quinta-feira, 12 de março de 2015

A mão que apedreja é a mão que foi afagada

A greve dos caminhoneiros, o “panelaço”, as manifestações do dia 15 de março e o processo de “sangramento” de Dilma Rousseff

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR

Propaganda da manifestação do dia 15 de março

Em 1970, Salvador Allende foi eleito presidente do Chile pela coligação de esquerda Unidade Popular. Allende nacionalizou as minas de cobre, transferiu o controle das minas de carvão e dos serviços de telefonia para o Estado, aumentou a intervenção estatal nos bancos e realizou a reforma agrária. Em dois anos Allende reduziu a mortalidade infantil e fez o PIB crescer 8% contra 2,7% entre 1969 e 1970.

Porém, havia um problema. O socialismo democrático proposto por Allende esbarrava em um contexto de Guerra Fria, em que não era interessante, tanto para os setores dominantes chilenos, como para os Estados Unidos, a consolidação de um regime socialista. Desta forma, em 1972 o golpe começou com a paralisação dos caminhoneiros. Revoltados com a nacionalização de uma empresa transportadora do extremo sul do país, em Aysen, e financiados pela CIA, os proprietários de caminhões cruzaram os braços causando uma crise de abastecimento que permitiu a adesão ao golpe por boa parte da população chilena. 11 meses depois, no dia 11 de setembro de 1973, aviões sobrevoaram e bombardearam o Palácio de La Moneda. Allende se suicidou e o Chile mergulhou em uma ditadura que perdurou até a década de 1990 e matou mais de 3 mil pessoas.

A Guerra Fria terminou em 1989 com a queda do Muro de Berlim e o fracasso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, porém as estratégias para desgastar governos parecem não ter mudado. A greve dos caminhoneiros, por conta do aumento do preço do diesel e pelo aumento dos valores dos fretes, chegou a paralisar 124 trechos em 14 estados do Brasil. Liderada por empresários, culminou com a sanção da Lei dos Caminhoneiros, sem vetos da presidente, no último dia 2 de março, mas o desabastecimento e aumento nos preços de alimentos e outros itens básicos desgastou ainda mais o “exitante” governo Dilma. 

No último domingo, 8, a presidente marcou um pronunciamento, que, apesar de direcionado ao Dia Internacional da Mulher, teve como grande objetivo tentar “acalmar os ânimos”. No discurso, a presidente procurou explicar o momento de recessão e a necessidade de esforços de todos para que possamos superar o momento. Palavras vazias em um cenário cada vez mais complicado. Concomitante a isso, foi promovido um “panelaço” convocado pelas redes sociais. 

No próximo domingo, 15, acontecerão manifestações contra a presidente Dilma por todo o Brasil. Aclamadas por grupos como o “Vem pra rua”, composto por jovens empresários liberais, que propõe o enxugamento do Estado e a entrega da economia ao mercado financeiro; o “Movimento Brasil Livre” – MBL -, que defende o impeachment mesmo mediante a entrega do poder ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB -, visto pelo grupo como corrupto; os legalistas, favoráveis à intervenção militar e ao retorno aos “anos de chumbo”; e o “Revoltados”, grupo oriundo das redes sociais, que destila ódio e vende o kit manifestação com camisetinha, boné e adesivos pró-impeachment. As manifestações têm o objetivo claro de desgastar ainda mais a imagem da presidente Dilma.

Charge de Alpino

Neste contexto de crise profunda do governo do Partido dos Trabalhadores, líderes da oposição dizem que não são favoráveis ao impeachment, mas ao processo de “sangramento” de Dilma Rousseff. Infelizmente, deve-se admitir que a tática esta dando certo em muito por conta da grande inabilidade política do Partido dos Trabalhadores para lidar com o contexto de crise política, conforme Lino Bocchini.

Enquanto Dilma continua a “satisfazer as elites”, rejeita totalmente o seu slogan “Muda Mais” e os votos que a reelegeram para governar o país. Apesar do discurso, em partes correto, de que as manifestações contra a presidente vêm de parcelas da elite da classe média alta, o risco de elas “se alastrarem” para as camadas populares é gigantesco. Isso, por que enquanto aumenta as taxas de juros favorecendo os banqueiros e a elite, são os trabalhadores os grandes afetados pelo “ajuste fiscal”. São eles que pagam o preço dos aumentos da inflação e consequentemente de produtos alimentícios, os aumentos incessantes das tarifas de luz e deverão pagar o preço mais caro do desemprego, que deve aumentar segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT. O que quero dizer é que não estamos pagando a conta do “petrolão”, mas a de uma política covarde de manutenção de privilégios seculares.

Existe saída? Sim. Ela existe, mas dependeria de duas coisas: coragem e mobilização popular. Coragem para enfrentar as elites e aprovar a taxação das grandes fortunas, o que renderia R$ 100 bilhões anuais aos cofres públicos; para fazer uma Reforma Tributária que onere menos o trabalhador assalariado; para realizar uma Reforma Política que transforme a exaurida democracia brasileira. Mobilização popular para pressionar um congresso extremamente conservador e para defender as mudanças necessárias a maior parcela da população. Caso contrário, enquanto Dilma continuar a afagar as elites e enviar a conta para os trabalhadores, o golpismo continuará sendo alimentado. 

Abraços,
Osvaldo

6 comentários:

  1. Eu me pergunto se certos jornais de "esquerda" não estão contribuindo para a criação de um factoide dramático em que a Dilma sangre e se faça sangrar... A carta capital, que antes parecia inclinar para a esquerda em oposição com a veja, me parece que utilizou essa estratégia apenas para minar discursivamente a necessidade de apontamentos que toquem o dedo na ferida, contribuindo em mais para a oposição. Ou seja, longe dos jornais fazerem o papel de minar os discursos da direita, de não só mostrarem mas apontarem o que falta, tiram o pé, fica sempre uma lacuna que, talvez para um popular mais esclarecido complemente, mas este fica encoberto na avalanche, quando até mesmo as esquerdas, querem o fim do governo Dilma, principalmente quando pensam que as coisas são do dia para a noite ou, só observam as mudanças no sentido distinto do que a população detêm. Parecem querer que a Dilma sangre e deixe sangrar, pois, assim, se voltará ao estado normal das coisas, uma esquerda fraca, composta por paladinos que dizem “eu protesto”, “sou favorável”, “vamos colher assinaturas”, vanguardas que adoram estar na frente nas manifestações mas na hora da luta encarniçada ficam na retaguarda, voltam até mesmo para a Globo para participarem de seus programas... Muitas vanguardas de esquerda esperam o momento para se colocarem no lugar ao sol da crítica.

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  2. O PT fez do processo politico algo pedagógico, mas sem querer pegar na mão do povo e dizer “façam isso” ou, “vejam como eu vejo!”. Este mesmo partido fez a direita ficar incomodada, através do próprio jogo democrático, sem ser ditatorial, ao ponto de mostrar que a democracia, presente em certas legendas desde 85, realmente não o eram e nunca foram desejáveis, mostrando também o quanto não fez parte na nossa população desde então, ao qual, não se quer assumir, seja sobre a oposição e seus caras pintadas, ou mesmo para outras esquerdas imediatistas, ao qual contam que são possuidoras de um povo revolucionário emancipado e profundamente consciente tanto mais que na revolução Russa, que também não fora tão assim, pois se fosse não teríamos Stalin no poder. No Brasil, este mesmo povo, num processo longo e histórico, passou ao largo do que é a coisa pública no Brasil, parte também por ser colocado numa condição de miséria, de um viver dado por imediatismo entre, “hoje da pra comer, amanhã, não sei”. É refutável jornalistas de veículos de esquerda criticarem essa nova classe, que ela é burra, uma criação artificial, uma classe que saiu da miséria para ser classe média alienada, e agora se volta contra o PT. Mas esquecem que o projeto é num longo processo e por constantes batalhas, só visível para quem conhece o cotidiano do popular seguindo uma postura de alteridade para com ele na condição entre sobrevivência e melhores condições, mas sem se esquivar das contradições inerentes na nossa própria cultura e que são parte do próprio popular e que em muito ainda é presente nele.

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  3. Se esquecermos disso, não lembraremos das práticas feitas pela direita e seu assistencialismo que vem desde o período colonial, ou pelas vanguardas imediatas oportunistas, que vestem em seu discurso a população de maneira mórfica, mas se dependerem desta mesma população não teremos do dia para noite o comunismo no Brasil, pois é um processo recente em nossa cultura e sem contar que algumas até mesmo esperam que a população retorne para a miséria e sobre sua roupagem discursiva lutem, mas, nisto não seria por um ideal conscientemente alimentado, mas sim por um oportunismo criado na sobrevivência, que em experiências históricas anteriores não deram certo. Assim, sem esquecer da nossa cultura, é de lembrar que os dizeres de Dilma, o são para um sobressalto mas num processo. A política, nisto, acaba por ser localizar num processo pedagógico, seguindo as palavras de Rosa Luxemburgo, gradualmente, que espera que o povo tenha aquele felling, aquela inferência, não só pelas vanguardas, mas pela própria amostra do cenário político, pois foi com o PT que a direita teve que sair do seu armário e foi com ele que se mostrou os esqueletos lá dentro, pois foi ele que gerou o incomodo. Não nego o papel importante das redes sócias, mas parece que os créditos, principalmente nos meios letrados, só podem ser para outros partidos e para grupos apartidários, enquanto, pois, perante toda a mídia e a mentalidade que há, ai de quem manifestar apoio ao Partidos dos Trabalhadores, é um incomodo que, quem aguenta, é o povo mais comum, maior sujeitos da politica desse governo e que este pagou o preço por isso, no interior da luta politica concreta e não simbólica.

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  4. Assim, talvez, uma outra forma de entender porque certos partidos podem dar o tom da crítica e o PT não, primeiro, pois poderá comprometer a luta encarniçada ao qual faz parte pois depende do povo mas este está em processo e que também detêm muitos vícios que são da sua própria conjuntura histórica e, segundo, na crença que quem tem que dar o tom, não é o partido, mas o povo, fato muito observável em qualquer discurso da Dilma. No momento que vivemos, não é dos simbólicos discursos que mudará a cena, mas se a população abraçou esse processo político qualitativamente de maneira concreta nas entrelinhas dessa mesma luta, mas que também compreende se fazer parte de um processo. Muitas vezes, o fato de termos o “isolamento” da Dilma é porque se está em processo uma mentalidade distinta na população em termos de luta, mas que não alcançou sua concretude, podendo ser acelerada mas também inibida quando vemos a postura de certos jornais de esquerda, aos quais querem fazer sangrar. Somente agora que temos a dimensão possível da internet no seio da população, mas só agora, pois antes se teve que garantir outras etapas, parte de uma sobrevivência imediata, mas parece que esquecemos pelo imediato contextual. Caso não, caso não tivesse o projeto de erradicação da miséria, só as vanguardas leriam seus próprios textos, como até então era comum entre os meios comunistas no Brasil.

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  5. Muitos jornalistas, mesmo de veículos de esquerda, se assim o forem, esquecem disto e esqueceram que, dentro desse processo, há a crença por sujeitos, de tomarem parte, mas parece que a esquerda imediatista no Brasil não quer isso, não quer que o povo que não consta na estatística tome parte deste processo, ou mesmo, tome as inferências nessa pedagógica política ao seu modo, pois isso seria pró PT e o lugar ao sol da crítica não estaria mais garantido longe da guerra encarniçada e que não se resume em atos simbólicos representacionais entre um dia ao outro, mas em constantes batalhas fruto de um contexto histórico particular brasileiro, no interior da própria prática política, que acompanha não só uma mentalidade desta, mas da própria população, que também detêm seu tempo e seu processo.

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  6. É necessário que o povo tome parte dessa inferência crucial, pois está explícito, mas tão explícito que parecem ofuscar os olhos, mas, como luz, não está sobre as coisas concretas já ocorridas e que somente podem iludir sobre sofismas, criados até mesmo por jornais de esquerda que solidificam suas matérias em fatos e num contexto de oportunismo, tão pró direita, mas esquecem do contexto que está além do imediato no interior de uma luta mais complexa, mas que querem tomar parte através de um oportunismo vanguardista. O silêncio de Jango em seus momentos finais é um exemplo, mas possível de se repetir. Talvez através da história futura se perceberá outras coisas e só é de esperar que ela não se repita se o povo fazer sua parte inférica no meio de tantos discursos, de esquerda quanto direita, só passíveis de diluição quando o personagem central assumir a cena e na forma que não seja uma repetição frustrada de outros comunismos anteriores. Assim espero.

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