sexta-feira, 17 de abril de 2015

Pedaladas fiscais e ausências morais

Tribunal de Contas da União e Ministério Público apontaram crime do governo Dilma Rousseff no uso de recursos públicos para o o equilíbrio artificial das contas entre 2013 e 2014, o que poderia ajudar a sustentar a tese de impeachment. Nas ruas em março e abril, nenhuma cartolina fez menção ao caso. Afinal, o que explica o silêncio sepulcral dos indignados?

por MURILO CLETO



No dia 6 de abril, o procurador do Ministério Público Júlio Marcelo de Oliveira concluiu seu parecer junto ao Tribunal de Contas da União a respeito de uma manobra realizada pelo governo federal entre os anos de 2013 e 2014: houve crime fiscal do Planalto, é o que diz o relatório.

Neste período, o Tesouro Nacional segurava por algum tempo repasses destinados a benefícios sociais, como seguro-desemprego, Minha Casa Minha Vida, crédito agrícola e Programa de Sustentação de Investimentos, por exemplo. Desta forma, os bancos públicos eram obrigados a utilizar recursos próprios para os pagamentos. Na prática, funcionava como uma espécie de "cheque especial": os bancos emprestavam dinheiro ao Tesouro, o que mantinha as suas contas equilibradas de maneira artificial - a Lei de Responsabilidade Fiscal veda este artifício. De acordo com o TCU, o governo deixou de repassar pelo menos R$ 40 bilhões ao Banco do Brasil, à Caixa Econômica Federal e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. O governo tem 30 dias para apresentar defesa.

Desde o final de 2013, o repórter do Estadão João Villaverde vem trabalhando arduamente no caso, que pode ser compreendido em diversas atualizações aqui.

Mesmo com as investigações em andamento, chama atenção o fato de que as "pedaladas fiscais", como o caso ficou conhecido, não apareceram, em absoluto, em nenhuma das marchas anti-governo em março ou em abril. Nenhuma cartolina. Nada. Isso porque os apontamentos do Ministério Público corroboram a tese de impeachment que circunda o Planalto já há algum tempo, o que não acontece com os escândalos na Petrobras ou o Mensalão, por exemplo. Quer dizer, apesar da completa ausência de indícios que liguem a presidenta aos crimes cometidos na estatal petrolífera, 77% dos manifestantes deste último domingo defendem o impeachment, como aponta o Datafolha. 

Pra quem tanto batalha pela deposição da presidenta, as irregularidades fiscais cometidas pelo governo poderiam servir como pólvora para uma imensa pressão pelo impeachment. O que explica, portanto, o silêncio dos indignados diante do crime defendido pelo Tribunal de Contas?

Há sempre, é claro, o fator da desinformação. E ela tem reinado no país. De acordo com levantamento da USP, predominaram na Avenida Paulista discursos de endosso aos mais variados boatos de circulação em redes sociais: 71% dos manifestantes acreditam que Lulinha é dono da Friboi; 56% que o Foro de São Paulo quer implantar uma ditadura no Brasil; 53% que o PCC é um braço armado do PT; 42% que o PT trouxe 50.000 haitianos para votarem em Dilma.

Mas só isso não é o suficiente. Há algum tempo, tenho insistido na tese de que a supremacia do discurso moral, em ascensão incontrolável nos últimos anos, contribuiu para a despolitização da política. Isso significou tanto a proliferação de figuras como Jair Bolsonaro, Levy Fidélix, Marco Feliciano e Magno Malta, quanto uma rejeição profunda à política institucional. Os números de domingo parecem não mentir: o descontentamento é geral

Levando em consideração o aspecto técnico do crime fiscal cometido pelo governo Dilma, fica difícil imaginar faixas nas ruas que motivem gritos de guerra. Pode ser que falte um nome de batismo pro caso: "Pedaladas Fiscais" é muito pouco impactante. "Pedaladonas", talvez? - mas não deve decolar. Acima de tudo, "Mensalão" e "Petrolão" foram escândalos inflados pela indignação moral anti-corrupção, mas batizados desta maneira para amplificar a sua aceitação, e funcionou. Mas o problema nunca foram os crimes. Fossem eles, casos bem mais impactantes do ponto de vista econômico também levariam multidões às ruas: Zelotes, HSBC. Até tentou-se algo como "Suiçalão", mas, com o envolvimento de figurões dos veículos tradicionais de mídias no Brasil e a ausência de percepção entre iniciativa privada e corrupção, o termo morreu na própria base governista e adjuntos.

Pode ser que ainda seja cedo para estes apontamentos e que alguma página como Revoltados On Line descubra um mecanismo para viralizar o caso das "pedaladas", mas é improvável. Cega pela indignação, essa é uma oposição que parece mergulhar na própria limitação cognitiva. Perde ela, que poderia conseguir o tão sonhado impeachment, mas perde sobretudo o Brasil com o que poderia ser uma alternativa digna de oposição à direita.

O PSDB, que não perde tempo, já encomendou Ação Penal. 

Ainda dá pra pensar numa cartolina.


Abraços, 
Murilo

4 comentários:

  1. Parte de um capitalismo periférico, o Brasil toma os efeitos da crise mundial de maneira posterior ao epicentro. Antes do alarde, nas ruas da Europa se perguntava quem pagaria o preço pela crise enquanto muitos direitos e programas sociais e trabalhistas foram cortados. Parece que esta pergunta passa ser feita agora por aqui, num período de recessão temporário, mas que se quer como oportuno para um Impeachment, no aproveitamento de uma possibilidade de existência de uma consciência moral política fraca e anêmica por parte da base da população (globo 50 anos), ao qual suas escolhas políticas são voláteis e imediatas. Mas, como dito, temporário e o questionamento só agora, pois são frutos de um contexto anterior que permitiu que a crise não atingisse as camadas mais vulneráveis, de modo que não foi apenas pela manutenção da economia, mas agora, de acordo com as constantes críticas aos programas sociais, uma desafiadora atitude em mantê-los.

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  2. Mas parece existir uma falta de sapiência não só para com o futuro mas também pela própria memória, ao qual a oposição se diverte com seu jogo descontextualizador e ressignificador. Disseram que manteriam os programas sociais nas eleições, mas muitos partidos votaram em peso pela precarização e, mesmo ainda na calda da crise, apagando todo um contexto, ressignificam o ato de manter os programas sociais e ampliamento de direitos como pedaladas. Se por um lado, como apontou, falta uma inteligência contextualizadora por parte dos manifestantes do dia 12, por outro, só espero que isto não falte para aqueles que poderiam ter pago de maneira brutal como foi em certos países na Europa, que passaram a conhecer conceitos antigos nossos, como trabalho precário e informalidade, tanto que os programas sociais do Brasil estão sendo estudados para uso na Europa quanto nos Estados Unidos após a crise.

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  3. Mas o tempo é dado só no instante, numa estética temporal aguda. Entretanto, no tempo hábil que foi dado, diferente de outros em que direitos e programas sociais foram cortados, com primeiros ministros dizendo que poderiam passar fome ou suicidar-se, as mais diferentes camadas econômicas no Brasil, talvez, não souberam aproveitar a tomada de fôlego sobre a crise e se preparar para esta reta final até a próxima, pois o capitalismo está fadado em ter crises esporádicas, ainda mais sobre aqueles localizados no capitalismo periférico, talvez, nisto, uma sapiência necessária com uma dinâmica de um sistema que perpetuamente estará sobre o efeito de crises estruturais, próprias do capitalismo contemporâneo, mas parece que o Brasil é uma ilha distante do mundo circunscrita num presente imediato. Pois, caso aconteça o impeachment, a ressignificação futura será sobre a miséria produzida, (não sei se poderão sustentar os modelos antigos, como o sul maravilha e o nordeste faminto para pedir dinheiro ao FMI) não consequente, mas fruto de uma escolha política econômica em transformá-la em necessária para a própria manutenção de seus anseios e de sua classe, pois, como diriam os manifestantes do dia 12 "estamos cansados de pagar para vagabundos e direitos para empregadas”, significado que nada mais é que uma costura que mostra o ranço de um partido, sobre o antes, o agora e o futuro de suas intenções ao lançar uma aposta sobre qual a qualidade da consciência política e contextual da população.

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  4. Do dia 12, mesmo ainda perigosa, vergonhosa, ainda mais com a sua colocação no texto. Do restante da população, o data folha dita, mas parece ninguém mais contestar os números, parece que esquecemos a manipulação nas eleições em tão pouco tempo, ou será que querem que pensem que esquecemos? Se de tudo parece apenas jogo de palavras num agudo momentâneo, deverá os mais vulneráveis pagar? Uma pergunta com um fundo temerário, mas que não faz parte de uma política do medo, não é uma cortina fantasmagórica, pois com os acontecimentos, com o desmascaramento, com a direita saindo do armário, é fato concreto que isso acontecerá pela perspectiva de certos partidos e pelo anseio daqueles que os sustentam escancaradamente manifestos, na tentativa de recuperar os tempos perdidos, talvez, mais agravante ainda se for no meio de uma outra crise do capitalismo que está por vir, mas nossa sapiência imediata forjada por opiniões não permite visualizar e associar, seja até mesmo para os do dia 12, uma elite que só sabe fazer papel de pateta enquanto a mordomia de sentar e acomodar-se sobre o proletário do capitalismo periférico está cada vez mais exigindo estratégias de dominação impar, ao qual parecem não acompanhar a transformação exigida, não só disto, mas também como oposição política, simbolizado em seu texto e nas estratégias tomadas, pois, não basta mais ser o coronel filantrópico ou o burguês erudito com falas de humildade no município. Enquanto isso, é de perceber o quanto que uma ideia pública é perdida socialmente e nas instituições e com o desmascaramento cada vez mais elas se mostram próximas do que foram desde do período colonial, um fundão oligárquico escravocrata que se recicla em fazer do pais parte do capitalismo periférico com a fachada de república ou democracia, sendo a justiça o desmascaramento da vez.

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