O "cidadão de bem" nunca existiu. O que sempre houve foi a formulação do seu significado que se transformou com o tempo
por ALLAN DOMINGUES*
“É melhor remediar do que prevenir”. Não é preciso muito esforço para reconhecer o erro dessa afirmação, seja pela conveniência da repetição impensada de um ditado popular, seja pela teorização mais complexa do que seria uma prevenção. Mas para melhor esclarecer a questão aos desavisados, o correto seria proclamar: “É melhor prevenir do que remediar”.
Pior que uma simples confusão é a normatização do engano. Ainda mais, os extremistas continuarão insistindo em dizer que não há reajuste aos desajustados; o único remédio para os marginais, na ótica dos “justiceiros” do mundo pós-moderno, é punir com prisão perpétua – como querem hipoteticamente os mais arrogantes falsos moralistas - ou com a pena capital. A fórmula de redenção da sociedade moderna estaria contida na premissa “Direitos Humanos para Humanos Direitos”.
Entretanto, resolver a questão da barbárie humana não é tão simples como parece. Caso fosse, não haveria crimes ainda hoje, pois em toda história da humanidade a solução proposta não se difere muito da que se defende em pleno século XXI. Basta lembrar a Lei de Talião.
Se a punição nunca acabou com o problema da violência e da corrupção, qual seria então o modo de transformar o mundo em um lugar mais feliz, sem conflitos e crimes banais? Acabar com a lógica que criou a expressão “cidadão de bem” tão mencionada nos noticiários sensacionalistas é um primeiro passo. Mas também alterar a sugestão do combate à criminalidade transpondo em seu lugar alguns métodos educativos que antecipadamente eliminem a ocorrência da violência. Uma iniciativa para levar a efeito essas proposta seria a inclusão de um ensino com, em e para os Direitos Humanos nos currículos escolares. Isso não significa criar uma disciplina específica sobre o tema, mas apresentar na abordagem dos conteúdos escolares uma educação que se faça de acordo com e para as perspectivas do respeito à diversidade e da formação do caráter para a vivência social, adotando-se métodos pedagógicos que obedeçam tais esses critérios. Uma escola que tenha essas prerrogativas por princípios basilares é uma escola transformadora social.
Concomitante, a demolição do senso comum sobre o que são esses direitos é uma tarefa fundamental. Se tomarmos a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, logo perceberemos as contradições entre o que ela afirma e o que dela é dito por seus supostos defensores. Em seus fundamentos estão a universalidade e a inviolabilidade dos termos que a definem. Universalidade porque é extensão a todo ser humano independentemente de cor, credo, sexo, classe social ou cultura. Inviolabilidade porque determina que nenhum direito assegurado seja anulado. Sendo assim, tanto livres como encarcerados tem as mesmas garantias. O assassino tem o mesmo valor e o mesmo peso que o indivíduo que nunca praticou um crime ou sequer tenha ofendido a honra de alguém.
O “cidadão de bem” nunca existiu. O que sempre houve foi a formulação do seu significado que se transformou com o tempo. Na antiguidade somente recebia esse tratamento quem detinha o poder. Já na Idade Média era o homem submisso. O século XVIII criou a definição do seria um cidadão a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, resultante das revoluções burguesas, restringindo a cidadania a partir de conceitos abstratos que nos séculos seguintes se expressariam na expansão da cultura ocidental branca, liberal e cristã a povos com modos de vida totalmente diverso do padrão europeu. O imperialismo foi uma das expressões da arrogância e do desrespeito ao ser humano em sua integridade. E não é espantoso perceber que, ironicamente Hitler, Stálin e Mussolini caminham juntos e de mãos dadas até hoje dizendo o que é um “cidadão de bem”.
* Allan Domingues, formado em História pelas Faculdades Integradas de Itararé - FAFIT e pós-graduando em Filosofia e Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR.
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