quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Um Esgoto Chamado Facebook

Como a retórica nas redes sociais é usada para encobrir o fracasso na vida pública



Desde pelo menos os anos 1980, a "supermodernidade" opera através de um mecanismo muito simples de entender e traumático de conviver. O que tem feito a ascensão da classe média diante de um mundo globalizado é uma confusão cada vez mais violenta entre os espaços público e privado. Na verdade, eu diria melhor: o que tem feito o espaço privado não é outra coisa senão simplesmente engolir o espaço público, invadido progressivamente pela nossa privacidade. (Maior exemplo disso talvez seja o trânsito. Cada vez mais confortáveis, seguros e dinâmicos, os carros têm se tornado uma espécie de "cômodo móvel" da casa e são responsáveis por "acidentes" como fruto desta flutuação pelo espaço público através de um instrumento privado.) 

Pois bem, de 10 anos pra cá as redes sociais potencializaram essa invasão. Terra de ninguém, a internet se transformou numa batalha campal entre o "eu" e o "eu mesmo" diante da inédita possibilidade de glamourização do sujeito anônimo, encantado pela ocupação de um espaço inalcançável décadas atrás. Sem hermetismo, a verdade é que as redes sociais deram autoridade - ou pelo menos voz - a qualquer argumento fundamentalmente imbecil.




Em debate transmitido via rádio Educadora Fafit ontem, o candidato Heliton Junitex (PSDB) esteve impagável: diante de uma plateia composta em grande parte por professores ou estudantes de licenciatura, afirmou que seu plano de governo pretende instaurar o projeto implantado pelo governo do estado "que deu muito certo" aos professores do município, chamado "progressão continuada" - PROGRESSÃO CONTINUADA, isso mesmo. Para quem não sabe, este sistema é aquele que aprova automaticamente os alunos não retidos por falta. Talvez Heliton estivesse falando do sistema de meritocracia, que concede aumento de salário aos professores mediante resultado obtido em prova aplicada pelo governo. TALVEZ, porque o que se falou foi em progressão continuada, que na verdade nada tem a ver com os professores e sim com os alunos.

Demonstrando desconhecimento completo ainda da função do executivo municipal, o candidato do PSDB afirmou que pretende investir também no professor do estado. Como a PREFEITURA vai fazer para pagar os funcionários do ESTADO DE SÃO PAULO eu não sei, melhor perguntar para o quem sabe futuro prefeito. 

Perguntado sobre como aplicar à cidade os recursos passados pelo Fundeb, Heliton disse que a Educação é muito importante, mas como não é "político profissional", sem saber o que é o Fundeb, ainda está aprendendo. Se alguém aceita, tenho uma sugestão: o candidato pode voltar ao pleito eleitoral daqui a 4 anos depois de aprender, que tal? 

Não apenas a Educação, mas a Saúde também apanhou nas mãos do aprendiz: disse que pretende transformar a gestão da Santa Casa como numa empresa, para gerar lucros. Lucros?! Numa entidade FILANTRÓPICA, que aliás nem é - e nem deve ser - administrada pela prefeitura.

Para encerrar a noite, o grand finale: diante dos aplausos que ovacionaram a candidata Cristina Ghizzi ao fim do debate, voltou ao microfone - sem a autorização das regras do evento - e esbravejou contra a plateia e a instituição. Se sentiu prejudicado por estar no local de trabalho da professora candidata pelo PT e, ofendido, teve o microfone desligado por conta da revolta. Coube ao professor Tiago Antunes, mediador, a brilhante intervenção que lembrava o elemento mais básico de todos a respeito do litígio: todo mundo recebeu o convite, aceitou quem quis. 

Isso tudo tem um nome: histeria. A histeria é o principal sintoma do desespero. E diante do péssimo desempenho com o microfone na mão, coube ao staff da campanha uma operação tapa-buracos tão histérica quanto superficial. 

E é justamente isso que a retórica tem a oferecer. Ela não te convence pelo que se vê, pelo que se comprova, pelo que se examina. A retórica te convence por ela mesma. Jogo de palavras, de perguntas, de raciocínios ad infinitum, ela é a maior comprovação do mau uso da racionalidade humana. E no Facebook a retórica virou show.

Cheio de "kkkk"'s e abusando do Caps Lock, Manoel Messias Júnior, da redação do jornal Gazeta, questionou a presença de alunos bolsistas do Prouni na plateia que, afinal, "foram lá para aplaudir quem?" E mais, sugeriu que o apoio à Cristina vindo do público deve ser retribuído através da concessão compulsória de notas 10 pela professora aos estudantes. Todas as postagens do mesmo sujeito são acompanhadas do mesmo exercício retórico preconceituoso e sujo que me recuso a reproduzir na íntegra em respeito ao meu endereço eletrônico que, ao contrário de outros, não serve de latrina. 

Heliton Jr. compara aumento legal de salário do legislativo à corrupção; Hélio Porto afirma que a eleição de Cristina - dessa vez ao executivo - é continuísmo, e meia dúzia de zumbis correm atrás para "curtir", como prevê a deprimente dinâmica do Facebook. Assim como Messias Jr., o sr. Hélio Porto desqualifica todo o conteúdo do debate porque diz ter sido privilegiada a candidata "preferida da faculdade". Agora o que menos importa para toda essa trupe é o que disse ou deixou de dizer Heliton e PSDB durante o evento.

Por fim e por último, o que resta da experiência deste debate e de outros eventos é que a sujeira do dito pelos candidatos é automaticamente revertida pela terrível ótica da retórica. E aí manda censurar quem divulgou, manda processar quem organizou. Ignorância e incompetência no discurso são quase automaticamente substituídos por uma avalanche verborrágica dessa prática lamentável no ambiente podre do "fala quem quer" ou "acredita porque eu grito mais alto". 

Mais do que causar o caos urbano no trânsito, essa mesma confusão entre espaços levou a mais privada das práticas ao alcance de todos: a arte de defecar em público. Pela boca - ou neste caso, pelos dedos -, a transformação das redes sociais num esgoto a céu aberto foi o que mais atraiu tantos usuários ao Facebook e o que hoje mais contamina o espaço público através da mais suja das retóricas: a histeria.


Saludos, 
Murilo.

6 comentários:

  1. Quem esteve presente no debate pôde observar exatamente o que vc descreveu Murilo. E a histeria tem nome: DESESPERO. Não sabia que aplausos eram geradores de direito de resposta. Os aplausos sem dúvidas foram boa parte em virtude da simpatia nutrida pelos alunos em relação à professora Cristina. Mas cabem duas colocações: Primeiro que é um fruto do que ela cativou em anos e anos de magistério, e segundo que a ovaçao foi potencializada pelo abismo verificado entre os candidatos.

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    1. Salve, Márcio! O que vimos foi algo muito parecido com aquele menino que, não contente com o bom desempenho dos colegas no futebol, quer pegar a bola e não deixar mais ninguém brincar.

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    2. Em certos momentos notei um fundamentalismo em um dos candidatos. Pareceu-me, de fato, um republicano dos Estados Unidos. Em tempos de Mitt Romney, o choro é livre.

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  2. Murilo, eu me considero uma pessoa bem coerente, não deveria fazer um comentário aqui no seu blog pois ao contrario de mim você não é nenhum pouco coerente muito menos humilde. Mas você é como as pessoas do facebook que correm pra curtir o que os outros escrevem, ou usam isso que bem você colocou "fala quem quer" ou "acredita porque eu grito mais alto" só que você usa teu blog pra ser diferente, você sitou nomes e declarou sua posição como todos no facebook fazem e essa página como você bem sabe vai ser compartilhada e curtida e vai ter repercussão como um post lá, isso não tem como negar pois vi isso com uma pessoa compartilhando.
    Em relação ao que você disse do debate, concordo com você em relação a progressão continuada é um programa totalmente sem nexo, em relação ao fundeb é obvio que a Cristina é mais informada ela faz parte disso, ele deveria estar mais por dentro sem dúvidas também, em relação a Santa Casa ele não se expressou bem, ele não quis dizer que uma instituição filantrópica como a Santa Casa deve dar lucros ele quis dizer não dar prejuízos como acontece a vários anos em Itararé, não conseguiu se expressar pois ao contrario da Cristina não tem toda a bagagem na política que ela tem, mas tem um lado muito mais positivo tem um enorme potencial de administrar a cidade, em todos os setores pode fazer todo gerenciamento economizando as verbas públicas e investindo de uma forma que seja boa e para o bem comum.
    Agora eu lhe pergunto sobre a questão em que a Cristina falou que as casas populares que ela vai construir vão ser no centro da cidade, ela vai desapropriar quem mora na Rua São Pedro pra construir?! E sobre o Minha casa minha vida que ela disse que vai implantar em Itararé?! Se você não sabe é só você ir na agencia da Caixa Economica aqui que você faz um financiamento desses com todos os subsídios que o governo federal oferece, e outra questão você acha correto você sabendo que será o último a responder num debate atacar o seu adversário?! Isso pra mim que é desespero e principalmente desrespeito e é por isso que a politica tem fama de ruim, deveria se falar de propostas, se não fosse isso sem dúvidas falaria que ela teria se saído melhor no debate mesmo ela já tendo toda essa experiencia politica e ele não, na verdade pra mim se saiu pior que qualquer um por isso, pois a Bila e o prefeito já sabemos como é e por isso são nulos pra mim.
    Agora vamos analisar, você viu o que você quis do debate, eu vi o que eu quis vamos dizer assim, mas eu coloquei aqui vários pontos com coerência ao contrario de você que defendeu a Cristina sem olhar os muitos pontos fracos dela.
    Eu voto 45 e fiz aqui meu comentário como faço no facebook, essa dinâmica deprimente.
    Alexandre Costa Luz

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    1. Concordo com você! Mas como não sou humilde, vou começar minha arguição com os trechos em que não concordo.

      1) Não "sitei" ninguém. Eu CITEI os comentários mais escrotos para fundamentar o meu argumento. Se meu texto foi compartilhado ou curtido, isso é de responsabilidade deles. Deve doer quando o "joinha" não é pra uma das tantas verborragias psdbistas.

      2) O sr. Heliton não se confundiu ao falar sobre Fundeb e progressão continuada por falta de "bagagem política". O que falta é bagagem cognitiva, pois conhecer ambos os programas é mais do que obrigação para qualquer sujeito no exercício de sua cidadania, sobretudo quando se trata de um candidato ao mais alto posto do executivo municipal.

      3) Se ele "quis dizer" que a Santa Casa não deve ser como empresa e sim simplesmente não dar prejuízo, precisa aprender a mais básica das regras do português: diga. Ninguém é obrigado a inferir.

      4)O programa "Minha Casa, Minha Vida" nada tem a ver com desapropriação. Para quem não sabe, a região central não é composta apenas pela R. São Pedro e sabe qual é o teto para o financiamento de imóveis deste programa? Eu conto: R$ 100.000,00 (valor absolutamente compatível com a realidade do mercado imobiliário municipal) para cidades a partir de 50.000 habitantes, de acordo com a decisão do Conselho Curador do FGTS há um ano e meio atrás: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/869572-governo-sobe-valor-maximo-do-minha-casa-minha-vida.shtml

      Eu sei sim sobre as condições de financiamento da Caixa, tão bem que consigo perceber que não são as mesmas do programa Minha Casa, Minha Vida. Uma rápida consulta ao site do banco pode ajudar a entender: http://www.caixa.gov.br/habitacao/mcmv/index.asp

      5) O candidato encerra o debate como bem entender. As considerações finais - como o nome diz - servem basicamente para o candidato concluir sua participação da maneira como lhe convier. Não houve calúnia, só a constatação de uma realidade que salta aos olhos: Heliton Junitex não sabe o que é o poder público e, consequentemente, como administrá-lo. As gafes a respeito de Fundeb e progressão continuada provam isso. Errado - e isso é fato, pois havia regras -, é o candidato do PSDB pedir "direito de resposta" aos berros depois da oportunidade que teve de concluir mal aproveitada. Aliás, as últimas palavras dele eram de crítica à ausência de César Perúcio no debate - e não sobre o plano de governo -, e precisou ser cortada pois ultrapassou o limite do tempo.

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      Ah sim, antes que eu me esqueça, tem o trecho em que concordo plenamente!

      1) Claro que você vai votar no 45, afinal é tão humilde quanto coerente.


      Abraços,
      Murilo.

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