Com mais de 50 facadas nas costas e no pescoço, dançarino itarareense sobreviveu e conta com detalhes o que realmente aconteceu na madrugada do dia 3 de janeiro
por MURILO CLETO
Numa noite quente como um banho de vapor em Itararé, Valter Oliveira estava sorridente. Com alguma dificuldade pra levantar, cumprimentou mais uma vez a amiga Regina, que diariamente o visita desde o dia que mudou pra sempre sua vida - e que por muito pouco não acabou com ela.
Na madrugada de 3 de janeiro de 2015, Valter foi a Sengés com um sobrinho, o jovem Alex, de 24 anos, para aproveitar a noite e quase nunca mais voltou: foi alvo de uma emboscada orquestrada por conhecidos de longe que passaram parte do tempo com os dois - o suficiente pra que tivesse o carro roubado e fosse brutalmente torturado pelos assaltantes na pacata cidade do interior do Paraná que faz fronteira com o estado de São Paulo.
Convidado para dar uma volta pela cidade, levou uma pedrada na cabeça, por trás, que o deixou tonto. Valter foi colocado no banco de trás do próprio carro e levado para uma região afastada do centro da cidade, cujo matagal era alto o suficiente pra esconder quaisquer movimentações suspeitas. Amarrado a uma árvore, o jovem foi espancado com chutes e socos frequentes por todo o corpo. Sem ter ideia do que havia acontecido, seu sobrinho, que ficou esperando na cidade, decidiu ir embora à pé pra cidade natal, enraivecido com o que acreditava ser apenas um desdém do tio.
Mas o pior foram as facadas. "O médico parou de contar quantas foram porque precisava me salvar", disse. Ao todo, Valter levou mais de 50 facadas no pescoço e nas costas. Os golpes foram deferidos com uma arma com cerca de 20 centímetros de lâmina, perfurando diversas veias da nuca. "Foi só por Deus mesmo que sobrevivi, porque nada explica a quantidade de ferimentos que eu sofri".
Pela sobrevivência, Valter chegou a prometer que não entregaria os agressores à polícia. Um deles chegou a titubear com essa esperança, mas a tese foi rapidamente descartada: "um dizia pro outro: 'mata logo ele, para com essa porquice aí, tá fazendo muita sujeira'". Pra tentar resolver de vez o impasse, um dos assaltantes decidiu degolá-lo. Tentou por diversas vezes até desistir graças à trava natural que a vítima desenvolveu com o pescoço. Depois disso, novas facadas. Os golpes só foram interrompidos porque Valter decidiu se fingir de morto. "Eu percebi que, se continuasse resistindo, eles nunca parariam. Prendi a respiração por um tempo e fiz de tudo pra não soltá-la, porque, se eles percebessem, iam continuar me atacando e eu já estava perdendo todas as forças".
Com a certeza do óbito, os agressores pegaram o carro e saíram rapidamente do local. Desconfiado de que ainda o estavam vigiando, Valter esperou por mais algum tempo antes de voltar a lutar pela vida. Usou todas as forças que tinha para desamarrar primeiro a mão esquerda e, depois, a direita. Apesar dos graves ferimentos, se arrastou, desorientado, para qualquer lugar que o levasse para fora do matagal: "Eu tinha certeza de que não ia sobreviver. Minha preocupação era morrer num lugar tão distante e escondido, onde jamais encontrariam meu corpo", confessou.
O sol já raiava quando Valter avistou uma entrada de terra no meio do nada. Levantou para se apoiar numa cerca e caiu logo em seguida graças à fraqueza, inevitável com o volume de sangue perdido com os golpes sofridos. Encontrado por um motoqueiro e, logo em seguida, por um motorista de caminhonete que o confortou por vários minutos no que acreditava serem seus últimos suspiros, o rapaz foi encaminhado ao pronto-socorro de Sengés, onde permaneceu por poucas horas até ser removido à Santa Casa de Misericórdia de Itararé. Depois de 3 dias internado, voltou para casa se recuperar.
Enquanto as mensagens de apoio e carinho multiplicavam-se no Facebook, as mais diferentes versões sobre o que ocorreu também tomaram as ruas da cidade. Pra alguns, Valter havia saído de Itararé para se divertir numa cachoeira em plena madrugada. Pra outros, tinha ido a um encontro amoroso com os dois rapazes. É como se a violência do episódio fosse apenas compreendida com alguma culpa da vítima - como tem sido habitual.
Mas nada disso se compara à informação espalhada de que os bandidos haviam entrado atirando no hospital de Sengés atrás da vítima sobrevivente. Assim que ouviu o boato, dona Rita, a mãe, uma adorável senhora de 62 anos, saiu correndo de Itararé e foi pra cidade vizinha conferir. Alarme falso e tudo não passava de mais um delírio mal-intencionado.
Com 26 anos, todos eles dedicados ao que sabe fazer de melhor, Valter precisa de pelo menos mais 3 meses de repouso pra voltar a dançar nas aulas da academia RZ Fitness e do Educandário São Vicente de Paulo e nos shows de Tataco & Banda, como há tempos faz com a maior dedicação.
Perguntado sobre o motivo da sobrevivência, não teve dúvidas: "Foi Deus. Em nenhum momento deixei de rezar, desde a primeira pancada. Não adianta: quando Ele não quer, a gente não morre".
Parabéns pela reportagem, muito boa!
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