por MURILO CLETO
Há quem discorde do Desafinado. Particularmente, acho isso incrível. Aliás, é inevitável que se discorde pelo menos de alguém entre 9 escritores regulares e os outros tantos eventuais. Inclusive porque nós mesmos discordamos entre nós, e isso nunca foi um problema. Textos existem pra serem questionados, debatidos, desconstruídos, refutados. Mas não é disso que se trata a oposição ao blog.
Pro além dos que discordam, há os que desqualificam. Desqualificar também é possível, mas isso envolve um exercício bem mais complexo e que não se encerra no próprio texto. O exercício de desqualificação tem como base o pressuposto de que, independentemente do que se diga, não se tem o direito de dizer, porque tudo que se diz é de antemão equivocado. Afinal, quem é que não tem o direito de dizer?
Já faz tempo que uma campanha de desqualificação foi lançada contra o blog Desafinado. E ela parte de dois princípios fundamentais: primeiro, o de que o coletivo é uma reunião de "esquerdopatas" cegos na direção de uma ideologia; e, segundo, o de que o espaço é ocupado por membros da administração Cristina Ghizzi em Itararé que aqui estão simplesmente pra defender o próprio emprego. E muito embora o meu objetivo não seja responder aos autores desta campanha, já estava na hora de alguém colocar os pingos nos is.
Confesso que gosto do termo "esquerdopata". Ele me atrai sobretudo porque desnuda a dificuldade de certa direita em compreender que é possível pensar em outro mundo que não o que se desenhou limitado à frente do próprio umbigo. Por mais que pareça, a definição não é aleatória. Tem o objetivo de desautorizar a fala de quem diz com o recurso da patologia: vocês estão loucos, queridos. Louco não pode dizer. Ou, se diz, ninguém pode ouvir. A civilização se desenhou assim. A estratégia é mais velha que a própria fala.
Esse é o tipo de gente que te marca numa postagem da TV Revolta pra perguntar se dessa vez você vai defender bandido, como faz essa turma dos direitos humanos - eles dizem. Ainda que tenha quem caia, e tem bastante, esse é o tipo de muralha que não se derruba, em parte porque há má vontade e desonestidade, claro, mas sobretudo porque há limitações cognitivas que não se superam com um texto. Não é de texto que estamos falando? Este, inclusive, não é pra nenhum deles. É pra quem escorrega no segundo princípio de desqualificação do blog, atualmente o meu favorito.
Lançado em agosto de 2012, o Desafinado tem hoje cerca de 84 mil leituras. Não é grande coisa, mas um feito e tanto pra um blog que nasceu de uma iniciativa solitária, mal e parcamente atualizada quase mensalmente por 2 anos; nunca precisou de manchetes escandalosas e falsas polêmicas pra ganhar cliques; e fala sobretudo pro público de uma cidade com apenas 50 mil habitantes. Desde junho do ano passado, o Desafinado virou um coletivo: teve modificado o endereço de acesso e passou a ser abastecido por uma equipe de itarareenses com afinidades intelectuais suficientemente compatíveis para o desenvolvimento de um projeto colaborativo, que ninguém ganha nada pra fazer. Faz porque quer. Ou, eu costumo dizer, faz porque alguém precisa fazer.
Como as informações são públicas, no blog ninguém usa pseudônimo pra se identificar e eu seria facilmente desmentido a ponto de passar a maior vergonha da minha trajetória pública, a conta é fácil: dos 9 colaboradores fixos do coletivo, 1 deles é membro da equipe de governo da prefeita Cristina em Itararé - eu. (Que não se considere a minha formação, os meus resultados como gestor e as minhas escolhas e renúncias pra ocupar a Coordenadoria de Cultura, tudo bem.) Um, apesar de ocupar cargo em comissão, é funcionário de carreira admitido na municipalidade mediante concurso público, e só está concluindo o doutorado na área em que atua. Um também é funcionário, mas incorporado graças à realização de processo seletivo anual. É tão incompetente que passa todo ano, desde bem antes que a atual gestão estivesse no paço. Todos os outros seis não mantêm qualquer vínculo com a prefeitura: estão por aí, estudando, trabalhando. Pagam as contas com o que conseguem disso e se viram assim.
Se tem algo de interessante em tentativas de desqualificação é a capacidade que elas têm de revelar muito mais sobre quem desqualifica do que sobre quem é desqualificado. Funciona assim: a régua com que se costuma medir a si mesmo passa a servir pros outros - e aí a própria delação é mais que premiada.
Em julho de 2014, escrevi pela primeira vez sobre um esquema que a gestão Perúcio usou por 3 anos pra maquiar a arrecadação da prefeitura e aumentar radicalmente os salários de funcionários, lesando os cofres da Receita Federal. Eu nem disse o que achava disso. Usei os apontamentos do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo que descobriu a falcatrua e abriu processo pra apurar o caso, e só. Quando alguém compartilhou o texto pra explicar a situação do caixa atual da prefeitura, um destes comentou: "pelo amor de Deus, quem escreveu o texto é comissionado". Absolutamente nenhuma linha pra desqualificar o texto, uma contraprova, nada. Morreu ali. No final de dezembro, o que eu previa se concretizou e o Ministério da Fazenda notificou a prefeitura a devolver R$ 3 milhões graças ao desarranjo - vamos chamar assim. Noticiei aqui. Outro deles postou 15 comentários seguidos querendo saber como tive acesso a uma informação sigilosa dessas (oi?); se eu tinha registro de jornalista, que ele tem mesmo sem saber concluir uma sentença lógica sequer; e se o blog tem Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros - isso mesmo, vou repetir, Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros. Pra gerir um blog! Mais uma vez, nenhuma linha sobre o conteúdo do que foi dito.
Há alguns meses, reproduzi uma informação dada em primeira mão pelo Guarani. O jornal teve acesso a um documento encaminhado por uma assessoria parlamentar que informava a Prefeitura de Itararé de que uma linha de crédito estatal não seria usufruída pelo município graças a uma dívida de 1996 que se arrastava em juízo. Outro deles comentou o seguinte: "tudo que vem desse desafinado é lixo". Isso, mais nada. Nada sobre o que se disse, nem sobre as fontes que incorporavam a publicação. Quem disse que a dívida existe e impede o crédito não fui eu, mas a Secretaria do Tesouro Nacional. Se alguém tinha alguma dúvida disso, era só consultar o documento, que estava ali pra todo mundo ver.
Agora a onda é dizer o Desafinado funciona como assessoria da prefeita. Ora, é no mínimo curioso - e talvez ajude a comprovar minha tese - que isso seja dito justamente por quem só parou de cacetear a prefeitura quando foi chamado pra fazer parte dela. Será que essa memória existe nesta cidade ou nós vamos precisar mostrar a diferença nas publicações aqui? Ou alguém acredita que o governo Perúcio mudou de uma hora pra outra e se tornou o melhor do mundo em poucos meses de administração? Quem hoje deslegitima o blog com essa premissa mentirosa - não há eufemismo, é mentirosa e já provei - é quem já passeou até pela Secretaria de Desenvolvimento para não apresentar resultado nenhum, só pra ficar de boca calada. E funcionou. Hoje fala sozinho.
Semanas atrás, um editorial do jornal Folha do Vale foi dedicado exclusivamente ao Desafinado - como se não bastassem as colunas de fofoca que não têm mais do que dizer além do coletivo. Desonesto, hipócrita, dizia que gramática não enche a barriga de ninguém e que apontamos os erros de português do "trabalhador que chega cansado em casa preocupado com o que comer". Faça-me o favor! Um veículo que se diz tão compromissado com o jornalismo deveria ter a obrigação ser suficientemente honesto pra admitir que são os seus textos os ridicularizados aqui, e não os de "trabalhadores cansados que estão nas redes sociais". Seus textos são uma porcaria mesmo. Além de mentirosos, são tão mal escritos que ficam incompreensíveis. Ou, mais uma vez, nós vamos precisar mostrar isso aqui?
Outro dia desses um deles queria saber por que o blog não fala do mato na cidade, numa reportagem tão dramática que parecia caso de impeachment - coisa que, aliás, se tem tentado exaustivamente. O mato é ruim? É, e nunca vi ninguém negar.
Mas, de uma vez por todas, existem algumas diferenças entre o mato alto na cidade e um esquema irregular que tirou R$ 10 milhões da Receita Federal e pode fazer com o que o município devolva o triplo disso: além da completa desproporcionalidade do impacto dos dois problemas pra cidade, um deles estava escondido e o outro não. E vocês querem saber qual é o verdadeiro problema do Desafinado? Não está mais.
Abraços,
Murilo
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