por LETÍCIA SANTOS
A escritora, filósofa e feminista francesa Simone de Beauvoir (1908-1986) começa seu livro O Segundo Sexo, publicado em 1949, dizendo “Hesitei muito tempo em escrever um livro sobre a mulher, o tema é irritante, principalmente para as mulheres. E não é novo. A querela do feminismo deu muito que falar: agora está mais ou menos encerrada. Não toquemos mais nisso...”
Simone pretendia que tal assunto fosse superado, no entanto, mais de 60 anos depois, o feminismo é um dos assuntos mais pertinentes. No tapete vermelho do Oscar, a atriz Patrícia Arquette fez um pequeno discurso de repercussão mundial sobre a equidade de gêneros, já que ainda precisamos defender salários iguais para as mulheres. Temos uma mulher na presidência de nosso país, mas ainda há falta de mulheres em posições representativas; a blogueira Luara Ramos, em seu texto Sem Feminismo não há democracia, falou sobre as dificuldades que as candidatas à presidência no ano de 2014 tiveram que enfrentar, sendo alvos de termos sexistas nas redes sociais; comentários sobre suas roupas, cabelo, tipo físico, algo que deveria ser completamente irrelevante em uma disputa eleitoral e que os candidatos homens não tiveram que enfrentar, afinal, ninguém se preocupou em tecer críticas sobre as roupas de Eduardo Jorge ou sobre o penteado de Aécio Neves.
Inovando para falar sobre o assunto, cansadas de décadas e décadas de propagandas machistas, que tratam a mulher como mais um objeto de consumo, publicitárias criaram a Cerveja Feminista – para homens e mulheres, já que os grandes empresários do ramo ainda não perceberam que seu produto também é consumido por mulheres.
Outras campanhas, como Chega de Fiu fiu, contra o assédio sexual sofrido pelas mulheres em espaços públicos, em suas pesquisas informaram que 99% das mulheres já sofreram algum tipo de assédio, enquanto 83% delas disseram que se sentiam constrangidas com a situação, e, entre os homens entrevistados no documentário realizado pela campanha, alguns disseram que “se a mulher não quer ser assediada que se vista de moletom”, e também “se não quer que mexam com você, não saia de casa”.
Essa resposta revela um pouco do incômodo que o feminismo causa em muitas pessoas, fazendo com que mulheres que defendem o feminismo na internet sofram ameaça de estupro, como foi noticiado em matéria publicada pela Folha de São Paulo.
Ainda existe muito medo em relação ao feminismo, a autonomia e a liberdade das mulheres assustam aqueles ligados à ideia de uma sociedade que explora e oprime. Feministas são chamadas de infelizes, mulheres que não conseguem “arrumar” marido somente por não terem escolhido a resignação, mas sim a luta.
Em seu livro O Segundo Sexo, Simone de Beauvoir falava de todas as mulheres, pois pretendia uma união. Simone lutou pela libertação das mulheres não somente com sua produção intelectual, mas com seu estilo de vida, que fugia dos padrões.
Formula como filósofa que há milênios a relação entre homem e mulher é estruturada da seguinte maneira: o homem vê, a mulher é vista; o homem é sujeito, a mulher é irremediavelmente objeto, outro, segunda; o homem é cultura, a mulher é natureza, prisioneira de sua condição fisiológica, desse ventre que a curva ao seu destino, a maternidade.
Simone não nega as condições biológicas e sexuais que diferem o homem da mulher. Mas afirma: “o que toda a sociedade construiu sociologicamente, moralmente, profissionalmente sobre esta base, é algo que não tem nada a ver com diferença biológica. E é por isso que eu digo, ser mulher não é somente exercer seu sexo de uma certa maneira, mas é ser classificada de uma certa maneira na sociedade. Desde que as meninas são pequenas, que a sociedade fabrica as mulheres, os brinquedos, as brincadeiras e as leituras não são as mesmas. A formação profissional não é a mesma”, e nos pergunta: como Van Gogh poderia ter nascido mulher? Uma mulher não teria sido enviada em missão ao Borinage, não teria sentido a miséria dos homens como seu próprio crime, não teria procurado uma redenção; nunca teria, portanto, pintado os girassóis de Van Gogh. Sem contar o gênero da vida do pintor, os bordéis, os cafés, tudo que alimentava sua sensibilidade. Uma mulher jamais poderia ter se tornado Kafka: em suas dúvidas e suas inquietudes, não teria reconhecido a angustia do Homem expulso do paraíso.
Séculos privando as mulheres de educação e liberdade como a dos homens, de experiências, o que perdemos? Quantas escritoras brilhantes? Artistas, empresárias? Cientistas?
O grande recado de Simone é que biologia não é destino. Podemos escolher o jeito que viveremos nossa feminilidade. Não há um jeito único, não há um jeito certo.
Feminismo é a simples ideia de que mulher é gente, busca igualar homens e mulheres não somente em direitos, mas também em questões sociais. É a desconstrução de estereótipos, preconceitos e regras que escravizaram as mulheres durante anos.
Feminismo é sobre liberdade e, como diz a escritora feminista Clara Averbuck, é difícil ser realmente livre nesse mundo.
Seu texto me fez rever muitas coisas, obrigado!
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