Como um dos grandes clássicos da literatura pode nos ajudar a encarar a realidade
por LUISA DE QUADROS COQUEMALA
Assim que terminei de ler minha simples, porém bela, edição de O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote da Mancha, tive certeza de que Dostoiévski estava mais do que certo quando afirmou: "Não existe nada mais profundo e poderoso do que este livro. Representa até hoje a mais grandiosa e acabada expressão da mente humana. Se o mundo acabasse e no Além nos perguntassem: 'Então, o que você aprendeu da vida?', poderíamos simplesmente mostrar o D. Quixote e dizer: 'Esta é a minha conclusão sobre a vida. E você? O que me diz?'."
Não consigo ler e interpretar o Dom Quixote de outra maneira que não quixotescamente. Minha mente errante, em pleno século XXI, não é capaz de encarar esta maravilhosa obra apenas como uma paródia cavalheiresca, mas sim como uma lição de vida que veio do início do século XVII para abrasar nosso desconsolado tempo.
E o que é que eu fui ver de tão didaticamente maravilhoso em um doidivanas? A meu ver, Dom Quixote é muito mais do que um louco cuja missão é sair mundo afora de maneira errante. Para mim, o Cavaleiro da Triste Figura representa uma reação frente ao mundo, aquela bela atitude de encontrar esperança e beleza na descrença – no maior estilo do judeu Guido, protagonista de A Vida é Bela.
Nas suas confusões de moinhos com gigantes, de paragens com castelos grandiosos, e ao acreditar fielmente que seu cavalo magro e fraco, Rocinante, é um belo garanhão, Dom Quixote faz do mundo desencantado com a cavalaria um lugar mágico e, com certeza, mais interessante. Vejo nele o que não vejo em outros: a luta por um ideal maior, um inconformista em meio à mesmice.
Isso ainda é válido hoje. Em um mundo onde tudo é cada vez mais preto e branco, pessoas que vivem à la Dom Quixote, que lutam e acreditam em seus ideais, por mais contrariados que sejam, têm, com certeza, uma posição admirável. Tais pessoas, que acordam todos os dias em busca de um mundo melhor, vestem diariamente sua armadura e saem à luta – o preço, provavelmente, é ser visto como louco, como alguém que confunde coisas ditas insignificantes com grandes gigantes, que, diz-se, repara nas miudezas “desnecessárias” do cotidiano. Mas, são justamente essas pessoas que mudam o mundo através de seus sonhos e pensamentos quixotescos.
E as mudanças, mesmo que pequenas, ainda deixam aquele rastro de esperança atrás de si. Porque D. Quixote errou – errou muito e errou feio. Mas é inegável a impressão que deixa ao passar. E quem sabe, um dia, não inspire outros a sair por aí atrás de seus ideais? Sancho Pança se irritou e machucou, mas é notável sua permanência ao lado (acima de tudo) amigo.
Tento interpretar Dom Quixote da mesma maneira como ele se coloca diante da realidade: romanticamente – o que não significa, de maneira alguma, ingenuamente. Assim é que, para mim, ele consegue ser a resposta para a estranha experiência de existir: apesar dos golpes e decepções da vida, acordamos sabendo que é necessário seguir em frente, fazendo nossa parte em busca de um mundo melhor. Sermos tristes figuras, mas com brilho nos olhos.
Aconselho ler "A arte do romance" do Kundera, obrigado pelo seu texto
ResponderExcluirTalvez, ler uma coleção de Ensaios de Thomas Mann, organizada por Anatol Rosenfeld, venha ser de seu interesse, principalmente quando no último capítulo trata de Dom Quixote.
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