por JESSICA LEME
Semana de volta às aulas, crianças uniformizadas voltam a preencher as ruas da cidade, bem como lotam as papelarias em busca de novos materiais escolares. A empolgação com a escola existe em todas as idades. Mesmo sendo um ambiente onde em primeiro lugar se pretende adquirir conhecimento, a escola é o local onde nossas crianças e jovens aprendem a se relacionar em sociedade, algo vital para o mundo.
“Professores têm tanta importância quanto os pais, eles te ajudam a moldar seu caráter. Num mundo tão amplo de possibilidades e desejos para uma criança ou jovem, ela precisa de bons condutores para orientá-lo em seu caminho. Isso se dá tanto em casa com os pais, quanto na escola, com seus professores.”
Flávio B. Ferreira, cirurgião dentista.
O ano de 2015 começa sendo extremamente delicado quando o assunto é qualidade da escola pública. O ano se inicia com o fechamento de várias turmas em escolas estaduais e municipais, ocasionando uma onda de demissões de profissionais há muito tempo não vista.
Muitas reportagens alertam para o possível apagão da profissão num futuro próximo com a falta exorbitante de professores, principalmente das áreas de ciências e exatas. Este fato já foi derrubado com novos dados que apontam que o Brasil possui professores suficientes para a demanda, porém, com a carreira nada atrativa em termos salariais e de plano de carreira, os bons profissionais migram de área, muitos sequer chegam a lecionar. Os pertencentes às áreas de ciências e exatas são selecionados por empresas, enquanto boa parte dos profissionais da área de humanas permanecem trabalhando como professores/pesquisadores em universidades públicas e particulares.
Boa parte dos jovens que cursam as licenciaturas é de classe média baixa, muitos oriundos de escolas públicas. As universidades inclusive têm seus cursos alocados a grande maioria nos períodos noturnos, pois o perfil do aluno de licenciatura é aquele do jovem trabalhador que tem vida dupla, ou seja, estuda e trabalha ao mesmo tempo.
O professor brasileiro é um dos profissionais que mais têm atribuições que vão muito além da sala de aula: o número exorbitante de horas de trabalho assumidas em busca de um salário melhor e a grande quantidade de trabalho que é levada para casa, este feito nos finais de semana, feriados, dos quais não são computados no salário do final do mês.
Dentro das escolas também se convive com o assédio moral, violência, drogas, aparelhos tecnológicos, como celulares, tablets, entre outros, que invadiram as escolas dificultando muito o trabalho do professor. Nesse sentido um discurso muito forte de inserção da tecnologia nas escolas tem prevalecido beneficiando os alunos de forma negativa. Sabe-se que o uso das tecnologias deve ser supervisionado e a banalização dos celulares (muitas vezes defendida pela comunidade de pais) não traz resultados positivos, muito menos se enquadra no quesito educação tecnológica. Essa discussão vai muito além...
Outro fator pouco comentado pela mídia na maioria das vezes é a instabilidade trabalhista desses profissionais, mais um motivo para a desvalorização e desinteresse em lecionar. Como já foi comentado, no ano de 2015 muitas salas de aula foram fechadas e o efeito “cascata” afeta toda a comunidade. Salas de aula superlotadas, professores ainda mais sobrecarregados e, obviamente, a qualidade de ensino fica prejudicada, já levando em consideração a realidade das escolas públicas, poucos recursos contra o calor, nem sempre com equipamentos de tecnologia funcionando ou ao alcance do professor, ou em quantidades ineficientes, poucos materiais básicos disponíveis.
É unanimidade no discurso de qualquer brasileiro que a educação é importante para o desenvolvimento do país, assim como também o papel do professor na sociedade em geral. Embora isso tenha se tornado slogan de campanhas políticas durante anos (e continuarão sendo), a realidade é bem cruel com aqueles que ainda escolhem ensinar.
Para aqueles que estão mais atentos não é novidade que as políticas que estão se estabelecendo na educação, principalmente nos estados do Paraná e São Paulo (ambos com o mesmo seguimento político), “cortar gastos” é a ordem do dia. No estado de São Paulo vemos acontecer nesse início de ano letivo o que o governo chama de duzentena, aplicada à chamada categoria 'O' de professores (estes contratados provisoriamente de acordo com a demanda). Os mesmos, ao final do contrato de 2 anos, deverão permanecer 200 dias fora da rede, ou seja, o ano letivo todo estarão devidamente desempregados.
Já para os professores efetivos da rede a situação também não é das melhores, visto que as salas passam a ter números acima de 40 alunos, inviabilizando uma prática pedagógica de qualidade, bem como com o menor número de salas fará com que o professor precise de mais escolas para fechar sua carga horária, sendo assim terá que se deslocar aumentando ainda mais seus gastos. O período noturno no estado de São Paulo também vem há anos sendo afetado com fechamento sumário de salas, dificultando ao jovem trabalhador a permanência na escola, medidas essas que afetam sempre as classes mais negligenciadas da sociedade e que mais necessitam de educação de qualidade.
No Paraná vemos literalmente o caos na educação acontecer, medida essa que afeta toda a nossa região que possui muitos professores que transitam trabalhando entre os dois estados. Lá a política neoliberal também busca o corte de gastos a todo custo, salários atrasados, corte de 30% dos agentes educacionais, bem como a demissão da categoria PSS (esta contratada de acordo com a demanda e por tempo determinado). Esta categoria atende as vagas remanescentes ou provenientes de afastamentos, sem ela fica impossível o início do ano letivo programado para a próxima segunda feira, como complementa a fala da professora,
“Bem, desde as campanhas eleitorais que as promessas do cidadão empossado governador Beto Richa foram colocadas para a sociedade, que o estado do Paraná está sendo devastado de uma forma nunca vista antes. No caso da educação, que é uma situação em total caos, os professores temporários, chamados de PSS, estão sem horizonte de vida. Houve a distribuição de aulas em dezembro e todos ficaram razoavelmente tranquilos com suas futuras aulas. Mas a situação piorou. Salário de dezembro atrasado, pagamento do 13° e das férias não houve, e pior, a distribuição das aulas que houve em dezembro foi cancelada.
Agora alunos e professores estão numa situação onde esses não estão em preparação com a Semana Pedagógica, e muitas escolas começarão suas aulas sem professores e até mesmo sem uma escola adequada, porque todo o quadro de PSS (professores, auxiliares I e II) está sem emprego devido a essa bagunça do governo estadual."
Caroline Lara, mestranda na UEPG em História, cultura e identidades; Professora na Secretaria de Educação do Estado do Paraná.
Os profissionais com maior especialização, como os mestres e doutores, não fogem à realidade da instabilidade em seus empregos. É de costume de grande parte das universidades particulares a contratação desses professores com alto grau de instrução no momento das avaliações que o MEC realiza. Assim que essa avaliação acontece as universidades promovem demissões em massa, contratando logo após profissionais menos gabaritados e consequentemente mais baratos, ou seja, vendem um patamar de professores e oferecem outro.
Um dos casos mais recentes ocorreu na conhecida Universidade Anhanguera de São Paulo, hoje uma das maiores do país. Foram demitidos por volta de 1.400 professores entre mestres e doutores, ou seja, foram “punidos” por serem estudiosos demais. A esses profissionais restam as parcas vagas de emprego ofertadas sazonalmente nas universidades públicas, ao mesmo tempo que a rede particular sucateia a qualidade da educação.
Todas essas circunstancias afetam inclusive a saúde dos professores, problemas com a voz, estresse crônico, depressão são os problemas mais comuns naqueles que escolhem o magistério como profissão, porém os médicos alertam que muitos outros sintomas e doenças na vida desse profissional estão associados à rotina de trabalho exaustiva.
De maneira nenhuma esse texto pretende denegrir, ou até mesmo desinteressar, aqueles que estão ou pretendem ingressar na carreira de professor. O importante é se pensar enquanto indivíduo inserido em sociedade qual é o meu papel em uma mudança definitiva quando o assunto é educação de qualidade no Brasil. Reitero que é sabida a importância do professor e o quanto este discurso é até mesmo banalizado, mas e aí quais são de fato as ações para que cheguemos ao patamar de boa educação e valorização do professor?
Essas medidas ultrapassam políticas públicas e abarcam também uma nova perspectiva cultural para o Brasil. Falamos de educação enquanto não vemos nossos jovens serem cobrados por seus próprios pais a terem uma postura coerente com a de alunos nas escolas. Vemos muitos profissionais da área da educação nadando contra a corrente. Ainda se encontram nas escolas professores que não querem trabalhar efetivamente e se recusam a aprender. Mudar consciências é bem mais difícil que discursar em prol de educação.
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