupturas efetivas. Quando essas ocorrem, os donos do poder se incomodam de tal forma que sufocam toda e qualquer tentativa ou ação de rebeldia e insurgência, seja ela individual ou coletiva. Se existe uma permanência histórica que está presente desde o trágico choque entre portugueses e indígenas há 514 anos, ela pode ser sintetizada no que chamamos questão latifundiária

O advogado e historiador Pedro Brasil Bandecchi, em plena agitação política no início dos anos 1960, redigiu um pequeno livreto chamado Origem do Latifúndio no Brasil. Nele somos impelidos a regressar no tempo para compreender uma questão premente nas discussões de sua época, ainda que estranhamente contemporânea. 

Para Bandecchi, a questão agrária no país, extremamente desigual, inicia-se durante a colonização europeia. Primeiro, há a ocupação – ou o que Darcy Ribeiro chamaria invasão – de portugueses nos sertões e regiões plenamente habitadas por milhares de tribos e pequenas confederações indígenas. “O índio, que acabou cedendo [ou morrendo], se opôs à imediata conquista da terra. Entre os naturais, não havia a propriedade da terra, que era comum às tribos todas [...]”, explica o advogado. 

A coroa portuguesa, temendo a invasão, agora de outros europeus, lança aos mares colonos dispostos a produzir em uma terra na qual, em sua concepção eurocêntrica, não havia habitantes. O fato é que o genocídio e a escravização de índios permaneceriam constantes nos primeiro séculos de ocupação. 

“A terra pertence a quem cultiva. Se o direito português encontra suas melhores raízes na Antiga Roma, o direito brasileiro origina-se daquele. A história do Brasil territorial começa em Portugal. É no pequeno reino peninsular que vamos encontrar as origens remotas de nosso regime de terras”, afirma Bandecchi. 


Através da Lei das Sesmarias, foram distribuídas enormes faixas de terra para “pequenos notáveis” virem ao Brasil e cultivarem o que desse para ser cultivado. Inicia-se o que a historiografia chama tradicionalmente período das capitanias hereditárias. Das capitanias, finalmente, surgiram os engenhos, os grandes latifúndios e uma aristocracia agrária, se é que podemos assim intitulá-la, que lamentavelmente, e com diferentes roupagens, está presente até os nossos dias. 

Afinal, a terra não é para quem cultiva? A distribuição de grandes propriedades que descumprem sua função social não está em nossa Constituição Federal? Por que a luta pela terra é tão criticada e estigmatizada pela imprensa nativa e pelos donos do poder? Em teoria, os poderosos aceitam uma Reforma Agrária plena. Na prática, a História nos mostrou o que acontece quando uma liderança se rebela e acelera o processo em questão – um golpe civil-militar. 

A esquerda brasileira contava com que os governos de Lula e Dilma levassem a cabo a Reforma Agrária, por ser uma das bandeiras históricas do Partido dos Trabalhadores (PT). Isso, como se sabe, não aconteceu. Gilmar Mauro, um dos dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), afirma que “o governo Dilma em termos da Reforma Agrária não fez nada. O governo Dilma se compara ao período militar. Como é que vai fazer a revolução se não estiver junto com o povo e com a classe trabalhadora?”, indaga o sem-terra. Em termos de programas sociais e outros avanços, Gilmar Mauro não pestaneja e elogia os governos petistas. Mas não deixa de criticá-los quando necessário. 

Analisando o período Lula, o historiador Paulo Henrique Martinez, em seu artigo O Partido dos Trabalhadores e a Conquista do Estado, afirma que “eleito para transformar o país, sua prática política e administrativa [a de Lula] reiteraram padrões convencionais e arraigados na vida política nacional e contemplou os interesses mais entranhados do capitalismo no Brasil”. Complacente com o agronegócio, os famigerados ruralistas e pequenas oligarquias regionais, o partido, no poder, corroeu um de seus principais pilares de sustentação.


A relação entre a terra e o poder político é e sempre foi estreita. O renomado intelectual brasileiro Raymundo Faoro, em consonância com Pedro Brasil Bandecchi, afirmou décadas atrás que desde a invasão portuguesa “a realidade americana torceu o conteúdo da lei, transformando a terra, de instrumento régio da colonização e povoamento, em garantia permanente do investimento agrícola. De outro lado, dentro da mesma corrente, a sesmaria, meio jurídico para apegar a terra à capacidade de cultivo, serviu para consagrar as extensões latifundiárias. Tudo por obra do açúcar e da expansão do gado, afirmando a tendência, no plano político, da autonomia do potentado rural”. 

Em suma, a luta pela distribuição de enormes faixas de terra não produtivas e concentradas nas mãos de poucos permanece um dos objetivos da Esquerda, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, assim como de outros movimentos sociais brasileiros. Apenas com a plenitude da Reforma Agrária – realizada mediante poder popular e por ele apenas – findarão os eternos conflitos no campo, conflitos esses que ainda se assemelham à vida colonial brasileira. Escravidão, assassinatos, sequestros, entre outras barbáries cessariam e, finalmente, pequenos produtores e camponeses teriam a chance de ter um pedaço de terra para plantar. 

Enquanto escrevo rememoro a harmoniosa poesia de Chico Buarque ao cantar o trágico hino de uma luta que, do contrário que muitos pensam, não está ganha. Por enquanto a parte do latifúndio que cabe ao pequeno produtor, ao indígena e ao camponês, é a cova. 

Uma cova com palmos medida. 

Outras leituras: 

O Povo Brasileiro, por Darcy Ribeiro. 
Os Donos do Poder, por Raymundo Faoro. 
A Origem do Latifúndio no Brasil, por Pedro Brasil Bandecchi.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

De novo

Enquanto o posicionamento político sobre as questões LGBT é tratado como estratégia de campanha, mais gente morre sem que se faça rigorosamente nada

por MURILO CLETO


Aconteceu de novo. João Antônio Donati foi encontrado morto na manhã da última quarta-feira, 10 de setembro, com uma sacola plástica enfiada na boca. Ao contrário do que se noticiou nas primeiras horas, nenhum bilhete foi deixado como sinalização para o crime de ódio. 

Mas nem precisava. João Antônio não morreu por causa de uma discussão, de um desentendimento, de uma reação passional ou da consequência de um roubo. Foi brutalmente assassinado porque era gay, e nada além disso. Morreu inclusive porque seu algoz não queria que ninguém mais soubesse da breve relação entre ele e a vítima e o classificassem como homossexual.

Quinta-feira foi a vez do Centro de Tradição Gaúcha de Santana de Livramento, no Rio Grande do Sul, ser incendiado depois de ameaças graças à realização do casamento entre duas mulheres, Solange Rodrigues e Sabriny Benites. 

Só em 2013, a homofobia matou 310 no Brasil. Isso significa que, depois de João Antônio e do atentado em Santana de Livramento, pelo menos outros quatro já foram assassinados até a conclusão deste artigo.

No final de agosto, Marina Silva causou indignação da comunidade LGBT e de boa parte de seus apoiadores ao substituir um trecho de seu programa de governo, que anunciava o compromisso da coligação em “apoiar propostas em defesa do casamento civil igualitário, com vistas à aprovação dos projetos de lei e da emenda constitucional em tramitação, que garantem o direito ao casamento igualitário na Constituição e no Código Civil”. 

Horas depois da série de ameaças do pastor Silas Malafaia pelo Twitter, a nova versão apresentava a seguinte proposta: “garantir os direitos oriundos da união civil entre pessoas do mesmo sexo”, o que basicamente o Supremo Tribunal Federal já banca sozinho desde 2011. Além disso, excluiu por definitivo a defesa do PLC 122, que criminaliza a homofobia e tramita já desde 2006 no Congresso, fortemente combatido pela bancada e parte da comunidade evangélica no país.

O PSB veio a público com a justificativa de que houve uma “falha processual na editoração” da versão do programa que foi para a internet um dia antes e chamou o episódio de um “contratempo indesejável”. Entre o vazamento do programa de governo original, as ameaças de Malafaia e o lançamento oficial das propostas – um intervalo de pouco mais de um dia –, pelo menos mais um homossexual foi assassinado, de acordo com as projeções estatísticas mais recentes.

Em reação imediata, Dilma Rousseff anunciou seu compromisso em criminalizar a homofobia, mas poucos dias depois indicou que a pauta não será incluída no programa de governo, até agora não apresentado pelo Partido dos Trabalhadores. “Meu querido, está aqui na minha boca”, respondeu a um jornalista. Ideli Salvatti, hoje na Secretaria de Direitos Humanos da presidência da república, foi declarada inimiga da comunidade LGBT pelo Grupo Gay da Bahia por intervir pela contenção momentânea do PLC 122, quando ministra de Relações Institucionais, com medo do “desgaste” que sua evolução traria às vésperas das eleições.

Criminalização da homofobia ou casamento igualitário nem são pautas do executivo. Deveriam estar presentes nas propostas dos candidatos ao Congresso, que, com raras exceções, passam longe do tema graças aos holofotes direcionados ao Planalto, o que explica, em grande parte, a morosidade na aprovação discussão e aprovação de avanços neste sentido. Com as pressões populares – contra e a favor – longe dali, o legislativo brinca de executivo destinando de vez em quando emendas parlamentares para municípios aqui e acolá e com propostas cada vez genéricas como “saúde”, “educação”, “estradas”, deixando de lado suas verdadeiras funções.

E aí está o lado mais nefasto de toda repercussão a respeito da morte de João Antônio, do incêndio criminoso no Centro de Tradição Gaúcha e dos programas de governo às vésperas das eleições de outubro. Enquanto o posicionamento político sobre todas as questões LGBT é tratado como estratégia de campanha de acordo com as tendências, mais gente morre sem que se faça rigorosamente nada. E Silas Malafaia assiste de longe, satisfeito, com a certeza de mais uma missão cumprida.

Abraços, 
Murilo

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego... pt I

Como o Brasil tem lidado com repentinas perdas de presidentes, presidenciáveis e líderes políticos e quais seus impactos sobre os pleitos eleitorais

por DANIEL BARRETO*


Eduardo Campos, morto tragicamente no último dia 13, não foi o primeiro, tampouco o segundo presidenciável a nos deixar às vésperas ou num período posterior muito curto às eleições. O número de perdas, não somente de candidatos, mas de influentes nomes capazes de mudar o jogo eleitoral, é muito maior do que possa parecer. De moléstias do século e desastres aéreos a atentados e um suicídio. O drama da perda, seja do político populista ou do representante das elites retrógradas do país, acompanha a trajetória de nossa República desde os primeiros anos que se seguiram ao golpe militar de 1889. 

Faltando bem menos de dois meses para as eleições de outubro, o então presidenciável Eduardo Campos (PSB), eleito por dois mandatos consecutivos como governador de Pernambuco, e tido como figura promissora no cenário político pós “Geração de 1964”, é vítima de um acidente aéreo em um bairro residencial de Santos. O candidato voava do Rio de Janeiro com destino ao Guarujá, na companhia de quatro aliados de campanha e de dois pilotos. Eduardo participaria, no dia 13 (curiosamente, mesmo dia do falecimento de seu avô, Miguel Arraes, em 2005), de encontros de campanha. 

Na noite anterior (terça-feira) Eduardo havia sido sabatinado a duros golpes por Bonner e Poeta, no sempre conhecido “Padrão Globo de Qualidade”, quando a dupla de inquisidores “Plim-plim” interrompeu por seguidas vezes o entrevistado. Quis o destino que Eduardo tivesse tido nesta entrevista sua última chance de mostrar seus propósitos à nação. Menos de vinte e quatro horas depois de proferir nervosamente em uma entrevista tensa, o slogan “Não vamos desistir do Brasil” era repetido por todos: familiares, amigos, aliados partidários, aliados de fachada, opositores antes companheiros e opositores históricos; isto é, à esquerda ou à direita, o cerne dos problemas do Brasil pareceria ser resolvido se reproduzíssemos e acreditássemos nesta frase. 

Da Monarquia à República - Desde que o Brasil é República, muitos “Eduardos” se foram. Talvez esta seja uma diferença profunda entre os mártires tombados na Monarquia, sepultada em 15 de novembro de 1889, para a positivista República das Espadas inaugurada em seguida. Até 1889, o Imperador, amparado pela Constituição de 1824 – a primeira do Brasil enquanto nação independente – gozava da hereditariedade para assegurar o continuísmo da família real no poder. Neste sentido,com o triunfo da República Presidencialista, novos horizontes se abriram. Enfim, a “República dos Estados Unidos do Brasil” emergiu acompanhada de potenciais lideranças nacionais, antes abafadas pelas figuras do Imperador Pedro II, da Imperatriz Teresa Cristina, da herdeira Princesa Isabel, entre tantos nomes da realeza do Brasil. 

Não nego, em hipótese alguma, que enquanto o Brasil viveu sob o comando dos Imperadores, Pedro I (1822 – 1831) e seu filho, Pedro II (1831 – 1889), a jovem nação não tenha tido lideranças de oposição ou então tenha vivido sob uma oposição mais “branda”. Basta lembrarmos que após a abdicação de Pedro I, em 1831, em favor de seu filho Pedro II, então com pouco mais de cinco anos de idade, o Brasil passou pelo chamado Período Regencial (1831 – 1840). Sem poder, de fato, decidir o rumo do Império, por não ter alcançado a maioridade, o jovem Pedro II viu-se auxiliado com alto grau de comando por Regentes, que deveriam guiar o país até que Pedro completasse 18 anos, em 1843. 

Foi no Período Regencial, quando não possuíamos um comandante centralizador, que aconteceram as mais radicais e longas revoltas do Império. Durante anos, em diferentes regiões do país, escravos, comerciantes, artesãos, fazendeiros, militares, entre outros grupos rebelaram-se por diversas razões. Consequentemente, em virtude das várias insurgências e da incapacidade da Guarda Nacional em conter os revoltosos, Pedro II teve sua maioridade antecipada em 1840, vindo a ser coroado no jogo político que ficou conhecido como “Golpe da Maioridade”. 

O exemplo citado no último parágrafo serviu para que possamos relacionar a descentralização política vivida no Período Regencial ao surgimento de grupos insurgentes e de suas respectivas lideranças. Pois bem, passada esta crise, só observaríamos uma oposição drástica contra o Império na última década do governo de Pedro II. 

A aprovação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil em 1891 é, indiscutivelmente, um dos fatores primordiais para o fortalecimento de nomes políticos regionalizados. Se partirmos do que a Primeira Constituição Republicana apresenta logo no 2º, 4º e 5º Artigo, respectivamente,torna-se evidente a autonomia que passou a ser alcançada pelos territórios (antes províncias e, a partir de 1891, estados) que constituíam a jovem República: 

Art 2º - Cada uma das antigas Províncias formará um Estado [...] 
Art 4º - Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se, para se anexar a outros, ou formar novos Estados, mediante aquiescência das respectivas Assembléias Legislativas, em duas sessões anuais sucessivas, e aprovação do Congresso Nacional. 
Art 5º - Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, as necessidades de seu Governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar. 

Desse modo, é necessariamente a partir de 1894, quando foram realizadas as primeiras eleições diretas para Presidente do Brasil, vencidas por Prudente de Moraes, que se observa o fenômeno que procuro destacar, muito superficialmente, é óbvio, mas, de forma acessível ao leitor neste artigo: a que medida o falecimento de um presidenciável ou chefe político de respeito influi sobre o resultado de uma eleição e (ou) sobre o andamento dos acordos partidários? 

Punhaladas, enfermidades e acidentes: fatalidades do Brasil republicano 

“Se...” não existe na História. Mesmo que meus queridos alunos insistam em levantar os “achismos” comuns da curiosa adolescência nos debates surgidos em sala de aula, procuro interferir prontamente e “tentar” afastar a imaginação mirabolante e contraditória dos devaneios característicos da juventude. Não que os censure, longe disso, mas, de tantos “Se...”, acabamos cansando! 

Crises típicas de um professor à parte, esta situação é válida de trazer a discussão, pois foi exatamente quando abordava em sala acerca do atentado contra o presidente Prudente de Moraes, em 1897, logo após a vitória das tropas federais na Guerra de Canudos, que um insistente “se” me chamou mais a atenção: “Mas, professor, e SE o 'guarda' de Prudente de Moraes não tivesse pulado na frente dele. O presidente iria morrer, né?” O “guarda” citado pela simpática estudante do 9º ano corresponde a um tal de Carlos Machado Bittencourt que, assim como Eduardo Campos, “morreu atrapalhando o tráfego”...

[Para ler mais, adquira a versão impressa já disponível nas bancas e que pode ser assinada a partir das informações neste post aqui]

* Daniel Bonin Barreto é licenciado em História pelas Faculdades Integradas de Itararé e atua como professor de Ensino Fundamental e Médio na Escola Estadual Esther Carpinelli Ribas. No Desafinado, assinou o artigo "A Revolução Constitucionalista de 1932 em Itararé".

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Rede Municipal de Itararé tem o melhor IDEB da microrregião de Itapeva

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR

Na semana passada, publicou-se um texto sobre o insucesso da gestão tucana da Educação no Estado de São Paulo, evidenciado pelos dados do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do estado – o SARESP 2013. 

Na última sexta-feira, o Ministério da Educação e Cultura – MEC – divulgou os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB – 2013, confirmando a crise da educação pública em São Paulo. O IDEB, indicador nacional de “qualidade” da educação, criado em 2007, é calculado a cada dois anos a partir de dois componentes: a taxa de rendimento escolar (aprovação, reprovação e evasão) e as médias de desempenho na Prova Brasil. 

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP –, o objetivo do IDEB é o de promover a “mobilização da sociedade em favor da educação”. Além disso, o IDEB serve para acompanhar as metas propostas no Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE –, que estabeleceu como meta para 2022 que o Brasil atinja a marca de 6,0 no IDEB, média de qualidade comparável aos países desenvolvidos. 

Em 2011, nos anos iniciais (1º ao 5º), o indicador alcançou 5,0, ultrapassando a meta de 4,6 para 2011 e, também, a de 2013, que era de 4,9. Nas séries iniciais, a oferta é prioritariamente das redes municipais, que concentram 11,13 milhões de matrículas, quase 80% do total. Dos 5.222 municípios avaliados, 4.060 atingiram a meta, o que representa 77,5%. Já nas séries finais (6º ao 9º) do ensino fundamental, o indicador atingiu 4,1 em 2011 e ultrapassou a meta proposta, de 3,9. Considerando apenas a rede pública, o índice nacional chegou a 3,9 e também superou a meta, de 3,7. 

São Paulo cumpriu a meta que era de 5,8 apenas nos ciclos I e II do Ensino Fundamental, atingindo 6,1. Sobre isso, Ione Assumpção, da Coordenadoria de Informação, Monitoramento e Avaliação da Secretaria, afirmou que “não podemos ignorar o sucesso no ciclo 1, estamos conseguindo alfabetizar aos 7 anos”. Com certeza não podemos ignorar este, e também o fato de que os ciclos I e II do Ensino Fundamental são incumbência das redes municipais em quase 80% do país. 

Com a constituição de 1988, a descentralização da Educação foi formalizada no artigo nº. 211, que indica que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios deveriam gerir a Educação na forma de Regime de Colaboração. A Emenda Constitucional nº. 14, de 1996, que implantou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF –,acelerou o processo de descentralização e autonomia dos municípios, que se confirmou com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – Lei nº. 9.394 – em 1996. 

Esse processo de descentralização foi construído após o “Consenso de Washington”, evento ocorrido em 1989 nos Estados Unidos, que definiu 10 princípios básicos da política neoliberal implantada nos países “periféricos”. Dentre esses princípios, estava o da redução do Estado às relações exteriores e a “regulação” econômica, descentralizando áreas estratégicas como a saúde, educação e transporte. 

Em Itararé, a municipalização começou com a aprovação, pelo legislativo, da Lei Municipal nº. 2384, de 25 de abril de 1997, que autorizou o Poder Executivo Municipal a celebrar convênio com o estado de São Paulo, por intermédio da Secretaria de Educação, para implantação da municipalização. No dia 07 de agosto do mesmo ano foi assinado o convênio de municipalização no Auditório “Ulisses Guimarães”, no Palácio dos Bandeirantes. Em setembro, o jornal “O Guarani” noticiou a municipalização das duas primeiras escolas “Heitor Guimarães Côrtes” e “Professor Caetano Carbone”. 


De lá para cá, já se passaram 17 anos e 5 avaliações do IDEB, conforme demonstra a tabela abaixo:

Em 2005, Itararé obteve nota 4,8 e, por ter sido esta a primeira avaliação, não existia meta projetada. As médias projetadas são diferenciadas para cada rede e escola e são definidas bienalmente. No ano de 2007, o município obteve 5,0, sendo a média projetada 4,9. Em 2009, o município atingiu 5,1 e não alcançou a média projetada de 5,2. No ano de 2011, durante a gestão Perúcio, o município obteve nota 4,9, bem abaixo da média projetada de 5,6. Neste ano de 2013, o município atingiu nota 6,1, ultrapassando a meta projetada para 2013 de 5,8, e atingindo a meta projetada para 2015, resultado de destaque que coloca Itararé ao lado de Taquarituba como melhor IDEB da microrregião de Itapeva, composta por 12 municípios: 

MUNICÍPIO
IDEB 2013
META 2013
Itapeva
5,7
5,8
Itararé
6,1
5,8
Taquarituba
6,1
5,7
Buri
5,3
5,4
Itaporanga
5,1
5,8
Nova Campina
5,7
4,9
Riversul
5,3
5,7
Taquarivaí
5,1
7,7
Coronel Macedo
5,5
5,4
Bom Sucesso de Itararé
5,5
5,0
Barão de Antonina
5,9
6,2
Itaberá
Não divulgado
Não divulgado
Se analisarmos por unidade escolar, identificamos mais claramente o salto de qualidade das escolas de Ensino Fundamental da rede municipal de Educação:


Dentre as 13 escolas, todas tiveram melhora em relação ao ano de 2011, mesmo as que não atingiram a meta projetada tiveram elevação no indicativo. Dentre elas, destacam-se a Escola Municipal Professora Vicentina Fonseca Braga (antiga E.M. Heitor Guimarães Cortes), que elevou a nota de 5,1 em 2009 para 6,7 em 2013, atingindo o segundo melhor IDEB individual por escolas e a meta projetada para 2019. Além desta, destacou-se a Escola Municipal Maria da Silveira Vasconcelos, que atingiu o melhor IDEB individual com 7,0, ultrapassando a meta projetada para 2017. 

Os números evidenciam a evolução do IDEB do município e a constituição, após 17 anos, de uma rede de ensino sólida que tem como protagonistas diretores, coordenadores, professores e demais funcionários, e que atualmente ocupa lugar de destaque regional.