Na era pós-PT, outro futuro à esquerda será possível?
por LUIS FELIPE MACHADO DE GENARO
Hoje, no Brasil, existe uma grave constante quando o assunto é política. Imagino que todos nós sabemos exatamente sobre o que me refiro: a crítica ao governo Dilma Rousseff e ao Partido dos Trabalhadores. Elas são muitas, diga-se de passagem. Críticas formuladas tanto à direita quanto à esquerda. Por quais razões elas estariam acontecendo?
À direita, por razões óbvias. O partido fundado pelo ex-presidente Lula no início da redemocratização teve seu germe no agrupamento de sindicatos e sindicalistas, movimentos e comitês populares, intelectuais e artistas ligados à cultura de resistência, protesto e questionamento. Se almejava repensar o projeto de país vigente até o momento baseado na desigualdade social e prostrado aos desígnios das grandes potências.
Hoje, sabemos que para os integrantes da “nova direita”, muitos da própria base aliada do governo, isso pouco importa. Importa mesmo é criticar os poucos, e bons, acertos ocorridos pelo caminho. Afinal, a redistribuição de renda, a possibilidade de crédito a parcelas da sociedade marginalizadas do processo econômico e uma política internacional desalinhada dos interesses dos "países amigos", foram passos importantes para o esfacelamento – que ainda não cessou – das históricas Casa-Grande e Senzala.
Para a esquerda, diferentemente, as razões de sua crítica retumbam em alto e bom som e parecem mais claras que a luz do dia. São as permanências e as poucas rupturas que a inquietam. Diferente da crítica formulada pela velha e a nova direita, a esquerda toma os governos do Partido dos Trabalhadores como conciliadores, reformistas e estabilizadores.
Bem, admito que me incluo nessa.
LULA E O FEUDO-BRASIL
Lembremos que as promessas do partido de Lula eram desestruturar os principais pilares do Estado brasileiro. Pilares que até aquele momento beneficiavam os patrões ao invés dos empregados. As reformas de base, antigas bandeiras de João Goulart – ilegalmente deposto pelo Golpe de 1964 – seriam reinventadas, repensadas e realizadas. O camponês que não tinha terra para plantar, sua terra teria. O senhor que toda terra possuía, seria desapropriado. Bom, é ai que a pedra no calçado do PT começa a incomodar.
As reformas deixaram de ser repensadas, não se realizando. Foram arquivadas e relegadas a uma ou outra questão premente. Revisões pontuais. As bandeiras foram rasgadas. Hoje, fazem parte da História (?). Talvez o primeiro presidente operário, orador e estrategista não tenha utilizado toda a força de sua base de apoio ao ser eleito, base que serviria para pressionar um Congresso historicamente conservador e reacionário.
Eis a chave para transformar o país: sublevação e pressão popular.
A cada ano que passava no poder, o Partido dos Trabalhadores ficava refém de uma estrutura que não desmantelou. Estrutura erigida por corruptos e corruptores de outros tempos. Estruturas baseadas na estratificação social, na escravidão de africanos, no genocídio de povos ameríndios, na doutrinação dos bispos, nos latifúndios dos coronéis e na expropriação de nossas riquezas. Lula e o Partido dos Trabalhadores não revolucionaram as bases, e, com o tempo, se esqueceram dos oprimidos para galgar as benesses dos opressores. Se olharmos na perspectiva do tempo histórico, a partir daí, estavam fadados ao declínio muito mais rápido do que se esperava.
Rememoremos que o presidente operário havia dado sinais de fraqueza antes mesmo de ser eleito, quando lançou a “Carta aos Brasileiros”. Nada de revolução. Reformas bastariam. O mercado financeiro, os governos do norte e os setores mais arcaicos e tradicionalistas do país, finalmente, haviam cedido. A classe média, até o momento estática na pirâmide social, e as massas operárias marginalizadas do processo político e econômico, escolheriam o PT, no memorável ano de 2002.
Depois do primeiro operário, a primeira mulher. Uma mulher de fibra e inflexível que havia enfrentado de cabeça erguida os militares no poder. Subversiva na juventude, Dilma cairia na mesma estrutura corruptora, intransigente à mudança e montada para não ser, jamais, desmontada. O operário e a mulher, lá no fundo, apesar de sua importância histórica, não passaram de símbolos de um projeto inacabado. Projeto que se perdeu pelo caminho, entre acertos e muitos, muitos erros.
O FIM DO PT
Enfim, cá estamos uma década e alguns anos depois, onde o governo brasileiro, afetado pela crise econômica que ondula e atinge o mundo com frações diversas desde a explosão da bolha imobiliária dos EUA, no ano de 2008, fecha as cortinas. Não bastasse sermos reféns das estruturas internas, somos também das externas. A globalização mostra suas garras de formas variadas e de maneiras cada vez mais agressivas. Suas consequências são conhecidas. Segundo pesquisadores e economistas da desigualdade, o abismo entre ricos e pobres tende a ser exponencial. Enquanto a taxação das grandes fortunas e o aprofundamento dos programas sociais não são realidades, o que esperar do futuro?
Hoje, o Partido dos Trabalhadores declina. É bom que se frise: não apenas ele. Vivemos um novo tempo do mundo. As democracias ocidentais estão ameaçadas pelo controle excessivo de suas próprias autoridades, pela crise de representação, vigilância extrema e pelo poder onipresente do capital financeiro, bancos e multinacionais. O bem público está prostrado ao privado.
Atualmente, os inimigos íntimos da democracia são inúmeros. Além dos exemplos que citei acima, um deles, no Brasil, e não apenas nele, é a famigerada imprensa nativa. É ela a formadora de opinião e consciências. É ela quem molda e inculca modos de vida, percepções, ódios e amores, espraiando o acontecimento cotidiano da forma, maneira e ângulo que bem entende. É ela que escolhe qual líder governará com estabilidade e qual líder cairá. No fim, o que vale mesmo é o interesse do patrão, não o acesso à informação. Não há e nunca houve tamanha falsidade intelectual como a bandeira da imparcialidade, da neutralidade ou qualquer outro sinônimo de um conceito tão disparatado que os mesmos oligopólios, de forma constante, tentam defender. Se existe um futuro à esquerda, outro assunto urgente em pauta precisa ser a democratização/regulamentação das mídias.
A relação do partido com a imprensa nativa é uma evidência lamentável do espírito conciliatório dos governos Lula e Dilma, já que são distribuídos – algo revoltante! – milhões de reais do governo federal através de verbas publicitárias, estando a mesma de mãos dadas com a Casa-Grande. Percebemos que a base das estruturas está intacta. O Partido dos Trabalhadores e os barões da imprensa sabem muito bem disso. Saberia a sociedade civil?
Os “salvadores da pátria” que marcharam dia 15 de Março de 2015 parecem não compreender um fato simples. Uma inverdade lavada com má fé e estampada pelos grandes veículos de comunicação – Veja, Estadão, Folha e Globo, principalmente. Diferente daquilo que cegamente se acredita, muito em razão de editoriais e manchetes da grande imprensa, Lula e Dilma não foram os inventores da corrupção. Mantenedores? Não há dúvidas.
A corrupção no país é histórica, sistêmica e estrutural. Permeia os principais cantos da sociedade brasileira, dos setores públicos aos privados, da criação dos filhos a reuniões de escritório, do pular a canaleta ao furar a fila. Como mudar essa situação? Mais policiamento e fiscalização, ou mais educação crítica e informação de qualidade?
OUTRO FUTURO, OUTRAS POSSIBILIDADES
Resumindo tudo até o momento: o PT está em fase terminal. Não há remédio ou remendos à vista. Por isso, à esquerda, algumas soluções me parecem viáveis daqui para frente. Uma nova intelectualidade hoje afastada dos rumos políticos, seja na área das humanidades, seja nas demais, precisa se engajar no sentido de interpretar os problemas do Brasil recente como antes se fazia. Onde estão nossos Florestans, Darcys e Faoros? Hoje, precisamos deles mais do que nunca. A união de uma nova leva de pensadores em prol de um novo projeto de nação.
Esta intelectualidade, por sua vez, necessitará propor um diálogo estratégico com os novos e velhos movimentos sociais – pela distribuição efetiva da terra, luta pela moradia e pelo avanço por mais direitos trabalhistas em todas as categorias. Sabemos que muitos dos dirigentes e “caciques” dos grandes movimentos foram, ao longo dos anos, cooptados pelo Partido dos Trabalhadores. Mesmo que este infortúnio seja evidente, a resposta está nas bases: crianças, jovens e famílias de ativistas. Serão deles e com eles que a nova intelectualidade precisará firmar um pacto.
Um terceiro personagem será relevante: as mídias independentes. Só assim a revolução será televisionada. Agora, pelos monitores dos notebooks. Sabemos que alguns dos principais objetivos da grande imprensa são a descaracterização e a difamação dos movimentos sociais e do pensamento baseado na utopia, na rebeldia e na transformação da realidade de forma radical e, por vezes, violenta. Isso não é uma novidade. Se por um lado, o acesso à informação e à liberdade de imprensa são questões indiscutíveis em uma democracia plena, em mãos erradas o resultado pode sair bem, bem diferente do esperado.
Ao invés de notícias, artigos e textos críticos, educativos e questionadores, assistimos um lamaçal de preconceito, conservadorismo e sectarismos. É ai que entram os novos portais de notícias e as redes de comunicação instantâneas.
Por último, sobraram os pequenos, mas combativos partidos de esquerda, revivendo a gênese de um novo tempo como um dia viveu o PT. Hoje, são eles que empunham as bandeiras da justiça social, dos direitos humanos e da democracia popular afastada dos mandos e desmandos do capital – estando o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), fundado no início do século XXI pelos dissidentes “rebeldes” do PT, à frente das principais bandeiras e lutas. Assim como a reinvenção do capitalismo bruto e opressor acontece de tempos em tempos, a utopia socialista trilha esse mesmo caminho, renascendo a cada luta, greve e revolta coletiva.
A Esquerda, assim mesmo, com “e” maiúsculo, precisará aprender com os acertos e, principalmente, com os erros do partido de Lula e Dilma. Será a união desses partidos capitaneados por uma Frente Única de Esquerda, juntamente com a nova intelectualidade, os velhos e novos movimentos sociais e as mídias independentes que empurraremos o Brasil para um caminho diferente dos rumos propostos pela nova direita, pelos marchadores fascistas e as bancadas no Congresso – bancadas que controlam a política nacional de acordo com seus próprios e escusos interesses.
Apenas com a união do pensar e do agir é que faremos o motor da História voltar a funcionar rumo a tão sonhada revolução social, como um dia nos aconselhou Marx. Só assim mudaremos o país de uma vez por todas.
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