quinta-feira, 16 de abril de 2015

Todo dia era dia de índio

“... Antes que o homem aqui chegasse, às Terras Brasileiras, Eram habitadas e amadas por mais de 3 milhões de índios. Proprietários felizes da Terra Brasilis.
Pois todo dia era dia de índio, todo dia era dia de índio. Mas agora eles só tem
o dia 19 de Abril...” 
(Todo dia é dia de índio, Baby do Brasil)

por JESSICA LEME

Foto: Sebastião Salgado

No próximo dia 19 de abril relembramos os povos indígenas, a data foi estabelecida durante o Estado Novo, governo de Getúlio Vargas em alusão ao primeiro Congresso Indigenista Interamericano no México. Infelizmente a data é tratada de forma caricata e por vezes cômica nas escolas, programas de tv, pequenas notas em páginas na internet. Quando pensamos na magnitude dos povos indígenas os cocares de papel sulfite nas crianças da escola primária tornam-se fantasias de carnaval, relegamos os povos indígenas a meros personagens ultrapassados da história do Brasil e da América Latina. 

No Brasil vários grupos são marginalizados há tanto tempo que serem tratados de forma pejorativa por seguintes gerações se normatizou. Os povos indígenas entram nesse contexto de exploração, preconceito e desrespeito que já se tornou universal. E no momento chave para a discussão séria sobre o que fizemos das populações indígenas, na data mestre para a real contemplação da cultura das sociedades primitivas, pintamos nossas crianças com urucum e as ensinamos a repetir sons com a boca.

O massacre dos povos indígenas é sabido por todos que ao menos um dia se interessarem pela história do Brasil e da América como um todo. Habitantes naturais do continente tiveram seu habitat colonizado por uma população completamente diferente em cultura e costumes, matando-os a partir das guerras, sucessivamente com doenças, e até hoje massacrando sua memória. 

Ao contrário do que a grande maioria da população acredita, desde que o IBGE passou a fazer a contagem de pessoas que se consideram indígenas no Brasil nos anos 90, o número de índios só aumentou. Assim como os negros esse aumento não se dá necessariamente só pelo aumento da população, mas sim pelo fato de que muitos passaram a se reconhecer como indígenas. As populações indígenas também assumiram características diversas, podendo viver em reservas asseguradas pelo governo, em busca de terras para se estabelecer ou até mesmo nos centros urbanos.

Outra característica difundida e muito questionada quando o assunto são povos indígenas é o fato de produtos da vida moderna terem adentrado as aldeias, como, por exemplo, celulares, geladeiras, televisões, etc. Segundo o senso comum, índio de verdade deve viver como há 500 anos atrás, se não, não é mais índio, é homem branco. A cultura é um conjunto de ações que naturalmente se modifica o tempo todo, com maior ou menor velocidade, porém tanto se apropriam novos comportamentos como também é possível a adaptação de comportamentos antigos com as facilidades do atual momento.

No âmbito das políticas públicas os povos indígenas sofrem ainda mais. No país existe um braço do SUS que deveria atender a população indígena de forma diferenciada, porém escassa e que em muitas das vezes não funciona. Na educação houve um ligeiro desenvolvimento quando o assunto é uma maior flexibilização dos currículos e da estrutura escolar bem como a formação dos professores que lecionam em escolas indígenas. Existe hoje um número já bem expressivo de indígenas formados atuando como professores em suas aldeias, lecionando em escolas bilíngues, com alimentação e horários de acordo com as atividades das aldeias, mas ainda temos muito o que caminhar nesse sentido.

Mais um dos preconceitos eternizados na história do Brasil pelo colonizador branco é que o indígena é vagabundo e não gosta de trabalhar. Naquele período da colônia o Brasil tinha vários padres da Ordem Jesuíta que acreditavam que os índios tinham alma e então deveriam ser salvos e catequizados, não podendo assim serem usados como escravos. Muitos dos colonizadores que tentaram forçar indígenas ao trabalho nos moldes europeus e de forma escrava, viram que não obtiveram grandes ganhos, os indígenas não tinham a cultura do trabalho exaustivo diário, bem como não conheciam as formas de trabalho do homem branco.

Para que a venda de escravos negros se efetivasse a lenda de que os indígenas eram vagabundos, somada ao impedimento da escravidão indígena feita pelos padres, se espalhou pela colônia e perdura até os dias atuais. Voltando a falar do quesito cultural, temos sempre que nos lembrar e tentar compreender que para o índio não existe a necessidade do acúmulo de bens. Estes povos geralmente buscam aquilo que necessitam diariamente e não trabalham horas durante o dia a fim de enriquecer ou qualquer outra coisa do gênero. Nesse sentido alguns antropólogos também associam a vasta natureza existente no Brasil, o que teria permitido que muitas aldeias vivessem de forma autossustentável através da floresta por muito tempo.

Num novo sentido de percepção “o homem branco“ passa a olhar os povos indígenas em busca de respostas que em seu ambiente urbano não encontrou, como, por exemplo, curas para doenças. Muitos cientistas têm buscado não só na natureza mas nos conhecimentos primitivos dos pajés respostas ainda não encontradas na medicina e ciência. A própria NASA tem desenvolvido projetos onde vários pajés pertencentes a povos da América como um todo tem dados suas contribuições naquilo que sabem sobre a cura de diversas doenças e no manuseio das plantas.

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